terça-feira, 17 de maio de 2011

Argentina julga padre torturador

6/7/2007

unisinos

“O padre Von Wernich nos visitou e disse que não deveríamos odiar. Apesar do medo que eu tinha, tomei coragem para dizer-lhe que ficava difícil sentir amor quando havia cinco pessoas me torturando. O padre respondeu que eu e meus colegas deveríamos pagar pelo que havíamos feito, deveríamos pagar com torturas, com mortes, com o que fosse necessário, pois éramos culpados.”

Esse depoimento, de Luis Velasco - sobrevivente dos campos de concentração da ditadura argentina (1976-1983) -, é uma das peças mais importantes do julgamento do ex-capelão da polícia Christian Von Wernich, iniciado ontem em La Plata, capital da Província de Buenos Aires.

A reportagem é de Ariel Palacios e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 6-07-2007. O processo de Von Wernich é manchete de primeira página nos jornais argentinos Página/12 e Clarín, 6-07-2007.

Hoje, na manchete principal do jornal, Página/12, afirma: "Agora mata calando". E no subtítulo informa que "o padre Von Wernich se negou declarar. O padre foi acusado no primeiro dia do julgamento de sete homicídios e 41 casos de privação de liberdade e torturas a pessoas seqüestrads em campos clandestinos".

Usando batina por baixo de um colete à prova de bala e sentado atrás de um vidro blindado, Von Wernich, de 69 anos, ouviu dos promotores a acusação de ter participado de 7 assassinatos, 31 torturas e 42 casos de detenção ilegal. O padre é o primeiro sacerdote da Igreja a ser julgado por crimes contra a humanidade.

Durante a ditadura, a Igreja argentina respaldou o regime militar ativamente, até mesmo participando da rede de inteligência para delatar opositores da ditadura e assistindo às sessões de tortura. Alguns de seus membros também proporcionavam conforto espiritual aos torturadores, aos quais indicavam que estavam prestando um serviço ao cristianismo por combater a “heresia”, o “ateísmo” e o “comunismo internacional”.

Von Wernich era um dos principais homens do general Ramón Camps, o poderoso chefe da Polícia da Província de Buenos Aires, a maior da Argentina. Camps defendia a tese de que era necessário eliminar não só os “subversivos”, como também seus filhos. Sua tese era a de que até os bebês carregavam uma “subversão hereditária”.

As testemunhas também indicam que Von Wernich participou dos chamados “vôos da morte”, nos quais os presos políticos eram lançados vivos de aviões no Rio da Prata. O padre abençoava os oficiais que empurravam os prisioneiros do avião.

Após o fim da ditadura, Von Wernich, para esquivar-se da ação dos organismos de defesa dos direitos humanos, refugiou-se num vilarejo do interior. Mas, em 1989, foi designado para a paróquia da cidade de Bragado, onde - apesar da oposição dos habitantes - se manteve como o padre local com apoio da cúpula da Igreja. Oito anos depois, fugiu para o Chile, onde mudou de nome e permaneceu incógnito, trabalhando numa paróquia. Em 2003, foi descoberto pela revista argentina TXT e extraditado para a Argentina.

Poucos anos após o fim da ditadura, Velasco - unido a Von Wernich por um parentesco distante - encontrou o padre, a quem perguntou: “O que você sentia quando assistia às torturas?” Von Wernich respondeu, sem titubear: “Nada! Absolutamente nada!”

Fora do edifício do tribunal, centenas de pessoas manifestaram-se pedindo prisão perpétua para Von Wernich. Os manifestantes - entre os quais, filhos de desaparecidos - chamavam Von Wernich de “nazista”.

O governo ordenou o aumento da segurança das testemunhas que participam do julgamento - diante do temor de que possam ser seqüestradas, como aconteceu com o aposentado Jorge Julio López, após depor contra outro ex-chefe da Polícia de Buenos Aires, Miguel Etchecolatz.

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