segunda-feira, 18 de abril de 2011

Relatos da Operação Condor

3/9/2010

unisinos

Sara Mendes e Mónica Soliño Platera foram sequestradas em Buenos Aires e levadas para Montevidéu. Narraram a morte de Carlos Santucho e fazem menção à nora do poeta Juan Gelman.

A reportagem é de Alejandra Dandan e está publicada no jornal Página/12, 02-09-2010. A tradução é do Cepat.

Sara Méndez tinha um nome falso. Ela foi sequestrada em 13 de julho de 1976 na rua Juana Azurduy, do Bairro Belgrano, em uma operação em que lhe tiraram o seu filho. Recuperou Simón em 2002, depois da busca das Avós da Praça de Maio.  

Sara, que é uruguaia, foi levada ao centro clandestino Automotores Orletti, durante uma operação conjunta da denominada Operação Condor.

Voltou ao Uruguai em um voo clandestino organizado pelos militares. Na audiência desta quarta-feira, durante o julgamento oral de “companheiros uruguaios” que não sobreviveram e desapareceram nesse país. Também advertiu sobre a possibilidade de que existam, disse, “muito mais crianças” filhos de ex-presos argentinos em seu país “assim como aqui – acrescentou – muito mais uruguaios”.

Sara reconheceu entre seus sequestradores os argentinos que atuaram em Orletti, o chefe da Side, Otto Paladino, e o paramilitar Aníbal Gordon, ambos falecidos.

Também Eduardo Ruffo, um dos repressores acusados no primeiro processo em que os sobreviventes uruguaios começaram a declarar.

Além de Sara, declarou Mónica Soliño Platera, outra uruguaia, militante da Resistência Operária Estudantil, perseguida em seu país e que se instalou em dezembro de 1974 em Buenos Aires, onde trabalhou em um comércio tipo bazar da rua Flórida.  

Mónica foi sequestrada em 7 de julho de 1976 por um grupo de tarefas formado por três pessoas que derrubaram a porta do apartamento de uma prima.


Ambas falaram da presença e do assassinato de Carlos Santucho, irmão de Mario Roberto Santucho, chefe do Exército Revolucionário do Povo, em Orletti.

Também de Manuela Santucho, irmã, e de Cristina Navajas de Santucho, esposa de Carlos. “Esta pessoa – disse Mónica –, Carlos Santucho, estava muito horrivelmente mal, começou a desvariar, gritava, dizia coisas desconexas. Em um dado momento disseram à irmã que o tranquilizasse, mas eles o agarraram e o afogaram em um tacho de água que estava ali, e a verdade é que quando estava morto, o jogaram numa caminhoneta e não sei o que aconteceu depois com ele”.

A Carlos, acrescentou, “lhe perguntaram pelo irmão, inclusive depois que o mataram disseram: ‘Este não tem nada a ver, é um contador, sempre trabalhou na mesma coisa’”.

E Mónica explicou: “Eu tive toda a sensação de que o haviam levado para perguntar pelo irmão, era uma pessoa de mais idade”.

A ela, Mónica, perguntaram se se lembrava de cheiros especiais. Disse que não. Sara, ao contrário, falou desses cheiros. Estava com os olhos vendados, explicou, mas sentia cheiro de pus; que era um cheiro conhecido, disse, e que saía do corpo infectado de Santucho. Estava muito deteriorado pela tortura, era “uma chaga viva” que se “arrastava pelo chão delirando”.

Os militares, acrescentou, asseguraram que o levariam ao hospital de Campo de Maio, mas logo houve movimentos raros, “como se algo fosse acontecer”. “Quando algo ruim estava para acontecer ligavam todos os motores dos veículos dentro da garagem. Colocaram-no num tambor de água com a cabeça para baixo e quando morreu disseram ‘já está melhor’. Presenciamos o assassinato de uma pessoa que estava em péssimo estado”.

Mónica havia chegado a Orletti a bordo de um caminhão. Entrou por uma porta lateral, onde havia uma escada de madeira. “A partir daí – disse – sempre estive com os olhos vendados, a partir dali não pude ver quase nada”.

Os interrogatórios eram feitos pelos militares uruguaios, entre os quais mencionou Manuel Cordero. “Tínhamos que ficar sentados, com as mãos juntas, nos davam de comer muito esporadicamente, e se nos davam algo eram sobras que às vezes vinham até com bitucas”.

Algumas vezes, quando pediram comida, os militares se queixaram porque, como havia aumentado a população do centro clandestino, não tinham nem as sobras para dar.

- Mas isso não era um ambiente como uma prisão, era uma loucura – disse Mónica em um determinado momento.
- Por quê? – perguntou o fiscal.
- Milhares de vezes se escutavam gritos, festas... Não festas, comilanças.

Mónica e Sara viajaram ao Uruguai no que é conhecido como primeiro voo clandestino, um voo organizado pelos repressores para simular depois uma prisão em um país oriental.

Saíram do que lhes pareceu ser um aeroporto militar, explicou Mónica, levaram-nos primeiro ao prédio da Inteligência de Defesa (SID), no bulevar Artigas, e depois passaram 15 dias em uma casa, divididos em dois grupos.

Na casa, onde eram submetidos a interrogatórios, soube que havia uma grávida e depois explicou que ouvia o barulho de um bebê. Quando lhe perguntaram de quem se tratava, Mónica disse que acredita que era a nora do poeta de Juan Gelman.

Sara confirmou: sabiam que eram argentinos, explicou, que quando passaram pela SID um médico atendeu uma pessoa com sintomas de parto, que a levaram ao Hospital Militar e que com o tempo, disse, “soubemos” que era María Claudia Irureta Goyena de Gelman.

Sara falou, além disso, de um segundo voo: “Temos a convicção – disse – de que muitos destes companheiros foram levados ao Uruguai em um segundo voo e que desapareceram no Uruguai e não na Argentina: que houve um sequestro massivo de uruguaios”.

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