terça-feira, 17 de maio de 2011

Militar argentino acusado de jogar ''terroristas'' ao mar é preso

25/9/2009

unisinos

O militar contou diante de seus companheiros da empresa aérea Transavia que pilotou voos dos quais jogavam "terroristas". Ele foi denunciado à Justiça holandesa. Uma investigação conjunta com a Argentina permitiu prendê-lo em sua última viagem antes de se aposentar.

A reportagem é de Diego Martínez, publicada no jornal Página/12, 24-09-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

A um terço de século dos crimes e a 14 anos da confissão do capitão Adolfo Scilingo, a Justiça deteve, pela primeira vez, um piloto das Forças Armadas argentinas por jogar pessoas vivas ao mar durante a última ditadura do país. O tenente de fragata retirado Julio Alberto Poch, radicado desde 1988 na Holanda, onde se reciclou como piloto civil, foi capturado na terça-feira na pista do aeroporto de Manises, em Valência, por agentes da Polícia Nacional da Espanha.

Nesse mesmo dia, por ordem de um juiz penal do Reino dos Países Baixos, a polícia holandesa invadiu sua casa na cidade de Alkmaar, onde encontrou a arma regulamentar que usava quando pertencia à Armada e documentação sobre seus voos registrados entre 1974 e 1980. Poch passou sua primeira noite preso no centro penitenciário Picassent, onde agora deverá esperar sua extradição à Argentina.

A denúncia contra o ex-aviador naval de 57 anos foi formulada há dois anos por seus próprios companheiros da empresa aérea Transavia, que o evitaram depois de escutá-lo justificar sua atuação nos voos da morte.

A investigação da Justiça e do governo do Reino dos Países Baixos foi corroborado pelo juiz federal Sergio Torres, encarregado da megacausa ESMA [Escola de Mecânica da Armada], que em dezembro ordenou a detenção. No mesmo tribunal, hiberna há quatro anos uma instrução idêntica, originada na confissão do capitão-de-corveta Hemir Sisul Hess, que, após a publicação de sua história no jornal Página/12, começou a organizar uma longa viagem à Europa.

Poch nasceu em 20 de fevereiro de 1952 e integra uma família com três gerações nas fileiras da Armada. Formou-se no Colégio Nacional de Buenos Aires em 1968 e ingressou na Escola Naval. Pertence à promoção 101 do Comando Naval. Em 1974, foi aprovado no curso de aviadores navais com a melhor qualificação entre 16 participantes. Quando ocorreu o último golpe de Estado, ele tinha o grau de tenente-de-corveta e estava destinado na Escola Aeronaval de Ataque. Em 1977, passou a integrar a Terceira Esquadrilha Aeronaval de Caça e Ataque. Nesses dois anos, foi produzida a maior parte dos voos com os quais a Armada apagou seus inimigos do mapa, delito que a Justiça argentina nunca investigou.

A carreira militar de Poch durou apenas oito anos. Passou a um retiro voluntário em 1980, com o grau de tenente-de-fragata. Em fins de maio de 1982, aos seus 30 anos, foi convocado pela Armada para participar da guerra das Malvinas. Seis anos depois, mudou-se para a Holanda com a sua esposa, Elsa Margarita Nyborg Andersen, e seus três filhos, todos nascidos durante a ditadura. O mais velho, que também é piloto da Transavia, foi registrado em agosto de 1976 na localidade de Verónica, perto da base aeronaval Punta Indio. As duas filhas mulheres foram registradas em 1979 e 1980 em Bahía Blanca.


Obrigado, Máxima

Os primeiros dados sobre as confissões de Poch foram conhecidos em 2007, depois que as autoridades holandesas receberam as denúncias dos empregados da Transavia e começaram a indagar sobre seu passado durante a ditadura. Em meados de 2008, um fiscal holandês e dois membros da equipe de investigação mudaram-se para a Argentina para aprofundar a pesquisa e notificaram formalmente o juiz Torres, que pouco depois viajou para a Europa para escutar pessoalmente as testemunhas.

Um piloto contou que o detonador do relato do marinheiro foi um comentário sobre Jorge Zorreguieta, ex-secretário de Agricultura do ditador Jorge Rafael Videla. Quando um comensal afirmou que o pai da princesa Máxima da Holanda "foi membro do regime criminoso", Poch "começou a defender esse governo e nos disse que tínhamos uma imagem errônea dessa época".

O marinheiro confessou "que, durante o período de seu serviço como piloto do regime de Videla, realizou voos regulares a partir dos quais grupos de pessoas eram jogadas do seu avião ao mar" e que "o objetivo desses voos era matar e se desfazer dos terroristas", relatou uma testemunha diante do juiz e de seu secretário, Pablo Yadarola. "Poch ainda acredita que fez o que era certo. Deu-nos a impressão de que não foi forçado e que pode viver com isso sem problemas emocionais", acrescentou.

"Ele contou que, do seu avião, jogavam-se fora pessoas com vida, com o fim de executá-las", reiterou um piloto que escutou Poch durante um jantar em um restaurante na ilha de Bali, na Indonésia. A testemunho confessou ter ficado "enraivecido fortemente, porque não se pode imaginar coisas tão terríveis" e acrescentou que Poch se justificou dizendo que "era uma guerra" e que as vítimas "haviam sido drogadas previamente". Depois, acrescentou que os familiares dos desaparecidos "não devem se queixar, porque sabiam que seus filhos e esposos eram terroristas".

Outra testemunha sugeriu que Poch "tem duas caras: pode se comportar como uma pessoa amável, mas, por sua vez, tem algo invisível que o faz se sentir superior, e pode ser que isso tenha a ver com seu passado como militar". "Seu comportamento era impressionante, defendia o fato de ter jogado pessoas no mar. Ele ainda acredita que tem razão. Vejo isso em seu rosto, em sua ferocidade. Ele fala de terroristas de esquerda", lembrou.

No dia 30 de dezembro passado, o juiz Torres pediu à Holanda a detenção de Poch, "com vistas à extradição", e pediu à Interpol a sua captura no resto do mundo. Dois meses atrás, no marco de uma investigação sobre os voos, o jornal Página/12 tentou sem sorte obter uma explicação sobre os motivos da demora. Dias depois, a pedido da Holanda, o tribunal realizou modificações na solicitação. Segundo fontes diplimáticas, a captura não ocorreu nos Países Baixos porque a dupla nacionalidade do imputado teria dificultado a sua extradição.

Poch tinha previsto realizar na terça-feira o seu último voo antes de se aposentar. Partiu do aeroporto de Schipol, em Amsterdã, com destino a Valência, onde devia fazer uma escala de 40 minutos. Quando baixou a escada, foi recebido por agentes do Grupo de Localização de Fugitivos da polícia espanhola. Exceto sua esposa e seu filho que integravam os passageiros, o resto do voo não sofreu nenhum prejuízo, porque já havia outro piloto pronto para substituí-lo.

No dia 07 de setembro, quando o jornal Página/12 informou sobre as confissões do capitão Hess e dos aviões Electra em exposição, indicou que vários pilotos "trabalham em empresas aéreas nacionais e estrangeiras". A pedido de diplomatas holandeses e do tribunal, onde o caso tramitou sob "segredo de justiça", omitiu-se mencionar Poch. A captura na Espanha sugere que seus companheiros processados por crimes na ESMA também não fizeram nada para evitá-la. Ele sabem disso desde o dia 12 de janeiro, quando o juiz Torres, ao processar o capitão Juan Arturo Alomar, mencionou com todas as letras o pedido de extradição "por sua vinculação com os voos da morte".

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