quarta-feira, 20 de abril de 2011

Caravana da Anistia. A luta pela preservação da memória brasileira.

16/10/2008

unisinos
 Entrevista especial com Jair Krischke

Ontem e hoje passa pela Unisinos a Caravana da Anistia. O objetivo é julgar alguns casos de vitimas da ditadura militar brasileira e resgatar a memória desse passado recente e com “feridas” profundas e ainda abertas na história do país. Para tratar dos trabalhos desempenhados pela Caravana, a IHU On-Line conversou, por telefone, com Jair Krischke, coordenador do Movimento de Justiça e Direitos Humanos e que estará presente hoje durante a promoção dos julgamentos. Durante a entrevista, ele falou sobre a importância de tratar a questão da anistia em caravanas pelo país, bem como sobre o trabalho em relação aos direitos humanos, que será feito durante o evento e, ainda, sobre o julgamento relacionado ao político Leonel Brizola.

Segundo Jair, cada caso julgado durante esse movimento traz um fragmento perdido da história e, ao unir esses fragmentos, as futuras gerações poderão ter acesso às informações que hoje temos que lutar para obter sobre o período da ditadura militar. “Talvez o mais grave da ditadura brasileira tenha sido este vazio que nós hoje vemos no mundo político. Somos um país de jovens, é verdade, mas as lideranças políticas são antigas e anteriores à ditadura. Nós precisamos recompor isto”, relatou.

Jair Krischke é graduado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atua como ativista dos direitos humanos no Brasil, Argentina, Uruguai, Chile e Paraguai. Em 1979, ele fundou o Movimento de Justiça e Direitos Humanos (a principal Organização Não-Governamental ligada aos Direitos Humanos da Região Sul) e o Comitê de Solidariedade com o Povo Chileno.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual a importância de se tratar e julgar as ações relacionadas à anistia em formato de caravana?
Jair Krischke – A importância se justifica especialmente pela questão da memória. Em um país como o nosso, onde a memória é muito curta, estes episódios (que eu considero da nossa história atual, uma vez que ainda não foram completamente desvendados) exigem um julgamento, especialmente no meio acadêmico, onde a juventude que não viveu esse período tem a possibilidade de tomar conhecimento desses eventos, no intuito de saber como a ditadura brasileira foi cruel.

Ainda há quem queira passar a idéia de que a ditadura brasileira foi “boazinha”. Isso não é verdade. Ela foi duríssima, foi terrível. O julgamento desses pedidos de anistia traz à tona este passado, que foi ontem, e informa a juventude para que todos saibam do que se tratou este período da história brasileira.





IHU On-Line – Como se dá esse processo de educação em direitos humanos que será promovido durante a Caravana?
Jair Krischke – No momento em que se evidencia o que aconteceu durante uma ditadura cruel, que foi longuíssima (em toda a nossa região foi a mais longa, pois durou 21 anos), esses julgamentos são muito pedagógicos, porque se discutem amplamente esses temas e, especialmente, se discute a questão da anistia, mesmo ainda sendo algo absolutamente incompleto no Brasil. Mas é pedagógico porque mostra que o processo de anistia ainda hoje está incompleto e precisa avançar. É aí que está o extraordinário valor desses julgamentos que vão percorrer todo o Brasil e que agora chegam ao Rio Grande do Sul. Ações como essa são muito importantes.

IHU On-Line – O que representou o julgamento do processo movido pela ex-companheira de Leonel Brizola e que, com isso, foi considerado anistiado político?

Jair Krischke – Eu diria que esse é um dos tantos episódios. Leonel Brizola foi uma das vítimas preferenciais da ditadura. Este homem foi denegrido, foi mostrado ao país como uma pessoa que trazia problemas, e hoje a história vai mostrando que não foi assim. Creio que esta decisão vem num momento oportuno, porque se retoma uma discussão que ficou parada e evidencia a memória de Brizola e o seu valor como brasileiro. Além de trazer novamente a discussão em relação à questão da anistia, revela a memória deste homem que, até então, era mostrado como aquela figura que foi o estopim para o golpe. Porém, um golpe nunca se justifica. Demonizaram Brizola e agora, com a anistia, começa a ficar mais claro que as coisas não aconteceram daquela maneira. Esse é um direito que a sua memória estava a merecer.

IHU On-Line – Que obscuridades da época da ditadura devem ser reveladas por essas caravanas da anistia?
Jair Krischke – Cada caso, quando é julgado, traz à tona um fragmento da história. São casos pessoais, sim, mas que estão inseridos num contexto amplo. Então, são fragmentos desta história e muita coisa veio destes registros que já se tem conhecimento. São poucos documentos que foram revelados, porque não se tem coragem para abrir os arquivos deste país, o que é terrível também. E, desta forma, nós podemos ir reconstituindo esta história, porque os interessados se juntam e mostram documentos e provas, trazem o que a imprensa publicou na época, trazem testemunhos de pessoas que também foram vítimas, como elas, da repressão. Então, este material é muito rico e muito importante, especialmente porque depois vai compor um memorial – que também é outro aspecto importantíssimo porque nós não podemos perder esta memória, já que muitos estão morrendo. Hoje, esta ação é para que as futuras gerações tenham acesso a esse material, para que possam conhecer esse momento trágico da história brasileira.


IHU On-Line – Quais resquícios o regime do medo deixou na política brasileira?
Jair Krischke – Talvez o mais grave da ditadura brasileira tenha sido este vazio que nós hoje vemos no mundo político. Nós somos um país de jovens, é verdade, mas as lideranças políticas são antigas e anteriores à ditadura. Nós precisamos recompor isto.

A ditadura é responsável por um vazio geracional de pessoas que não puderam se iniciar na vida política. O movimento estudantil era o grande celeiro dos futuros dirigentes políticos. Como tudo isso foi retirado do país, nós perdemos uma geração e este foi um grande prejuízo. Recentemente, começaram a aparecer algumas lideranças políticas e que devem também se municiar dessas informações, porque é a única forma de projetarmos um futuro.



IHU On-Line – Como o senhor avalia a cultura da memória brasileira?
Jair Krischke – É lamentável. Eu costumo sempre ilustrar essa questão com um fato concreto: outro dia, estava sendo entrevistado por um jovem jornalista, com formação acadêmica, e falávamos sobre o tema dos desaparecidos.

Eu dizia àquele repórter de televisão (a entrevista estava sendo gravada) que, no Brasil, nossa galeria de infames é muito pequena, que precisamos colocar nela uma série de pessoas. Dizia eu que Silvério dos Reis está muito sozinho e o jornalista rapidamente me perguntou: “o Silvério dos Reis também é desaparecido?”.

Nem história os jovens sabem e isso assusta a gente. Percebo, com isso, a necessidade de que a memória esteja disponível e que seguidamente se relembre aos jovens de que há um passado que precisa ser lembrado para que não sejam cometidos novamente os mesmos equívocos.


Notas:


  • Joaquim Silvério dos Reis Montenegro Leiria Grutes foi o delator dos inconfidentes mineiros. Foi um coronel, contratador de entradas, fazendeiro e proprietário de minas, mas, devido aos altos impostos cobrados pela Coroa Portuguesa, estava falido. Foi por esse motivo foi convidado por Francisco Antônio de Oliveira Lopes para participar da Inconfidência Mineira - a mesma motivação da maioria dos envolvidos.

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