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segunda-feira, 18 de janeiro de 2010
por Cristiano Viteck
A proposta do governo federal de criar a Comissão da Verdade para apurar crimes cometidos durante o regime militar, abriu mais uma vez as feridas deixadas por este período negro da história do país e que custam a cicatrizar. Familiares de vítimas (presas, torturadas, mortas ou que estão desaparecidas) aplaudiram, o Exército reagiu contra e o governo federal deu pra trás. Esse episódio da Comissão da Verdade, contudo, serviu para mostrar o quanto o assunto ainda é espinhoso.
Revirando meus arquivos, encontrei uma reportagem que escrevi em julho de 2007, a partir de uma entrevista com o ex-guerrilheiro Aluízio Palmar (foto), que reside em Foz do Iguaçu. Carioca, ele se envolveu na luta armada no final dos anos 60 e uma das suas missões na época foi implantar a luta armada na região Oeste do Paraná. Acabou preso em 1969, em Cascavel. Foi torturado por diversas vezes, até ser mandado para fora do país no início dos anos 70. Durante aquela década, viveu na clandestinidade no Chile e na Argentina e, por pura intuição, acabou se safando de uma chacina que teria sido promovida contra ex-guerrilheiros brasileiros em meados da década de 70, e que teve como palco a Estrada do Colono, no Parque Nacional do Iguaçu. É esse a história que ele conta no livro “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?”, publicado em 2005.
É sobre o livro e a guerrilha que tentou se instalar no Oeste do Paraná que trata a reportagem que foi capa da edição de julho de 2007 da Revista Região, a qual segue reproduzida abaixo. O texto é longo, mas vale a pena conferir...
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Mistério e mortes no Parque Nacional do Iguaçu
Ex-guerrilheiro revela ações de extermínio de exilados políticos praticadas pelo Exército na Estrada do Colono durante os anos de ferro da ditadura militar
Por Cristiano Viteck
“Eles foram atraídos pelo ex-sargento da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, Alberi Vieira dos Santos, para uma emboscada armada dentro do Parque Nacional do Iguaçu. A Rural Willys dirigida por Távio Camargo, militar do Centro de Informações do Exército, apresentado ao grupo como membro da base de apoio, trafegou seis quilômetros pela Estrada do Colono levando Joel José de Carvalho, Daniel de Carvalho, José Lavéchia, Víctor Carlos Ramos e Ernesto Ruggia em direção à morte. De repente, no meio da floresta exuberante, os cinco militantes da esquerda revolucionária caíram fuzilados pelo grupo de extermínio. Os cães de guerra comandados pelos chefões do Centro de Inteligência do Exército executavam a fase final da Operação Juriti, que consistia em atrair exilados políticos para área fictícias de guerrilha e matá-los”
Os fatos narrados acima aconteceram na noite de 13 de julho de 1974, no Parque Nacional do Iguaçu, e permaneceram fora dos livros de história do Brasil até pouco tempo atrás. E, provavelmente, ficariam para sempre enterrados junto às ossadas dos jovens guerrilheiros se não fosse a perseverança e a dedicação do jornalista Aluízio Palmar, que dedicou praticamente 26 anos de sua vida investigando este caso.
Porém, mais do que um forte gosto pelo jornalismo investigativo, razões muito maiores instigaram Aluízio Palmar a desvendar o mistério do desaparecimento desses jovens guerrilheiros. Exilado político que viveu durante a maior parte da década de 70 na clandestinidade – escondido na Argentina –, caso o plano do Centro de Informações do Exército tivesse se concretizado totalmente, Aluízio Palmar também teria morrido naquela mesma noite de 13 de julho de 1974.
É em torno desta história que gira o livro “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos” (Editora Travessa dos Editores, 386 páginas), de Aluízio Palmar, publicado em 2005 e que acaba de ganhar uma segunda edição. A obra, uma pesquisa de grande fôlego, é recheada de documentos, fontes e depoimentos que desnudam um período negro vivido durante a ditadura brasileira (1964-1985) que até então era praticamente desconhecido pelos moradores da região Oeste do Paraná.
O autor
Aluízio Palmar nasceu em 1943, na cidade de São Fidélis (RJ). Na adolescência a sua família se mudou para Niterói, onde começou a entrar em contato com a militância política ainda no colégio, quando integrou a Juventude do Partido Comunista. Depois, acabou também pertencendo ao Comitê Municipal do Partido Comunista em Niterói, durante o período de universitário.
Segundo ele afirmou em entrevista exclusiva à Revista Região – que conversou com Aluízio durante sua recente visita a Marechal Cândido Rondon onde proferiu palestras a convite dos cursos de História e Direito da Unioeste –, de 1960 a 1964, havia “uma agitação enorme dentro do movimento estudantil. O país vivia um período de mudanças com a renúncia de Jânio Quadros, a mobilização pela posse de João Goulart”. Porém, com o golpe militar de 31 de março de 1964, este grande momento de debate político que acabava por envolver diversos setores, começou a diminuir cada vez mais graças à forte repressão contra aqueles que se opunham à ditadura. O golpe final contra as instituições democráticas do país veio com o Ato Institucional nº 5 (AI-5), em maio de 1968. Com o aumento da repressão, àqueles que se colocavam contra o governo militar restavam poucas opções: o exílio, a desmobilização ou a luta armada. E foi esta última que Aluízio Palmar escolheu.
“Nós tínhamos algumas ilusões desarmadas até 1966. Em 13 de dezembro de 1968 a ditadura baixa o Ato Institucional nº 5 e daí não existiam mais condições de ir pra rua de cara aberta, fazer contestação. Aí a discussão acabou se dando ao ponto de acreditarmos que a contestação se daria através da resistência da luta armada nas cidades, sob influência de Che Guevara e também abrindo frentes de guerrilha rural”, recorda o ex-guerrilheiro.
Guerrilha no Oeste
Mas, antes mesmo do AI-5, o Aluízio Palmar já estava integrado à guerrilha e, em meados de 1968, chegou à Foz do Iguaçu (PR), enviado pelo Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8) para, juntamente com outra colega, dar início a um foco guerrilheiro na região Oeste do Paraná.
Ele revela quais eram os planos de ação na região: “A idéia era a implantação de um foco guerrilheiro no Oeste do Paraná, em Cascavel e Toledo. Nosso objetivo, primeiro, era montar uma rede de apoio no campo. Segundo, adaptação na região e no mato. Então, começamos a recrutar simpatizantes e assim criamos uma malha de apoio de Santa Helena até a barranca do Rio Iguaçu, principalmente de camponeses prontos para aderir à causa. O papel deles não era ir para o confronto. Seria nossa base de apoio para propaganda, pra guardar gente, guardar material. Durante um ano fizemos caminhadas. Várias vezes eu caminhei de Santa Helena a Foz do Iguaçu. Mais tarde, ficamos um ano dentro do Parque Nacional do Iguaçu. Essas caminhadas eram para adaptação. Nenhum de nós foi pra Cuba, o nosso treinamento foi aqui mesmo na região Oeste. Aí, além do pessoal do Estado do Rio de Janeiro, participava também gente do Paraná, estudantes. Esse era nosso grupo. Nós compramos dois sítios, um no Boi Picuá, que fica na região de Assis, Toledo, e outro sítio em Matelândia”.
Contudo, a presença do grupo na região começou a levantar suspeitas, revela Aluízio Palmar. “Nós éramos estranhos na região do Boi Picuá. Éramos estudantes, nenhum sabia mexer com terra, nem cavalo e nem com boi. Todo mundo ficava cabreiro e o povo comentava na festa, na igreja”. Diante dessa situação e com a queda de outros focos guerrilheiros no país, o grupo que estava agindo na região Oeste do Paraná decidiu pela desmobilização, Assim, e diante outros fatos, em 1969 resolveram encerrar a operação.
Prisão e torturas
Dentro desse trabalho de desmobilização, no dia 04 de abril de 1969 Aluízio Palmar e o colega Mauro Fernando de Souza estavam evacuando a casa de um dos contatos do grupo em Vera Cruz do Oeste. Era Sexta-Feira Santa e, no retorno ao sítio onde ainda estavam instalados, passavam por Cascavel quando Mauro resolveu parar para comprar um peixe.
Para azar da dupla, Mauro bateu o Jeep que estava dirigindo na traseira de um carro próximo à rodoviária de Cascavel. Era o início dos fatos que resultariam na prisão de Aluízio Palmar, que conta: “O Mauro foi atrás de um mecânico e eu fiquei cuidando do Jeep, que estava cheio de material subversivo, livros, manuais de arma. Nesse momento chega Marins Bello, fiscal da Loteadora Pinho e Terra, acompanhado de alguns policiais. Ele apontou pra mim e começou a me chamar de comunista, subversivo. Nesse momento fui preso. Fui até a delegacia embaixo de cacete”.
Contudo essa não seria a única surra que ele levaria. A partir de então, para todos os locais onde foi levado, Aluízio Palmar foi torturado. Conforme contou para a reportagem da Revista Região, ele apanhou “bastante, como todos! Nem mais, nem menos que a maioria. Resumindo: eu fui torturado em Cascavel, no Batalhão de Fronteiras em Foz do Iguaçu, no quartel da Polícia do Exército em Curitiba, no DOPS de Curitiba com o... esqueci o nome do desgraçado do delegado do DOPS! Depois, na Ilha das Cobras, no Arsenal da Marinha, e depois na Ilha das Flores, também na Marinha.”
Aluízio Palmar ficou preso até 9 de janeiro de 1971, quando foi banido do território nacional após ser trocado – juntamente com outros 69 presos políticos – pelo embaixador da Suíça no Brasil, Giovani Bucher. Expulso do país, Aluízio Palmar viveu no Chile até 1972, de onde também saiu clandestino. O seu novo destino foi o interior da Argentina. Ele recorda que ainda nesse período estava participando de algumas movimentações subversivas.
Operação Juriti
Enquanto isso, no Brasil, o Centro de Informações do Exército colocava em prática a Operação Juriti, que consistia em infiltrar agentes dentro dos grupos de exilados políticos que estavam fora do país, convencendo-os a voltarem para o Brasil com o suposto objetivo de retomar a luta armada contra o governo militar. No fundo, tudo não passava de uma cilada para matar os exilados políticos, que eram levados para regiões remotas do Brasil, onde eram covardemente assassinados.
Este é o caso da chacina ocorrida em 13 de julho de 1974 no Parque Nacional do Iguaçu, na Estrada do Colono. O agente utilizado para atrair os exilados nesta ação foi o ex-sargento da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, Alberi Vieira dos Santos. Ele conquistou a confiança de Onofre Pinto, um dos cabeças da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).
Com o apoio garantido de Onofre Pinto, uma liderança respeitada na esquerda brasileira, ficou fácil para Alberi dos Santos convencer outros exilados políticos a retornarem para o Brasil, utilizando a mesma história de que estariam voltando para o país para retomar a luta armada. Juntamente com Onofre Pinto, também foram enganados e levados para a morte os irmãos Daniel e João Carvalho, Victor Ramos, José Lavéchia e o jovem estudante argentino de 18 anos, Ernesto Ruggia.
Por muito pouco, Aluízio Palmar também não passou a integrar essa lista. Segundo ele, foi a desconfiança na pessoa de Alberi Vieira dos Santos, a quem conheceu quando esteve preso no Presídio do Ahú, em Curitiba, que acendeu o sinal de alerta em sua mente e o fez fugir para o interior da Argentina – onde já vivia – e levar um vida totalmente na clandestinidade.
Ele lembra que, coincidentemente, em janeiro de 1974, encontrou com o agente disfarçado do Exército, que o convidou para se juntar ao grupo que estava retornando ao Brasil para reiniciar as ações de guerrilha contra o governo militar no Oeste paranaense. “Eu estava realizando alguns contatos e, numa dessas minhas idas a Buenos Aires – já para desmobilizar alguns companheiros do Norte do Paraná, porque a gente já estava desmobilizando tudo – eu vi o último comandante da VPR, Onofre Pinto, junto com o ex-sargento do Exército, que tinha conhecido no Ahú, que é o Alberi Vieira dos Santos. Vi mas não me encontrei com ele, vi de longe. Eles que me viram e o Alberi foi atrás de mim. Ele me falou que estavam voltando para o Brasil para retomar a luta armada. Então eu falei pra ele: ‘tudo bem, vamos nos encontrar mais tarde da noite para acertar os detalhes da minha ida e do contato lá na fronteira dos nossos trabalhos’. Eu marquei o encontro, mas não fui. Fui embora, sumi, fui embora de táxi, ônibus, sumi! Mas tarde, quando eu voltei do exílio, esse grupo não apareceu na lista dos sobreviventes.”
O massacre
O plano que Alberi Vieira dos Santos havia descrito para convencer os exilados políticos era o seguinte: o grupo entraria no Brasil por Santo Antônio do Sudoeste (PR), aproveitando a fronteira seca da cidade com a Argentina. Uma vez na cidade brasileira, ficariam escondidos em um sítio no interior de Santo Antônio do Sudoeste, onde havia contatos e estariam mais seguros para reiniciar a guerrilha rural.
Convencidos de que isso seria possível, no início de julho eles conseguem entrar sem dificuldades no país. Estabelecidos, a primeira suposta ação do grupo seria um assalto a uma agência bancária em Medianeira para conseguir dinheiro para iniciar o trabalho. Onofre Pinto, um dos líderes da VPR, foi convencido a ficar de fora, pois a ação envolvia riscos.
Assim, na noite de 13 de julho de 1974, Daniel Carvalho, João Carvalho, Victor Ramos, José Lavéchia e Ernesto Ruggia acompanharam Alberi Vieira dos Santos rumo à Estrada do Colono, no Parque Nacional do Iguaçu, convencidos de que iriam realmente praticar o assalto em Medianeira. O carro em que estavam era dirigido por Otávio Camargo, um suposto guerrilheiro, que na verdade era um militar do Centro de Inteligência do Exército. De repente, cerca de seis quilômetros adentro do Parque Nacional do Iguaçu, o carro pára. A ação é rápida e, de dentro da floresta, um grupo de extermínio do Exército cumpre com sucesso mais uma missão da Operação Juriti. Todos os guerrilheiros foram mortos. Os corpos, cravejados de balas, são enterrados no Parque Nacional do Iguaçu, onde as ossadas permanecem, ainda hoje, aguardando serem descobertas.
Onofre Pinto, que havia ficado no sítio em Santo Antônio do Sudoeste, é levado pelos militares até Foz do Iguaçu, onde é interrogado. Porém, como a ordem dentro da Operação Juriti era eliminar todos aqueles que estiveram envolvidos com ações guerrilheiras, o líder da VPR foi morto com um tiro na cabeça e seu corpo então, foi transportado até Santa Helena, onde acabou jogado no Rio São Francisco Falso.
A investigação
Todos esses fatos foram apurados e descritos minuciosamente por Aluízio Palmar no livro “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?”. Contudo, o início das investigações que acabaram por revelar esse capítulo tenebroso da história do país se deu quase por acaso.
Depois que Aluízio saiu da clandestinidade na Argentina e voltou para o Brasil, em 1979, passou um tempo no Rio de Janeiro, mas logo decidiu fixar-se em Foz do Iguaçu, onde já vivia sua esposa e seus filhos e onde passou a atuar na imprensa.
Aluízio Palmar garante que, até voltar para o Brasil, não sabia qual havia sido o destino do grupo que acompanhou Alberi Vieira dos Santos e do qual ele havia sido convidado a participar. “Não sabia de nada. Até porque alguns disseram que eles estavam na Europa, que ficaram em Cuba ou que foram para não sei aonde. Ou estão no Brasil e não querem aparecer. Aí passa um ano, passa dois, passa três e esse povo não aparece! Alguma coisa aconteceu nessa entrada por Santo Antônio do Sudoeste”, desconfiou ele.
As suspeitas de Aluízio Palmar começaram a ganhar vulto depois que ele soube que Alberi Vieira dos Santos foi assassinado em janeiro de 1979, próximo a Medianeira. “Então, na vida de jornalista, começo a levantar teses sobre o que aconteceu com esse grupo e a procurar esporadicamente. Até que surge a irmã do argentino Enrique Ruggia. Ela entra em contato comigo e me estimula mais nessa procura. Quando o Marival Chaves, um ex-agente do DOI-CODI dá uma entrevista pra Veja e fala que esse grupo foi assassinado na fronteira do Brasil com a Argentina, na cidade de Medianeira, eu bato na mesa e digo: ‘E isso aí! O que me disseram lá no exílio bate com o que o agente do DOI-CODI fala e bate, inclusive, com as informações da irmã do Enrique Ruggia, que disse que o grupo veio por essa fronteira. Então, se o grupo veio por essa fronteira, eu tenho que ir buscar nessa fronteira’. Aí eu começo a buscar no Sudoeste. A informação vaza, a imprensa noticia. Eu já falava que eles tinham sido enterrados na Estrada do Colono”.
Depois de centenas de horas passadas em arquivos, quilômetros rodados atrás de pessoal que poderia auxiliar no trabalho e de alguma pistas falsas (como a que o levou a realizar escavações em busca das ossadas em Nova Aurora, em 2001) plantadas para desviar Aluízio Palmar da sua investigação, ele descobriu o fio condutor que o levou à solução do caso.
A peça que faltava
Depois das pistas falsas, Aluízio Palmar só retomou as investigações quando os arquivos da Polícia Federal foram abertos para a Comissão de Mortos e Desaparecidos, que o credenciou para eu fazer esse trabalho em Foz do Iguaçu. Durante as investigações nos arquivos da Polícia Federal em Foz, com as informações que ele já tinha anteriormente, ele chegou ao nome verdadeiro de Otávio Camargo, que na verdade era o nome de guerra utilizado pelo militar que dirigiu o carro que levou o grupo para ser chacinado na Estrada do Colono.
“Eu fui no Google pesquisar esse nome e apareceu uma multa de trânsito. Quando apareceu a multa de trânsito eu penso: ‘esse cara existe e mora em Foz do Iguaçu’, porque a multa de trânsito era da cidade”, explica o jornalista, que conta como a sorte estava do seu lado.
“Eu fui na casa de um empresário e casualmente contei essa história. O empresário me disse que conhecia essa pessoa, que ela morava em Foz e era amigo dele. Eu disse para essa empresário marcar um encontro dessa pessoa comigo. ‘Eu quero conversar, ele tem que falar pra mim como foi essa operação, como morreram’. Essa pessoa era o motorista que levou o grupo até o Parque Nacional do Iguaçu. Essa pessoa não quis falar comigo, talvez porque quis me matar também. Quis falar só com o empresário e com um agente da Polícia Federal que era amigo dele. Esse motorista, esse agente da chacina, essa testemunha contou com detalhes como morreu o grupo. E ele levou o policial federal e o empresário lá no local da chacina. Entraram por Capanema e vieram em direção a Serranópolis e no Km 8 ele localizou. Ele conta que o grupo saiu de Buenos Aires e foi monitorado todo o tempo pelo Centro de Informações do Exército. O grupo chegou na rodoviária de Posadas, capital das Missiones, tomou outro ônibus e foi em direção à fronteira. Atravessaram a pé. No outro lado, ele já estava esperando com uma Rural Willys e levou o grupo até um sítio. Do sítio, cinco guerrilheiros foram levados até o Parque Nacional, onde já havia um grupo de extermínio preparado para matá-los. A chacina aconteceu e os corpos foram arrastados mais pra frente. Era de noite. No escuro, dentro da floresta, essa pessoa não viu o local exato onde eles foram enterrados. O local pode estar a 10, 8, 20, 30 metros do local da chacina.”
Onde enterraram os mortos?
Aluízio Palmar, de posse dessas informações, lembra que lutou muito com a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, até que em 2005 conseguiu mobilizar uma operação de escavações na tentativa de encontrar os corpos. Porém, os resultados foram decepcionantes. “A busca dentro do Parque Nacional foi uma operação extremamente secreta. Não sei porque tão secreta. Fizeram três, quatro covas, aí vieram ordens de Brasília para evacuar. O plano era ficar um mês, mas em três dias resolveram evacuar”.
Perguntado se ele soube as razões para que viesse essa ordem de evacuação, Aluízio responde em tom de revolta e frustração: “não sei!”, para então desabafar: “se a testemunha deu com riqueza de detalhes como eles morreram, é possível encontrar as ossadas, mas tem que ter paciência, apoio governamental, é preciso haver disposição. E ali naquela expedição que nós fizemos não havia disposição por parte da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos e do Ibama. O Ibama criando todo tipo de dificuldade. É samambaia, não sei o que, não sei o que, o impacto ambiental... criando dificuldade! Saímos frustrados e até hoje esperando que alguém resolva esse impasse!”.
Os personagens da chacina do Parque Nacional do Iguaçu
O algoz
Alberi Vieira dos Santos: peça importante da Operação Juriti, montada pelo Exército para atrair de volta ao Brasil guerrilheiros que viviam fora do país para exterminá-los. “Cachorro da ditadura”*, atraiu os cinco brasileiros e o estudante argentino para a cilada montada pelo Exército no Parque Nacional do Iguaçu, em 1974. Morreu em 11 de fevereiro de 1979, na rodovia que liga Medianeira a Missal. Apesar de sua morte estar associada à bandidagem na região, as circunstâncias em que ela aconteceu ainda são misteriosas: foi assassinado a tiros de arma de uso restrito do Exército.
(*) Cachorro era o termo usado pelos militares para designar militantes políticos que traíam os colegas de luta armada para colaborar com a repressão.
As vítimas
Onofre Pinto: era o mais procurado de todos pelo governo militar. Foi um dos fundadores VPR** e recrutou o capitão Carlos Lamarca para essa organização. Foi preso pelos militares em março de e 1969 e solto seis meses depois junto com outros 14 presos políticos (entre eles José Dirceu, que mais tarde seria ministro do governo Lula) em troca do embaixador norte-americano Charles Elbrick, seqüestrado em setembro de 1969 pelos guerrilheiros do MR8. Ao contrário dos demais, não foi assassinado no Parque Nacional do Iguaçu. Acabou morto cerca de dois dias depois, em Foz do Iguaçu. Seu corpo foi desovado pelos militares no Rio São Francisco Falso, em Santa Helena. Tinha 36 anos quando foi morto.
Joel José de Carvalho: iniciou sua militância política no Partido Comunista Brasileiro. Depois do golpe militar de 1964, passou a atuar no PC do B. Integrou a Ala Vermelha, o Movimento Revolucionário Tiradentes e a VPR. Foi um dos 70 presos políticos trocados pelo embaixador suíço Giovanni Bucher, seqüestrado pela VPR em 1971. Morreu aos 26 anos.
Daniel de Carvalho: irmão de Joel José de Carvalho. Também foi preso político, trocado pelo embaixador suíço. Tinha 28 anos quando foi morto na chacina do Parque Nacional do Iguaçu.
José Lavéchia: sapateiro de profissão e comunista, foi membro do PCB. Depois integrou a VPR e participou da guerrilha do Vale da Ribeira, comandada pelo capitão Carlos Lamarca. Foi preso em maio de 1970 e saiu da prisão em troca do embaixador da Alemanha no Brasil. Contava 55 anos quando morreu.
Víctor Carlos Ramos: saiu do Brasil e foi para o Uruguai ao ter sua prisão preventiva decretada pelo Tribunal Militar. Logo após, foi para o Chile. Em 1974 ingressou no grupo de Onofre Pinto e retornou clandestinamente ao Brasil, sendo logo assassinado no Parque Nacional do Iguaçu com 30 anos de idade.
Ernesto Ruggia: com 18 anos, era o mais novo do grupo assassinado. Argentino, estudante de agronomia, veio para o Brasil acompanhado do amigo Joel Carvalho. Não tinha ligações partidárias
(*) A Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) foi criada em 1968. A organização participou de assaltos e do sequestro do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher.
Revirando meus arquivos, encontrei uma reportagem que escrevi em julho de 2007, a partir de uma entrevista com o ex-guerrilheiro Aluízio Palmar (foto), que reside em Foz do Iguaçu. Carioca, ele se envolveu na luta armada no final dos anos 60 e uma das suas missões na época foi implantar a luta armada na região Oeste do Paraná. Acabou preso em 1969, em Cascavel. Foi torturado por diversas vezes, até ser mandado para fora do país no início dos anos 70. Durante aquela década, viveu na clandestinidade no Chile e na Argentina e, por pura intuição, acabou se safando de uma chacina que teria sido promovida contra ex-guerrilheiros brasileiros em meados da década de 70, e que teve como palco a Estrada do Colono, no Parque Nacional do Iguaçu. É esse a história que ele conta no livro “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?”, publicado em 2005.
É sobre o livro e a guerrilha que tentou se instalar no Oeste do Paraná que trata a reportagem que foi capa da edição de julho de 2007 da Revista Região, a qual segue reproduzida abaixo. O texto é longo, mas vale a pena conferir...
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Mistério e mortes no Parque Nacional do Iguaçu
Ex-guerrilheiro revela ações de extermínio de exilados políticos praticadas pelo Exército na Estrada do Colono durante os anos de ferro da ditadura militar
Por Cristiano Viteck
“Eles foram atraídos pelo ex-sargento da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, Alberi Vieira dos Santos, para uma emboscada armada dentro do Parque Nacional do Iguaçu. A Rural Willys dirigida por Távio Camargo, militar do Centro de Informações do Exército, apresentado ao grupo como membro da base de apoio, trafegou seis quilômetros pela Estrada do Colono levando Joel José de Carvalho, Daniel de Carvalho, José Lavéchia, Víctor Carlos Ramos e Ernesto Ruggia em direção à morte. De repente, no meio da floresta exuberante, os cinco militantes da esquerda revolucionária caíram fuzilados pelo grupo de extermínio. Os cães de guerra comandados pelos chefões do Centro de Inteligência do Exército executavam a fase final da Operação Juriti, que consistia em atrair exilados políticos para área fictícias de guerrilha e matá-los”
Os fatos narrados acima aconteceram na noite de 13 de julho de 1974, no Parque Nacional do Iguaçu, e permaneceram fora dos livros de história do Brasil até pouco tempo atrás. E, provavelmente, ficariam para sempre enterrados junto às ossadas dos jovens guerrilheiros se não fosse a perseverança e a dedicação do jornalista Aluízio Palmar, que dedicou praticamente 26 anos de sua vida investigando este caso.
Porém, mais do que um forte gosto pelo jornalismo investigativo, razões muito maiores instigaram Aluízio Palmar a desvendar o mistério do desaparecimento desses jovens guerrilheiros. Exilado político que viveu durante a maior parte da década de 70 na clandestinidade – escondido na Argentina –, caso o plano do Centro de Informações do Exército tivesse se concretizado totalmente, Aluízio Palmar também teria morrido naquela mesma noite de 13 de julho de 1974.
É em torno desta história que gira o livro “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos” (Editora Travessa dos Editores, 386 páginas), de Aluízio Palmar, publicado em 2005 e que acaba de ganhar uma segunda edição. A obra, uma pesquisa de grande fôlego, é recheada de documentos, fontes e depoimentos que desnudam um período negro vivido durante a ditadura brasileira (1964-1985) que até então era praticamente desconhecido pelos moradores da região Oeste do Paraná.
O autor
Aluízio Palmar nasceu em 1943, na cidade de São Fidélis (RJ). Na adolescência a sua família se mudou para Niterói, onde começou a entrar em contato com a militância política ainda no colégio, quando integrou a Juventude do Partido Comunista. Depois, acabou também pertencendo ao Comitê Municipal do Partido Comunista em Niterói, durante o período de universitário.
Segundo ele afirmou em entrevista exclusiva à Revista Região – que conversou com Aluízio durante sua recente visita a Marechal Cândido Rondon onde proferiu palestras a convite dos cursos de História e Direito da Unioeste –, de 1960 a 1964, havia “uma agitação enorme dentro do movimento estudantil. O país vivia um período de mudanças com a renúncia de Jânio Quadros, a mobilização pela posse de João Goulart”. Porém, com o golpe militar de 31 de março de 1964, este grande momento de debate político que acabava por envolver diversos setores, começou a diminuir cada vez mais graças à forte repressão contra aqueles que se opunham à ditadura. O golpe final contra as instituições democráticas do país veio com o Ato Institucional nº 5 (AI-5), em maio de 1968. Com o aumento da repressão, àqueles que se colocavam contra o governo militar restavam poucas opções: o exílio, a desmobilização ou a luta armada. E foi esta última que Aluízio Palmar escolheu.
“Nós tínhamos algumas ilusões desarmadas até 1966. Em 13 de dezembro de 1968 a ditadura baixa o Ato Institucional nº 5 e daí não existiam mais condições de ir pra rua de cara aberta, fazer contestação. Aí a discussão acabou se dando ao ponto de acreditarmos que a contestação se daria através da resistência da luta armada nas cidades, sob influência de Che Guevara e também abrindo frentes de guerrilha rural”, recorda o ex-guerrilheiro.
Guerrilha no Oeste
Mas, antes mesmo do AI-5, o Aluízio Palmar já estava integrado à guerrilha e, em meados de 1968, chegou à Foz do Iguaçu (PR), enviado pelo Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8) para, juntamente com outra colega, dar início a um foco guerrilheiro na região Oeste do Paraná.
Ele revela quais eram os planos de ação na região: “A idéia era a implantação de um foco guerrilheiro no Oeste do Paraná, em Cascavel e Toledo. Nosso objetivo, primeiro, era montar uma rede de apoio no campo. Segundo, adaptação na região e no mato. Então, começamos a recrutar simpatizantes e assim criamos uma malha de apoio de Santa Helena até a barranca do Rio Iguaçu, principalmente de camponeses prontos para aderir à causa. O papel deles não era ir para o confronto. Seria nossa base de apoio para propaganda, pra guardar gente, guardar material. Durante um ano fizemos caminhadas. Várias vezes eu caminhei de Santa Helena a Foz do Iguaçu. Mais tarde, ficamos um ano dentro do Parque Nacional do Iguaçu. Essas caminhadas eram para adaptação. Nenhum de nós foi pra Cuba, o nosso treinamento foi aqui mesmo na região Oeste. Aí, além do pessoal do Estado do Rio de Janeiro, participava também gente do Paraná, estudantes. Esse era nosso grupo. Nós compramos dois sítios, um no Boi Picuá, que fica na região de Assis, Toledo, e outro sítio em Matelândia”.
Contudo, a presença do grupo na região começou a levantar suspeitas, revela Aluízio Palmar. “Nós éramos estranhos na região do Boi Picuá. Éramos estudantes, nenhum sabia mexer com terra, nem cavalo e nem com boi. Todo mundo ficava cabreiro e o povo comentava na festa, na igreja”. Diante dessa situação e com a queda de outros focos guerrilheiros no país, o grupo que estava agindo na região Oeste do Paraná decidiu pela desmobilização, Assim, e diante outros fatos, em 1969 resolveram encerrar a operação.
Prisão e torturas
Dentro desse trabalho de desmobilização, no dia 04 de abril de 1969 Aluízio Palmar e o colega Mauro Fernando de Souza estavam evacuando a casa de um dos contatos do grupo em Vera Cruz do Oeste. Era Sexta-Feira Santa e, no retorno ao sítio onde ainda estavam instalados, passavam por Cascavel quando Mauro resolveu parar para comprar um peixe.
Para azar da dupla, Mauro bateu o Jeep que estava dirigindo na traseira de um carro próximo à rodoviária de Cascavel. Era o início dos fatos que resultariam na prisão de Aluízio Palmar, que conta: “O Mauro foi atrás de um mecânico e eu fiquei cuidando do Jeep, que estava cheio de material subversivo, livros, manuais de arma. Nesse momento chega Marins Bello, fiscal da Loteadora Pinho e Terra, acompanhado de alguns policiais. Ele apontou pra mim e começou a me chamar de comunista, subversivo. Nesse momento fui preso. Fui até a delegacia embaixo de cacete”.
Contudo essa não seria a única surra que ele levaria. A partir de então, para todos os locais onde foi levado, Aluízio Palmar foi torturado. Conforme contou para a reportagem da Revista Região, ele apanhou “bastante, como todos! Nem mais, nem menos que a maioria. Resumindo: eu fui torturado em Cascavel, no Batalhão de Fronteiras em Foz do Iguaçu, no quartel da Polícia do Exército em Curitiba, no DOPS de Curitiba com o... esqueci o nome do desgraçado do delegado do DOPS! Depois, na Ilha das Cobras, no Arsenal da Marinha, e depois na Ilha das Flores, também na Marinha.”
Aluízio Palmar ficou preso até 9 de janeiro de 1971, quando foi banido do território nacional após ser trocado – juntamente com outros 69 presos políticos – pelo embaixador da Suíça no Brasil, Giovani Bucher. Expulso do país, Aluízio Palmar viveu no Chile até 1972, de onde também saiu clandestino. O seu novo destino foi o interior da Argentina. Ele recorda que ainda nesse período estava participando de algumas movimentações subversivas.
Operação Juriti
Enquanto isso, no Brasil, o Centro de Informações do Exército colocava em prática a Operação Juriti, que consistia em infiltrar agentes dentro dos grupos de exilados políticos que estavam fora do país, convencendo-os a voltarem para o Brasil com o suposto objetivo de retomar a luta armada contra o governo militar. No fundo, tudo não passava de uma cilada para matar os exilados políticos, que eram levados para regiões remotas do Brasil, onde eram covardemente assassinados.
Este é o caso da chacina ocorrida em 13 de julho de 1974 no Parque Nacional do Iguaçu, na Estrada do Colono. O agente utilizado para atrair os exilados nesta ação foi o ex-sargento da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, Alberi Vieira dos Santos. Ele conquistou a confiança de Onofre Pinto, um dos cabeças da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).
Com o apoio garantido de Onofre Pinto, uma liderança respeitada na esquerda brasileira, ficou fácil para Alberi dos Santos convencer outros exilados políticos a retornarem para o Brasil, utilizando a mesma história de que estariam voltando para o país para retomar a luta armada. Juntamente com Onofre Pinto, também foram enganados e levados para a morte os irmãos Daniel e João Carvalho, Victor Ramos, José Lavéchia e o jovem estudante argentino de 18 anos, Ernesto Ruggia.
Por muito pouco, Aluízio Palmar também não passou a integrar essa lista. Segundo ele, foi a desconfiança na pessoa de Alberi Vieira dos Santos, a quem conheceu quando esteve preso no Presídio do Ahú, em Curitiba, que acendeu o sinal de alerta em sua mente e o fez fugir para o interior da Argentina – onde já vivia – e levar um vida totalmente na clandestinidade.
Ele lembra que, coincidentemente, em janeiro de 1974, encontrou com o agente disfarçado do Exército, que o convidou para se juntar ao grupo que estava retornando ao Brasil para reiniciar as ações de guerrilha contra o governo militar no Oeste paranaense. “Eu estava realizando alguns contatos e, numa dessas minhas idas a Buenos Aires – já para desmobilizar alguns companheiros do Norte do Paraná, porque a gente já estava desmobilizando tudo – eu vi o último comandante da VPR, Onofre Pinto, junto com o ex-sargento do Exército, que tinha conhecido no Ahú, que é o Alberi Vieira dos Santos. Vi mas não me encontrei com ele, vi de longe. Eles que me viram e o Alberi foi atrás de mim. Ele me falou que estavam voltando para o Brasil para retomar a luta armada. Então eu falei pra ele: ‘tudo bem, vamos nos encontrar mais tarde da noite para acertar os detalhes da minha ida e do contato lá na fronteira dos nossos trabalhos’. Eu marquei o encontro, mas não fui. Fui embora, sumi, fui embora de táxi, ônibus, sumi! Mas tarde, quando eu voltei do exílio, esse grupo não apareceu na lista dos sobreviventes.”
O massacre
O plano que Alberi Vieira dos Santos havia descrito para convencer os exilados políticos era o seguinte: o grupo entraria no Brasil por Santo Antônio do Sudoeste (PR), aproveitando a fronteira seca da cidade com a Argentina. Uma vez na cidade brasileira, ficariam escondidos em um sítio no interior de Santo Antônio do Sudoeste, onde havia contatos e estariam mais seguros para reiniciar a guerrilha rural.
Convencidos de que isso seria possível, no início de julho eles conseguem entrar sem dificuldades no país. Estabelecidos, a primeira suposta ação do grupo seria um assalto a uma agência bancária em Medianeira para conseguir dinheiro para iniciar o trabalho. Onofre Pinto, um dos líderes da VPR, foi convencido a ficar de fora, pois a ação envolvia riscos.
Assim, na noite de 13 de julho de 1974, Daniel Carvalho, João Carvalho, Victor Ramos, José Lavéchia e Ernesto Ruggia acompanharam Alberi Vieira dos Santos rumo à Estrada do Colono, no Parque Nacional do Iguaçu, convencidos de que iriam realmente praticar o assalto em Medianeira. O carro em que estavam era dirigido por Otávio Camargo, um suposto guerrilheiro, que na verdade era um militar do Centro de Inteligência do Exército. De repente, cerca de seis quilômetros adentro do Parque Nacional do Iguaçu, o carro pára. A ação é rápida e, de dentro da floresta, um grupo de extermínio do Exército cumpre com sucesso mais uma missão da Operação Juriti. Todos os guerrilheiros foram mortos. Os corpos, cravejados de balas, são enterrados no Parque Nacional do Iguaçu, onde as ossadas permanecem, ainda hoje, aguardando serem descobertas.
Onofre Pinto, que havia ficado no sítio em Santo Antônio do Sudoeste, é levado pelos militares até Foz do Iguaçu, onde é interrogado. Porém, como a ordem dentro da Operação Juriti era eliminar todos aqueles que estiveram envolvidos com ações guerrilheiras, o líder da VPR foi morto com um tiro na cabeça e seu corpo então, foi transportado até Santa Helena, onde acabou jogado no Rio São Francisco Falso.
A investigação
Todos esses fatos foram apurados e descritos minuciosamente por Aluízio Palmar no livro “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?”. Contudo, o início das investigações que acabaram por revelar esse capítulo tenebroso da história do país se deu quase por acaso.
Depois que Aluízio saiu da clandestinidade na Argentina e voltou para o Brasil, em 1979, passou um tempo no Rio de Janeiro, mas logo decidiu fixar-se em Foz do Iguaçu, onde já vivia sua esposa e seus filhos e onde passou a atuar na imprensa.
Aluízio Palmar garante que, até voltar para o Brasil, não sabia qual havia sido o destino do grupo que acompanhou Alberi Vieira dos Santos e do qual ele havia sido convidado a participar. “Não sabia de nada. Até porque alguns disseram que eles estavam na Europa, que ficaram em Cuba ou que foram para não sei aonde. Ou estão no Brasil e não querem aparecer. Aí passa um ano, passa dois, passa três e esse povo não aparece! Alguma coisa aconteceu nessa entrada por Santo Antônio do Sudoeste”, desconfiou ele.
As suspeitas de Aluízio Palmar começaram a ganhar vulto depois que ele soube que Alberi Vieira dos Santos foi assassinado em janeiro de 1979, próximo a Medianeira. “Então, na vida de jornalista, começo a levantar teses sobre o que aconteceu com esse grupo e a procurar esporadicamente. Até que surge a irmã do argentino Enrique Ruggia. Ela entra em contato comigo e me estimula mais nessa procura. Quando o Marival Chaves, um ex-agente do DOI-CODI dá uma entrevista pra Veja e fala que esse grupo foi assassinado na fronteira do Brasil com a Argentina, na cidade de Medianeira, eu bato na mesa e digo: ‘E isso aí! O que me disseram lá no exílio bate com o que o agente do DOI-CODI fala e bate, inclusive, com as informações da irmã do Enrique Ruggia, que disse que o grupo veio por essa fronteira. Então, se o grupo veio por essa fronteira, eu tenho que ir buscar nessa fronteira’. Aí eu começo a buscar no Sudoeste. A informação vaza, a imprensa noticia. Eu já falava que eles tinham sido enterrados na Estrada do Colono”.
Depois de centenas de horas passadas em arquivos, quilômetros rodados atrás de pessoal que poderia auxiliar no trabalho e de alguma pistas falsas (como a que o levou a realizar escavações em busca das ossadas em Nova Aurora, em 2001) plantadas para desviar Aluízio Palmar da sua investigação, ele descobriu o fio condutor que o levou à solução do caso.
A peça que faltava
Depois das pistas falsas, Aluízio Palmar só retomou as investigações quando os arquivos da Polícia Federal foram abertos para a Comissão de Mortos e Desaparecidos, que o credenciou para eu fazer esse trabalho em Foz do Iguaçu. Durante as investigações nos arquivos da Polícia Federal em Foz, com as informações que ele já tinha anteriormente, ele chegou ao nome verdadeiro de Otávio Camargo, que na verdade era o nome de guerra utilizado pelo militar que dirigiu o carro que levou o grupo para ser chacinado na Estrada do Colono.
“Eu fui no Google pesquisar esse nome e apareceu uma multa de trânsito. Quando apareceu a multa de trânsito eu penso: ‘esse cara existe e mora em Foz do Iguaçu’, porque a multa de trânsito era da cidade”, explica o jornalista, que conta como a sorte estava do seu lado.
“Eu fui na casa de um empresário e casualmente contei essa história. O empresário me disse que conhecia essa pessoa, que ela morava em Foz e era amigo dele. Eu disse para essa empresário marcar um encontro dessa pessoa comigo. ‘Eu quero conversar, ele tem que falar pra mim como foi essa operação, como morreram’. Essa pessoa era o motorista que levou o grupo até o Parque Nacional do Iguaçu. Essa pessoa não quis falar comigo, talvez porque quis me matar também. Quis falar só com o empresário e com um agente da Polícia Federal que era amigo dele. Esse motorista, esse agente da chacina, essa testemunha contou com detalhes como morreu o grupo. E ele levou o policial federal e o empresário lá no local da chacina. Entraram por Capanema e vieram em direção a Serranópolis e no Km 8 ele localizou. Ele conta que o grupo saiu de Buenos Aires e foi monitorado todo o tempo pelo Centro de Informações do Exército. O grupo chegou na rodoviária de Posadas, capital das Missiones, tomou outro ônibus e foi em direção à fronteira. Atravessaram a pé. No outro lado, ele já estava esperando com uma Rural Willys e levou o grupo até um sítio. Do sítio, cinco guerrilheiros foram levados até o Parque Nacional, onde já havia um grupo de extermínio preparado para matá-los. A chacina aconteceu e os corpos foram arrastados mais pra frente. Era de noite. No escuro, dentro da floresta, essa pessoa não viu o local exato onde eles foram enterrados. O local pode estar a 10, 8, 20, 30 metros do local da chacina.”
Onde enterraram os mortos?
Aluízio Palmar, de posse dessas informações, lembra que lutou muito com a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, até que em 2005 conseguiu mobilizar uma operação de escavações na tentativa de encontrar os corpos. Porém, os resultados foram decepcionantes. “A busca dentro do Parque Nacional foi uma operação extremamente secreta. Não sei porque tão secreta. Fizeram três, quatro covas, aí vieram ordens de Brasília para evacuar. O plano era ficar um mês, mas em três dias resolveram evacuar”.
Perguntado se ele soube as razões para que viesse essa ordem de evacuação, Aluízio responde em tom de revolta e frustração: “não sei!”, para então desabafar: “se a testemunha deu com riqueza de detalhes como eles morreram, é possível encontrar as ossadas, mas tem que ter paciência, apoio governamental, é preciso haver disposição. E ali naquela expedição que nós fizemos não havia disposição por parte da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos e do Ibama. O Ibama criando todo tipo de dificuldade. É samambaia, não sei o que, não sei o que, o impacto ambiental... criando dificuldade! Saímos frustrados e até hoje esperando que alguém resolva esse impasse!”.
Os personagens da chacina do Parque Nacional do Iguaçu
O algoz
Alberi Vieira dos Santos: peça importante da Operação Juriti, montada pelo Exército para atrair de volta ao Brasil guerrilheiros que viviam fora do país para exterminá-los. “Cachorro da ditadura”*, atraiu os cinco brasileiros e o estudante argentino para a cilada montada pelo Exército no Parque Nacional do Iguaçu, em 1974. Morreu em 11 de fevereiro de 1979, na rodovia que liga Medianeira a Missal. Apesar de sua morte estar associada à bandidagem na região, as circunstâncias em que ela aconteceu ainda são misteriosas: foi assassinado a tiros de arma de uso restrito do Exército.
(*) Cachorro era o termo usado pelos militares para designar militantes políticos que traíam os colegas de luta armada para colaborar com a repressão.
As vítimas
Onofre Pinto: era o mais procurado de todos pelo governo militar. Foi um dos fundadores VPR** e recrutou o capitão Carlos Lamarca para essa organização. Foi preso pelos militares em março de e 1969 e solto seis meses depois junto com outros 14 presos políticos (entre eles José Dirceu, que mais tarde seria ministro do governo Lula) em troca do embaixador norte-americano Charles Elbrick, seqüestrado em setembro de 1969 pelos guerrilheiros do MR8. Ao contrário dos demais, não foi assassinado no Parque Nacional do Iguaçu. Acabou morto cerca de dois dias depois, em Foz do Iguaçu. Seu corpo foi desovado pelos militares no Rio São Francisco Falso, em Santa Helena. Tinha 36 anos quando foi morto.
Joel José de Carvalho: iniciou sua militância política no Partido Comunista Brasileiro. Depois do golpe militar de 1964, passou a atuar no PC do B. Integrou a Ala Vermelha, o Movimento Revolucionário Tiradentes e a VPR. Foi um dos 70 presos políticos trocados pelo embaixador suíço Giovanni Bucher, seqüestrado pela VPR em 1971. Morreu aos 26 anos.
Daniel de Carvalho: irmão de Joel José de Carvalho. Também foi preso político, trocado pelo embaixador suíço. Tinha 28 anos quando foi morto na chacina do Parque Nacional do Iguaçu.
José Lavéchia: sapateiro de profissão e comunista, foi membro do PCB. Depois integrou a VPR e participou da guerrilha do Vale da Ribeira, comandada pelo capitão Carlos Lamarca. Foi preso em maio de 1970 e saiu da prisão em troca do embaixador da Alemanha no Brasil. Contava 55 anos quando morreu.
Víctor Carlos Ramos: saiu do Brasil e foi para o Uruguai ao ter sua prisão preventiva decretada pelo Tribunal Militar. Logo após, foi para o Chile. Em 1974 ingressou no grupo de Onofre Pinto e retornou clandestinamente ao Brasil, sendo logo assassinado no Parque Nacional do Iguaçu com 30 anos de idade.
Ernesto Ruggia: com 18 anos, era o mais novo do grupo assassinado. Argentino, estudante de agronomia, veio para o Brasil acompanhado do amigo Joel Carvalho. Não tinha ligações partidárias
(*) A Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) foi criada em 1968. A organização participou de assaltos e do sequestro do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher.
4 comentários:
- Sabe a história das pistas falsas, como a procura de ossadas em Nova Aurora? Bem ... podem não ser tão falsas assim. É quase certo que as ossadas existiram. O problema é encontrá-las. Na localidade foi construido no final dos anos 60 uma pista de pouso, utilizada até meados doas anos 70 e depois desmobilizada. Nesta pista de pouso, utilizada pelo exercito, vimos quando adolescentes, o exercito montar acampamento por vários dias. Cercavam uma parte da região e por ali ficavam em suposto treinamento, sempre transportando farto material. Jipes eram embarcados e desembarcados dos aviões Ércules, assim como farto material. Caixas que nos deixavam curiosos. Tinhamos time de futebol da garotada da escola e utilizavamos a cabeceira da pista como campo. Quando os militares ali estavam, nos era proibido jogar futebol na cabeceira da pista de pouso junto ao armazém que ali abastecia os colonos da região e uma escola rural. O problema de tudo isso é que ali era um local afastado, mas sabia-se da existencia de uma célula comandada pelo professor Luiz Andrea Favero e sua esposa Clari Isabel de Favero. Estas pessoas acabaram presas possivelmente em abril de 1970, (não sei exatamente a época) em um dia que toda a região estava tomada pelo exercito. A professora Clari Izabel manteve a calma, nos dando aula normalmente de manhã, no "GINÁSIO ESTADUAL JORGE NACLI", inclusive a vi quando passou de jipe pela barreira do exercito, foi checada e não incomodada. Cabe ressaltar que na época ela estava grávida. O então Diretor, Professor Attilio Ortigara foi questionado, e ele alegou aos alunos que a professora Izabel era procurada em Porto Alegre e fora presa por pertencer a um movimento subversivo que combatia o governo e se envolvera em ações durante o ano de 1968. No ano seguinte estranhamente o professor Attilio Ortigara, assim como viera foi embora. Cogitou-se que ele era o elemento do governo, escalado para investigar as atividades da professora Izabel. Morei próximo a pista de pouso. Mudei-me de Nova Aurora em outubro de 1.975, quando a pista já se encontrava em abandono, criando mato. Talvez as escavações não tenham sido feitas no local adequado. Lembrome-me que naquela época as duas margens da pista eram de mata, sendo que a da direita, vista da escola olhando para Nova Aurora, era margeada pela estrada. Por volta de 1972/73 com o abandono da pista, as áreas do lado esquerdo foram desmatados. Sabia-se nesta época que existiam muitos buracos próximo a pista. De repente é uma questão de procurar nos lugares certos, ou mesmo que o tempo já acabou com estas ossadas... Um abraço ... e se precisar mais informações escreva neste espaço ...
- Seria interessantíssimo mais informações a respeito! Qualquer coisa, meu e-mail é cviteck@gmail.com .
- A coordenada chave da busca é: 24graus,29 minutos e 50 segundos sul: 53 graus, 17 minutos e 00 segundo Oeste. Esta área tem se mantido em mata de preservação, o que por si só evidencia uma tentativa de guardar um segredo que deve ser guardado. Na baixada, no meio do Campo de pouso, costuma juntar água da chuva na estrada que o margeava, fazendo grandes acúmulos quando chovia. Esta água era escoada para dentro da mata. As escavações na época eram disfarçadas justamente pela terra retirada dos acúmulos de água. Outro ponto a se considerar é do lado da pista oposto à estrada. Ali a água era escoada em grandes acumuladores com mais de 2 metros de profundidade. Estes acumuladores na época eram o disfarce perfeito para manter os corpos no fundo. Após a liberação, foi feito plantio e estes grandes buracos foram tampados com terra, fazendo com que as ossadas se ali estivessem estejam a mais de 2 metros de profundidade. Deve-se levar em conta a possibilidade de estar enterradas justamente na terra enleirada na borda da pista de pouso quando da sua construção. Ela lá permanece até hoje...
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