segunda-feira, 18 de abril de 2011

A Igreja argentina e a ditadura militar

14/10/2007

Fonte :  Unisinos
 "O que o julgamento [de Von Wernich] permitiu foi jogar verdade sobre o que aconteceu e provar, de acordo com as exigências da Justiça, o fato inegável das responsabilidades institucionais por parte da Igreja católica argentina nas violações aos direitos humanos", escreve Washington Uranga.

Na opinião de Uranga, "a condenação do sacerdote Von Wernich por genocídio constitui provavelmente a mancha mais grave da Igreja católica argentina em toda a sua história". Mas, essa condenação "de pouco servirá se os responsáveis eclesiásticos não virem isto como um ensinamento dirigido à instituição.

Seguramente, a sociedade teria outra imagem da Igreja argentina se, recuperando o sentido espiritual da tradição cristã sobre a reconciliação, os bispos optassem por assumir institucionalmente as culpas, agradecer pela verdade e pela justiça, pedir perdão e procurar a reparação dos males causados às vítimas", conclui.

Segue a íntegra do artigo de Washington Uranga publicado no Página/12, 10-10-2007. A tradução é do Cepat.

O julgamento e a condenação do sacerdote católico Christian Federico Von Wernich não pode ser lido apenas como uma sanção da sociedade contra um ministro religioso, pretendendo que o ex-capelão da Polícia de Buenos Aires agiu de forma totalmente isolada e com desconhecimento de seus superiores eclesiásticos.

Tampouco seria justo englobar na sentença toda a instituição eclesiástica, em cujo seio também se abrigam algumas das vítimas do padre repressor, dos policiais e militares que ele acompanhou e cujo agir justificou do ponto de vista do discurso ideológico e religioso.

O que o julgamento permitiu foi jogar verdade sobre o que aconteceu e provar, de acordo com as exigências da Justiça, o fato inegável das responsabilidades institucionais por parte da Igreja católica argentina nas violações aos direitos humanos.

Trata-se das mesmas responsabilidades institucionais das quais os bispos tentaram se esquivar antes e agora ao reafirmarem o que foi dito pela Comissão Permanente do Episcopado no dia 8 de março de 1995 num comunicado sobre "a repressão violenta durante o governo militar".

Na época sustentaram, e agora reiteram, que "se algum membro da Igreja, qualquer que foi sua condição, apoiou com sua recomendação ou cumplicidade algum desses fatos (a repressão violenta), agiu sob sua responsabilidade pessoal, errando ou pecando gravemente contra Deus, a humanidade e a sua consciência".

Com a mesma intenção se recorda agora o insuficiente reconhecimento feito no dia 8 de setembro de 2000 em Córdoba, dentro da celebração do Congresso Eucarístico Nacional.

Nessa ocasião os bispos pediram perdão "pelos silêncios responsáveis e pela participação efetiva de muitos de (seus) teus filhos em tanto desencontro político, no desrespeito às liberdades, na tortura e delação, na perseguição política e na intransigência ideológica, nas lutas e nas guerras, e na morte absurda que ensangüentaram o nosso país".

"A Igreja não erra, mas seus filhos, sim". Esse é o raciocínio utilizado pelos bispos.

O que dizer então do bispo Victorio Bonamín, que, sendo pró-vigário castrense, alentou o golpe de Estado com uma pergunta: "Quererá Cristo que algum dia as Forças Armadas estejam além de sua função?"

Para sustentar logo que "o Exército está expiando a impureza de nosso país" e que "os militares foram purificados no Jordão do sangue para colocarem-se à frente de todo o país".

E a própria Conferência Episcopal, num documento de 15 de maio de 1976, sustentava que "seria errar" contra o bem comum se se pretendesse "que os organismos de segurança agissem com pureza química de tempos de paz, enquanto diariamente corre sangue".

O presidente da Conferência Episcopal em tempos de ditadura, Adolfo Servando Tortolo, sempre se mostrou um entusiasta defensor do regime ditatorial e justificou seus métodos da mesma maneira que o fez o arcebispo de La Plata, Antonio Plaza, ou o de San Luis, Juan Laise, para mencionar apenas alguns.

A instituição dos capelães militares e policiais, injustificável para muitos do ponto de vista pastoral, converteu-se numa ferramenta ideológico-religiosa para legitimar os maus-tratos.

Não houve nesse momento, como também não há agora, assunção institucional das responsabilidades.

Alguns bispos (com honrosas e valiosas exceções como Miguel Hesayne, Esteban de Nevares e Jorge Novak) tiveram que sofrer o isolamento de seus pares por seu compromisso na defesa dos direitos humanos e pela autocrítica em relação à ação institucional da Igreja sobre o próprio tema.
 
Longe de realizar a missão religiosa que lhe foi encomendada como capelão, Von Wernich agiu como parte integrante das forças de repressão comandadas pelo general Ramón Camps.

A condenação do sacerdote Von Wernich por genocídio constitui provavelmente a mancha mais grave da Igreja católica argentina em toda a sua história. Mas de pouco servirá se os responsáveis eclesiásticos não virem isto como um ensinamento dirigido à instituição. Seguramente, a sociedade teria outra imagem da Igreja argentina se, recuperando o sentido espiritual da tradição cristã sobre a reconciliação, os bispos optassem por assumir institucionalmente as culpas, agradecer pela verdade e pela justiça, pedir perdão e procurar a reparação dos males causados às vítimas. Esse é, definitivamente, o sentido cristão da reconciliação. Muito longe daquele que pretendeu dar-lhe Von Wernich na intervenção do julgamento que o condenou.

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