terça-feira, 17 de maio de 2011

Argentina condena padre por crimes na ditadura

10/10/2007

unisinos

Vestindo uma batina e um colete à prova de balas, o padre Christian Federico von Wernich, 69, tornou-se ontem o primeiro membro da Igreja Católica a ser condenado por crimes cometidos durante a última ditadura militar na Argentina (1976-1983).

A reportagem é de Rodrigo Rötzsch e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 10-10-2007. A notícia é manchete dos principais jornais argentinos no dia de hoje. Os jornais Clarín e Página/12 dedicam amplo espaço ao tema.

O Tribunal Oral de La Plata considerou Von Wernich culpado, no papel de co-autor, de 42 seqüestros, 32 casos de tortura e sete homicídios - crimes contra a humanidade e genocídio - e o condenou à prisão perpétua.

O julgamento foi o terceiro realizado após a reabertura, em 2005, dos processos contra membros do regime militar na Argentina. Todos acabaram em condenação dos réus.

O veredicto foi atrasado em cerca de uma hora por uma ameaça de bomba que chegou a forçar a desocupação do prédio mas depois se revelou falsa. Centenas de pessoas se juntaram, sob chuva, às portas do tribunal com cartazes pedindo justiça. O público comemorou, inclusive com fogos de artifício, quando o juiz Carlos Rosansky anunciou que os crimes cometidos por Von Wernich configuravam genocídio.

Durante a ditadura, Von Wernich atuou como capelão da Polícia de Buenos Aires. Seu julgamento foi motivado por investigações da Comissão Nacional de Pessoas Desaparecidas, que indicou que o padre fazia uso do seu papel de confessor para extrair segredos dos torturados nas instalações de detenção ilegal da ditadura.

O pior crime imputado a Von Wernich foi a participação no assassinato de sete militantes peronistas, todos com menos de 28 anos de idade. Eles foram convencidos pelo padre a colaborar com seus captores em troca da liberdade, mas acabaram assassinados quando deixaram o centro de detenção - testemunhas afirmaram ao tribunal que Von Wernich estava no veículo que os levou ao local onde foram mortos.

A defesa do padre havia pedido a absolvição de seu cliente, afirmando que ele freqüentava os centros de detenção clandestina só para exercer suas funções de sacerdote.

Na sua exposição final, Von Wernich fez uma defesa não só sua, mas de toda a igreja. "Nunca nenhum sacerdote da Igreja Católica Apostólica Romana violou esse sacramento [da confissão] ou o usou para fins que não o de devolver aos homens a paz".


Papel da igreja
Mas sua condenação volta a pôr em foco a atuação da igreja no último regime militar. O ex-capelão da polícia não foi o único membro da instituição a apoiar a ditadura - a alta cúpula eclesiástica era próxima ao regime e há relatos de participação de religiosos nos chamados "vôos da morte", em que os presos eram atirados de aviões.

Organizações de direitos humanos cobram que a igreja reconheça enfaticamente sua responsabilidade por crimes cometidos sob a ditadura.

A Igreja Católica, que se manteve silenciosa durante os mais de três meses de julgamento, deve divulgar um comunicado sobre a condenação. O texto, porém, deve fazer referência apenas a responsabilidades individuais do padre.

É também provável que a arquidiocese de Nove de Julho decida tirar de Von Wernich o direito de exercer o sacerdócio, ainda em vigor apesar das acusações contra ele serem conhecidas desde 1984.

Durante o julgamento, o bispo Marcelo Melani, uma das cerca de cem testemunhas de acusação, fez uma espécie de mea-culpa. "Não se trata de julgarmos Von Wernich e sim de pensarmos que atitude tivemos cada um de nós, nossas comunidades e toda a igreja ante o avassalamento da vida e dos direitos mais elementares", disse.

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