12/8/2008
unisinos
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva enquadrou ontem os ministros Tarso Genro (Justiça) e Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) e encerrou no governo a discussão sobre a punição de militares acusados de crime de tortura durante a ditadura.
Os dois ministros haviam defendido a punição há dez dias, provocando reação das Forças Armadas. Na reunião de coordenação ontem, Lula cobrou explicações de Tarso e orientou o governo a não levar adiante a polêmica.
Lula disse aos ministros que a interpretação da Lei da Anistia é da competência do Judiciário e não do Executivo.
A reportagem é de Luiza Damé, Gerson Camarotti e Ilimar Franco e publicada pelo jornal O Globo, 12-08-2008.
— O presidente orientou que qualquer interpretação a respeito da Lei da Anistia é do Poder Judiciário, e que o Poder Executivo não vai compartilhar dessa discussão — disse Tarso, que defendia a tese de que a Lei da Anistia não protegeu torturadores e que havia brecha legal para processos criminais contra militares que praticaram o crime.
Na reunião de coordenação, Lula pediu explicações sobre a polêmica alimentada por Tarso e Vannuchi.
Tarso alegou que em momento algum foi proposta a revisão da Lei da Anistia, de 1979, que permitiu o retorno de exilados ao Brasil. Disse que, no seminário organizado pela Comissão de Anistia, no Ministério da Justiça, emitiu um conceito jurídico e que não se arrepende. Ele afirmou que tortura não é crime político, mas comum.
— Não há postulação do governo nem do ministério de fazer uma revisão da Lei da Anistia — disse.
“Não levei puxão de orelhas”, diz ministro
Lula aceitou a explicação, mas avisou que o governo tem que trabalhar para o futuro, na reparação e na memória das vítimas da ditadura. Tarso negou que tenha recebido um puxão de orelhas de Lula, mas admitiu:
— Para mim, esse assunto já está encerrado. O presidente pode dar puxão de orelhas em qualquer ministro, é da sua competência, mas eu não levei puxão de orelhas. Lamento dizer isso para vocês.
Aos ministros, Lula deixou claro que não queria o governo envolvido nessa polêmica com militares. Segundo um dos presentes, Tarso foi mesmo enquadrado pelo presidente. Tanto que foi escalado para dar entrevista coletiva sobre a reunião, fato incomum no Planalto — em geral um ministro da Casa Civil é escalado.
A decisão de Lula ocorreu em meio a pressões de militares e do PT. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, disse que aconselharia Lula a encerrar a polêmica, e o secretário Nacional de Movimentos Populares do PT, Renato Simões, da executiva nacional, afirmou em nota que a reparação às vítimas da ditadura é promessa de campanha do presidente.
Ele elogiou Tarso e Vannuchi e cobrou a abertura dos arquivos militares e “a reparação plena dos ex-presos políticos, suas famílias e das gerações que aguardam um reencontro do Brasil com seu passado para alavancar um futuro ainda mais democrático e justo”.
Jobim, que estava em Roraima, na Operação Poraquê, com os comandantes do Exército, Enzo Peri, da Marinha, Moura Neto, e da Aeronáutica, Juniti Saito, alertou para o risco de o tema acirrar os ânimos entre os militares:
— Vou conversar com o presidente (hoje) pela manhã. É preciso acabar com isso, encerrar esse assunto. Não podemos ter uma conduta de escalada das tensões.
Lula não gostou da maneira como Tarso conduziu o assunto. Antes mesmo do seminário que iniciou a polêmica, advertira o ministro:
— Isso é como uma ferida, se você cutucar, sangra.
Os militares esperam que hoje o presidente Lula dê declarações nessa direção, após a apresentação dos oficiais generais promovidos. Jobim reafirmou que os que pretendem rever atos do passado devem recorrer ao Judiciário. Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, ele vê problemas jurídicos para a punição de quem praticou tortura na ditadura:
— Esses atos foram praticados quando? Há 30 anos? Mesmo no Judiciário há a prescrição penal em abstrato. Alguns crimes foram declarados imprescritíveis, mas apenas para atos praticados após a Constituição de 1988. O Judiciário é autônomo. Ele é que toma as providências cabíveis. Está tudo prescrito, tanto que o Ministério Público não oferece denúncia contra ninguém.
O presidente do STF, Gilmar Mendes, jogou um balde de água fria em quem pretende reabrir o assunto.
— Esse é um tema que talvez precise ser encerrado — disse ele.
O comandante do Exército também espera que o assunto acabe.
— Qualquer manifestação que coloque um ponto final nisso é bem vinda — disse o general Enzo Peri.
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