O recente almoço em homenagem ao coronel Ustra, torturador do DOI-Codi, evidencia os limites da democracia burguesa no Brasil que, diferentemente de outros países, em sua Constituição permite as Forças Armadas intervirem em questões internas do país, na "manutenção da lei e da ordem".
O coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que está sendo processado pela família Teles, terá sido dos mais violentos repressores do regime militar imposto ao país, nas palavras do advogado, ex-ministro da Justiça, José Carlos Dias.
Mesmo reconhecendo que a democracia burguesa está a serviço de uma minoria, submetendo a maioria à exploração e miséria, é importante a denúncia e a luta contra os seus limites, no caso, a impunidade do coronel Ustra, e a luta para ampliar a democracia, no sentido do acúmulo de forças do proletariado e do povo para a construção de uma nova sociedade, a sociedade socialista.
Mesmo reconhecendo que a democracia burguesa está a serviço de uma minoria, submetendo a maioria à exploração e miséria, é importante a denúncia e a luta contra os seus limites, no caso, a impunidade do coronel Ustra, e a luta para ampliar a democracia, no sentido do acúmulo de forças do proletariado e do povo para a construção de uma nova sociedade, a sociedade socialista.
A luta pela anistia ampla, geral e irrestrita alcançou uma vitória parcial, devido à correlação de forças políticas naquele momento que permitiu à ditadura impor condições ao elaborar a redação da lei da Anistia. Torturadores e colaboradores do regime militar permaneceram impunes, inclusive ocupando postos chaves no Estado.
Em outros países, como a Argentina, a mobilização popular conquistou a revogação das chamadas "leis do perdão".
No Chile, em episódio recente,
o neto de Pinochet foi expulso do exército após ter defendido o golpe de Estado e a ditadura militar encabeçada pelo avô.
No Brasil, sequer os arquivos da ditadura foram abertos, muitos patriotas continuam "desaparecidos" e ainda não foram reveladas as circunstâncias de seus assassinatos. Várias famílias não puderam honrar e enterrar seus mortos.
Abaixo publicamos e reproduzimos, respectivamente, os artigos do jornalista Antônio Augusto e do advogado, ex-ministro da Justiça, José Carlos Dias.
Justiça julga torturador do DOI-Codi
Antônio Augusto *
O torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra passa por maus momentos: terá que prestar contas perante à Justiça pela ação durante os anos de chumbo da ditadura.
Nos porões, na tentativa de não ser identificado, aparecia diante de torturados como o tenebroso Dr. Tibiriçá. Apesar da incômoda situação atual, nada que se compare ao suplício de suas vítimas no DOI-Codi de São Paulo - um dos principais centros de terrorismo contra os opositores do regime -,comandado por ele de setembro de 1970 a janeiro de 1974.
Hoje, coronel da reserva, responde a uma ação cível, movida por cinco membros da família Teles, presos nos últimos dias de 1972 e levados ao DOI-Codi paulista, a sucursal do inferno da Rua Tutóia a serviço do terrorismo de Estado.
“Ustra foi o primeiro a me dar um tapa na cara, me jogou no chão com aquele tapa. Me torturou pessoalmente”, acusa Maria Amélia Teles. Os horrores apenas se iniciavam: “Foi ele quem mandou invadir a minha casa, buscar todo mundo que estava lá, meus filhos e minha irmã. Durante cerca de 10 dias, minhas crianças me viram sendo torturada na cadeira de dragão, me viram cheia de hematomas, com o rosto desfigurado, dentro da cela. Nessa semana, em que meus filhos estavam por ali, eles falavam que os dois estavam sendo torturados. Disseram: ‘Nessas alturas, sua Janaína já está dentro de um caixãozinho’. Disseram também que eu ia ser morta. Isso foi o tempo todo. O tempo todo, o terror. Ali era um inferno”, relata Maria Amélia.
O marido, César Teles, já estava preso. Ambos pertenciam ao Partido Comunista do Brasil (PC do B). Aos olhos da ditadura, motivo suficiente para sofrerem todas as bestialidades.
No dia seguinte à prisão de Maria Amélia, ocorrida em 28 de dezembro, a polícia invadiu a casa da família, deteve sua irmã, Criméia Almeida, e seus filhos, Janaína e Edson, na época com 5 e 4 anos de idade. No DOI-Codi, todos foram torturados física e psicologicamente.
Na onda de prisões da ocasião, no mesmo infernal DOI-Codi, Carlos Nicolau Danielli, 43 anos, dirigente do PC do B, padeceu todas as torturas. Três equipes de assassinos se revezaram à sua volta dia e noite, de maneira ininterrupta. Ustra pessoalmente o torturou. Após 4 dias de crueldade sem limites, a equipe comandada por Ustra viu a respiração de Danielli sumir definitivamente na tarde do dia 31 de dezembro de 1972. A ditadura assassinara mais um patriota.
Juiz assegura curso do processo
O juiz Gustavo Santini Teodoro, de São Paulo, em audiência no dia 8 de novembro passado, não aceitou o argumento da defesa de Ustra de que o processo não poderia seguir devido à Lei de Anistia. A família Teles quer que o Estado declare de modo oficial a condição de torturador do ex-comandante do DOI-Codi paulista.
O general Figueiredo, forçado pela pressão social, encaminhou a anistia. Mas como a ditadura ainda tinha força, buscou isentar os torturadores de responderem por seus crimes, numa pretensa vinculação à anistia. A decisão do juiz Santini Teodoro em dar curso à Justiça põe o caso nos marcos democráticos e legais.
No Chile, o chefe da Dina (o DOI-Codi de Pinochet), Manuel Contreras, está preso. Na Argentina, ex-ditadores e torturadores foram condenados e presos. O presidente Kirchner converteu as dependências do principal centro de torturas num memorial de defesa dos direitos humanos. Há torturadores condenados no Uruguai e no Peru.
Apenas no Brasil torturadores como Brilhante Ustra, responsável por seqüestros, prisões, desaparecimentos e ocultação de cadáveres, gozam de completa impunidade. “O coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra diz que nunca torturou, mas durante sua gestão no DOI-Codi paulista houve mais de 40 assassinatos e mais de 500 pessoas torturadas”, afirma o deputado Ivan Valente (PSOL-SP).
Os dados constam do Projeto Brasil Nunca Mais, inventário das violências, realizado com o apoio de D. Paulo Evaristo Arns, cardeal de São Paulo na época desse minucioso levantamento.
“Não se admite o pacto do silêncio, o pacto da borracha”, diz a jurista Flávia Piovesan. E completa: “A família Teles pede o reconhecimento oficial, por meio de declaração oficial, da ocorrência de tortura nas dependências do DOI-Codi. As futuras gerações têm o direito de conhecer a nossa História para que as atrocidades não se repitam”.
A justiça é tão mais necessária em função do comportamento de Ustra. Contra todas as evidências, insiste em negar a existência de tortura, num insulto à memória de suas vítimas. Além dele, há saudosistas da ditadura, uma ameaça à democracia, como se pode ver nas denúncias feitas pelo advogado José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça, no artigo abaixo.
A vitória da ação da família Teles será uma vitória da Nação contra tais crimes de lesa-humanidade. Conhecer a abjeção da tortura, reconhecê-la legalmente, é vital para a superação definitiva da página trágica da tortura na história brasileira.
*Jornalista
*Jornalista
Apologia da tortura
José Carlos Dias
Afirmo em plena consciência que o hoje coronel Ustra terá sido dos mais violentos repressores do regime militar imposto ao país
O CORONEL Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-comandante do DOI-Codi, órgão de repressão do exército, durante os piores anos da ditadura militar, de 1971 a 1974, acaba de ser homenageado com um banquete por mais de 400 pessoas, das quais 200 oficiais de alta patente da reserva -entre eles, 70 generais. O fato é gravíssimo e alarmante.
O apoio foi provocado pela notícia de que Maria Amélia de Almeida Teles, César Augusto Teles, Janaína de Almeida Teles, Edson Luiz de Almeida Teles e Criméia Alice Schmidt de Almeida, vítimas de tortura no DOI-Codi - além de também terem sido com eles encarcerados os filhos do casal, de cinco e quatro anos -, estão processando, perante o juízo cível, o referido coronel, com fim meramente declaratório, medida tomada em razão de estar o militar protegido pela Lei da Anistia.
Advoguei intensamente na defesa de perseguidos políticos durante aquele período, várias centenas de pessoas me confiaram mandato, outras causas defendi, por procuração outorgada pelo cônjuge ou pelos pais, na busca desesperada do ente querido que houvera desaparecido. Daí porque não só procurei defender vidas, na tutela de suas liberdades, como tentei salvá-las em vão, tornando-me patrono de memórias de seres, sem que muitas vezes se alcançasse sequer o atestado de óbito.
Afirmo em plena consciência, sob a fé do meu grau, como cidadão, como cristão, que me sinto no dever de testemunhar publicamente que o hoje coronel Ustra, vulgo dr. Tibiriçá, terá sido dos mais violentos repressores do regime militar imposto ao país, responsável pelas torturas e mortes no calabouço do DOI-Codi durante os quatro ou cinco anos em que foi lá comandante. Guardo em minha memória e em meu arquivo morto capítulos terríveis de tortura e de morte por mim testemunhados no compulsar de autos, nos relatos de testemunhas e de vítimas de violência.
Tenho a convicção, como advogado criminal há mais de 40 anos, de estar sujeito a processo por crime contra a honra. Assumirei o desagradável papel de réu, se este for o preço para que não permaneça em vergonhoso silêncio, calando-me diante do escândalo que o banquete representa. Usarei, se isso ocorrer, do instrumento da exceção da verdade para que as violências de Ustra possam, mais uma vez, ser submetidas ao crivo do Judiciário.
Causou-me surpresa ter notícia de que algumas pessoas que me pareciam dissociadas dos métodos de tortura lá estavam no rega-bofes, a homenagear e a solidarizar-se com o herói da tortura, coronel Ustra.
Resta uma lição para todos nós. A bravura das pessoas que resolveram confiar na Justiça para o reconhecimento meramente simbólico do que sofreram merece apoio, não com banquetes, mas com atos expressivos de solidariedade.
O direito que o preso tem ao tratamento digno, de acordo com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e outras convenções internacionais, independe da gravidade dos fatos que o conduziu ao cárcere, sendo absolutamente injustificável o tratamento desumano e humilhante que lhe venha a ser infligido.
O coronel Ustra, premiado hoje como herói por seus camaradas, e que já foi adido militar no Uruguai durante o governo Sarney, encarna a lembrança mais terrível do período pavoroso que vivemos. Terá dito, no discurso pronunciado, que lutou pela democracia, quando, na realidade, emporcalhou com o sangue de suas vítimas a farda que devera honrar.
JOSÉ CARLOS DIAS, 67, é advogado criminalista. Foi presidente da Comissão de Justiça e Paz de São Paulo, secretário da Justiça do Estado de São Paulo (governo Montoro) e ministro da Justiça (governo FHC).
Texto extraído de http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=321986, publicado na Folha de S. Paulo 24/11/2006.
Texto extraído de http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=321986, publicado na Folha de S. Paulo 24/11/2006.
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