Do site da revista Carta Capital
08/07/2010 - Vinte e sete anos após o fim da ditadura militar argentina (1966-1983), o ex-ditador Jorge Rafael Videla senta mais uma vez no banco dos réus. Acostumado a manter-se calado durante os julgamentos, no última dia 5, numa atitude inédita, Videla assumiu e defendeu os crimes cometidos no período. O fato provocou revolta entre ex-presos políticos, familiares de desaparecidos e políticos argentinos.
"Ver Videla me causa uma rejeição visceral, pois ele é o símbolo da pior ditadura", disse o deputado portenho, Aníbal Ibarra, ex-prefeito de Buenos Aires, que foi secretário do julgamento das Juntas Militares.
Videla e outros 24 acusados respondem pelo fuzilamento em 1976 de 30 detidos em uma prisão da província de Córdoba.
Na sessão, Videla não negou as acusações imputadas. "Assumo minha responsabilidade na guerra interna, meus subordinados se limitaram a cumprir minhas ordens", afirmou diante do tribunal de Córdoba.
Segundo a imprensa local, os outros réus pediram para deixar a sala durante o depoimento do ex-ditador, que se comportou de forma "fria, como se estivesse justificando os crimes cometidos", detalhou em uma reportagem publicada no Clarín a jornalista Marta Platía.
Após a declaração de Videla, a presidente da Associação das Mães da Praça de Maio, Hebe de Bonafini, disse que "repudia a divulgação permanente das palavras do genocida".
"Em vez de passar o que Videla disse, para que os jovens saibam o que aconteceu durante a ditadura, as Mães acreditam que é preciso mostrar o que ele fez", afirmou, por meio de um comunicado.
Segundo Hebe, as palavras de Videla são "repugnantes",
pois o ex-ditador quer justificar a tortura,
os fuzilamentos, sequestros e destruição de famílias.
Desde sexta-feira, dia 2, o ex-ditador, 84 anos, está sendo julgado por crimes de violação de direitos humanos, como assassinato, tortura, sequestro e prisão arbitrária. Essa foi a primeira vez que o ex-ditador deu uma declaração pública após a redemocratização, segundo o promotor Julio César Strassera, que acompanha o julgamento de ex-repressores.
Na avaliação do promotor Carlos Gonella, no depoimento de Videla está "evidente a cumplicidade com o terrorismo de Estado".
"Estamos diante de um julgamento paradigmático do que foi o terrorismo de Estado e o que é importante é que vai ficar em evidência o consentimento que houve entre setores da sociedade civil que atuaram junto com aquele governo", afirmou Gonella, citado pelo Diário de Julgamento, criado pela associação Hijos da filial de Córdoba para reunir e divulgar o material do processo.
Ficha
Videla encabeçou o golpe de estado de 24 de março de 1976 que substituiu a então presidente Isabelita Perón por uma junta militar, formada por ele, representando o Exército, o almirante Emilio Eduardo Massera da Marinha e o brigadeiro general Orlando Ramón Agosti pela Força Aérea, dando início ao "Processo de Reorganização Nacional".
Hoje, devem ser ouvidos os outros 24 réus. Depois, serão apresentadas provas e documentos, além de testemunhos de ex-presos e familiares. Segundo o Ministério Público da Argentina, desde 2003, 625 pessoas foram processadas por violações de direitos humanos cometidas na ditaduras. Destas, 53 foram condenadas.
O ex-ditador, que também enfrenta acusações na Itália, na Espanha, na França e na Alemanha pelas mortes de civis na Argentina, chegou a ficar em cadeias militares e em prisão domiciliar, mas agora está em uma cela comum.
Com o ex-ditador já condenado à prisão perpétua, o julgamento que começa nesta sexta não pode elevar seu tempo na cadeia, mas as famílias das vítimas consideram que uma possível condenação pode ajudar a superar as mortes.
*Matéria originalmente no Opera Mundi
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