13/1/2008
unisinos
A Operação Condor, aliança dos militares do Cone Sul criada no final de 1975 para combater opositores, foi antecedida por operações conjuntas que levaram à prisão e ao desaparecimento de guerrilheiros brasileiros na Argentina e no Chile.
A reportagem é de Rubens Valente e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 13-01-2008.
Pelo menos 14 militantes de organizações da esquerda armada do Brasil foram seqüestrados ou mortos em conseqüência dessas ações pré-Condor, segundo concluíram estudos acadêmicos de 2007 que aprofundaram episódios conhecidos desde os anos 70.
Entre 1973 e meados de 1975, três brasileiros foram seqüestrados em Buenos Aires e desapareceram. Outros seis foram mortos no Chile após o golpe de 11 de setembro de 1973 -metade entre os dias 12 e 15.
Um grupo de cinco brasileiros e um argentino, monitorado desde Santiago pelos serviços de inteligência, foi eliminado após cruzar a fronteira da Argentina com o Brasil.
"Esses elementos fracionados acabam por confirmar que o Brasil operou, operou fácil", disse Jair Krischke, do Movimento de Justiça e Direitos Humanos no Rio Grande do Sul, autor de "Brasil e a Operação Condor", que será apresentado em abril, em Montevidéu.
Buenos Aires
O seqüestro do ex-major do Exército Joaquim Pires Cerveira, 51, na época à frente de uma organização de esquerda chamada FLN (Frente de Libertação Nacional), e de João Batista Rita, 36, militante do grupo M3G (Marx, Mao, Marighella e Guevara), é considerado por historiadores o caso clássico da ação conjunta entre Brasil-Argentina na fase pré-Condor.
A filha do ex-major, Neusah Maria Romanzini Pires Cerveira, transformou o episódio na tese de doutorado em história na USP "Memória da Dor: A Operação Condor no Brasil", concluída em 2007. Ela consultou e reproduziu dezenas de documentos oficiais que tratam de seu pai, desaparecido desde 1974. Concluiu que seu pai e Rita foram seqüestrados em Buenos Aires, possivelmente com a participação do delegado Sérgio Paranhos Fleury, e trazidos ao Brasil, onde foram vistos há 34 anos.
"Há indícios suficientes que provam a presença do major Cerveira e de Rita Pereda no DOI-CODI da rua Barão de Mesquita [no Rio de Janeiro], na madrugada de 13 de janeiro de 1974", escreveu.
Cerveira e Rita haviam sido banidos do Brasil entre 1970 e 1971. Em dezembro de 1973, buscavam abrigo em Buenos Aires, vindos do Chile, já sob domínio militar. Foram seqüestrados por homens que falavam espanhol e português.
Outro caso de seqüestro na Argentina nessa fase pré-Condor permanece envolto em mistério. Edmur Péricles Camargo, 30, militante fundador do M3G desapareceu na década de 70.
A primeira pista do que ocorreu com ele surgiu em 1993, num informe do Ministério da Marinha reproduzido no relatório "Direito à Memória e à Verdade", da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. No relatório, Camargo desapareceu em junho de 1975 após ser "preso por autoridades brasileiras e argentinas quando seu avião fez pouso em Buenos Aires, em viagem do Chile para o Uruguai".
Em sua tese de pós-graduação em história defendida em 2007 na UFF (Universidade Federal Fluminense), "A Repressão Sem Fronteiras - Perseguição Política e Colaboração entre as Ditaduras do Cone Sul", Samantha Viz Quadrat situa o golpe no Chile como o início da cooperação entre as ditaduras para busca e prisão de militantes.
Após o golpe, pelo menos seis brasileiros morreram: Antenor Machado dos Santos (em 10 de novembro de 73), por policiais; Jane Vanini (6 de dezembro de 74), por agentes da Dina, a agência de inteligência do Chile; Luis Carlos Almeida (14 de setembro de 73), preso em sua casa e morto em uma ponte sobre o rio Mapocho; Nelson de Souza Kohl (15 de setembro de 73), desaparecido após ter sido preso pela Força Aérea chilena; Túlio Roberto Cardoso Quintiliano (12 de setembro de 1973), desaparecido; e Wânio José de Matos, que sofreu torturas e morreu em 16 de outubro de 1974 no Estádio Nacional.
Os documentos do período trazidos a público permitiram concluir que o desaparecimento de um grupo de cinco brasileiros e um argentino, liderados pelo ex-sargento Onofre Pinto, expoente da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), está ligado ao monitoramento realizado pelo Exército no Chile e na Argentina.
Em meados de 1974, os brasileiros haviam viajado de Santiago para Buenos Aires. Lá estabeleceram o plano de ingressar por Foz do Iguaçu, mas todo o trajeto era acompanhado, possivelmente com o apoio de agente infiltrado, encontrado morto em 1979.
Em julho de 1974, o grupo teria sido metralhado em Medianeira (PR), mas os corpos nunca foram localizados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário