sexta-feira, 3 de junho de 2011

O assassinato de Ignacio Ellacuría e companheiros. Vinte anos sem justiça

unisinos

23/2/2009

Boa parte dos catorze ex-militares salvadorenhos implicados na matança de seis padres jesuítas, cinco deles espanhóis, a senhora que trabalhava na casa e sua filha, administram empresa, hoje, desfrutam de aposentadorias e cargos, frequentam gabinetes governamentais e se apetrecham contra a perseguição da Audiência Nacional e da Associação Pró-Direitos Humanos da EspanhaAPDHE. Vários se articulam politicamente para impedir que a lei de anistia de 1993 seja derrogada pelo Governo a ser eleito no próximo dia 15 de março em El Salvador.

A reportagem é de Juan Jesús Aznárez e publicada pelo jornal El País, 22-02-2009.

“Não vejo muito interesse em algunas instâncias do nosso país para reabrir o caso, mas queremos que na Espanha se faça a justiça que em El Salvador não se pode fazer”, afirma Miguel Montenegro, diretor da Comissão de Direitos Humanos de El Salvador, onde, entre 1980 e 1992, morreram 75 mil pessoas, desapareceram outras 7 mil e centenas de milhares ficaram órfãs, viúvas ou sem casa. A justiça tem sido impossível, porque a separação de poderes parece ser ainda ficção científica.

A matança que o magistrado do Juizado Central de Instrução número 6, Eloy Velasco, e a APDHE revisam, aplicando o princípio da lei universal para os crimes de lesa humanidade, ocorreu nas primeiras horas do dia 16 de novembro de 1989 no campus da Universidade Central Americana – UCA. Os jesuítas responsáveis pela universidade, dirigidos por seu reitor, o espanhol Ignácio Ellacuría, eram considerados pelo exército corrosivos teólogos da libertação e cúmplices do comunismo.

Ignácio Ellacuría (nascido em 1930, em Portugalete), tinha 59 anos quando foi assassinado. Nunca foi um padre hesitante frente às injustiças. Começou suas denúncias contra a ultra-direita salvadorenha e os paramilitares desde a revista Estúdios Centro-Americanos – ECA.

O assassinato do padre jesuíta Rutilio Grande, em 1977 – dois anos antes que Ellacuría fosse nomeado reitor da UCA – comoveu a comunidade jesuíta, que redobrou o seu trabalho em defesa dos mais fracos. Os militares, desde os seus órgãos de imprensa, os chamavam de subversivos.

“Seja patriota, mate um padre”, animavam alguns pasquins. O golpe de 1979 desatou a violência que atingiu o arcebispo Oscar Arnulgo Romero, assassinado um ano depois. Ellacuría não se calou e teve ir para a Espanha, em 1980, sob proteção diplomática. Quando retornou a El Salvador, em 1989, a morte esperava a Ellacuría. Com ele a reencontraram os padres Ignácio Martín-Baró, Segundo Montes, Amando López, Juan Ramón Moreno e Joaquin López. Foram assassinados na residência dos jesuítas na Universidade Centro-Americna, no dia 16 de novembro de 1989, juntamente com a empregada e sua filha de 15 anos.

As vítimas foram assassinadas por soldados do batalhão Atlacatl, que deixaram pintadas as paredes atribuindo os crimes à Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional – FMLN.

O julgamento de 1990, que condenou a dois processados e absolveu o restante, foi mais uma encobrimento do que qualquer outra coisa, segundo observadores independentes, entre eles, os enviados da Espanha.

A maioria dos acusados são agora empresários, aposentados ou vivem do patrimônio obtido durante a guerra, segundo afirma um jornalista salvadorenho. São pequenos empresários? “Não tão pequenos. O ex-coronel Orlando Cepeda é acionista de uma das grandes empresas de reciclagem do lixo de El Salvador, outros administram negócios de armamento”. O ex-coronel Sigfrido Ochoa, com um passado obscuro, foi embaixador em Honduras. Nem seu patrimônio nem sua liberdade correm perigo, no momento.

Os 14 réus não responderam por seu passado. Alguns, como René Emilio Ponce, ex-chefe do Estado Maior Conjunto das Forças Armada, cristão evangélico, ou o próprio Cepeda, defendem, com todas as armas, a lei de anistia desde a sua plataforma, a Associação dos Veteranos Militares – Asvem, ou desde outros espaços, segundo as fontes consultadas em El Salvador e Madrid.

“Eu, pessoalmente, pedi perdão uma infinidade de vezes em público pelo que fiz no meu ódio, (...) mas também perdoei aqueles que assassinaram com 50 balas a meu pai”, afirma Ponce. “Sei que se se reabrem as feridas pode sobrevir uma nova guerra. Seria bom que de uma e de outra parte (exército e ex-guerrilha) ajudássemos não somente pedindo perdão, mas fazendo esforços para localizar os desaparecidos e que seus familiares tivessem o consolo de lhes dar uma santa sepultura”.

Sepultura, mas também justiça. Não será fácil. É tal a desconfiança dos salvadorenhos progressistas nas instituições do seu país, que o advogado espanhol Manuel Ollé, diretor da APDHE, promotor do julgamento contra os militares juntamente com o Center for Justice and Accountability, com sede em São Francisco, nos EUA, observa “um grande clamor social a favor de que um tribunal penal internacional faça a justiça que não foi feita aqui”.

“Ao atual Governo de El Salvador não parece que tenha gostado muito desta idéia”, agrega Ollé, “mas entendo que deve cumprir escrupulosamente o tratado bilateral entre a Espanha e El Salvador sobre a colaboração judicial em matéria penal”. Se o fizer, terá que atender aos pedidos e às solicitações Audiência.

O presidente salvadorenho, Antonio Saca, da direitista Arena (Aliança Republicana Nacionalista), rechaçou a intervenção espanhola por considerar que “em nada contribui para o desenvolvimento democrático do nosso país”; o candidato presidencial da FMLN, Mauricio Funes, a recebeu com pouco entusiasmo e não parece ter pressa em discutir a derrogação da Lei de Anistia.

Ainda que a Corte Suprema não se tenha pronunciado, um do seus membros objetou publicamente o auto da Audiência Nacional ao incidir num caso julgado. A entrada em vigor de uma nova procuradoria da República, “pode melhorar as coisas”, comenta o ativista. E o que pensa a Universidade Centro-Americana – UCA – sobre a iniciativa do juiz Velasco? Contrariamente dos que imputam uma certa tibieza à UCA, o diretor do seu Instituto de Direitos Humanos, Benjamin Cuéllar, que promove as investigações há duas décadas, prometeu ajudar a Audiência Nacional em tudo o que for necessário.

“De qualquer maneira, cremos que temos que trabalhar aqui para que a justiça chegue não somente aos que têm possibilidade de chegar a um tribunal na Espanha, mas também às pessoas daqui”, explica Cuéllar, partidário da derrogação da Lei de Anistia ou de sua adequação às novas circunstâncias. Ele quer que todos os pobres do seu país, ás centenas de vítimas anônimas da barbárie, também seja garantida uma justiça que até agora esteve ausente porque ela é controlada por pessoas que não acreditam nela.

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