Publicado em 14/10/2013
O Instituto Presidente João Goulart, através de João Vicente Goulart, recebe a denúncia do então Major do Exército Erimá Pinheiro Moreira, esclarecendo em detalhes os motivos que levaram o general Kru a trair Jango e apoiar o golpe de 64, por um "punhado" de dólares enviados pelos EUA.
“Na Guatemala, o terror se transformou num espetáculo:
soldados, comissionados e patrulheiros civis estupravam as mulheres
diante dos maridos e dos filhos. O zelo anticomunista e o ódio racista
se disseminaram no desempenho da contrainsurgência. As matanças eram
inconcebivelmente brutais. Os soldados matavam crianças, lançando-as
contra rochas na presença dos pais. Extraíam órgãos e fetos, amputavam a
genitália e os membros perpetravam estupros múltiplos e em massa e
queimavam vivas algumas vítimas”.
O relato extraído do livro "A revolução guatemalteca",
(Greg Grandin, Editora UNESP, 2004), descreve os pormenores da política
de terrorismo de Estado promovida pelos governos dos EUA – com apoio de
Israel - contra os movimentos de resistência da nação maia nos anos 70 e
80.
Vale lembrar, destaca o autor, que “as práticas ensaiadas
na Guatemala – como as desestabilizações e os esquadrões da morte
dirigidos por agências de inteligência profissionalizadas –
propagaram-se por toda a região nas décadas subsequentes”. E ganharam o
mundo, afirmamos nós, como o comprovam as invasões do Iraque e da Líbia,
onde o número de mercenários superou em muito o do exército regular. O
fato destas “empresas” estarem entre as principais doadoras das
bilionárias campanhas eleitorais estadunidenses não é um mero detalhe.
Assim como o fato do secretário de Estado norte-americano Foster Dulles,
advogado/acionista da United Fruit, ter comandado a campanha - ao lado
de seu irmão Allen Dulles, chefe da CIA – pela derrubada do presidente
guatemalteco Jacobo Árbenz, consumada em 28 de junho de 1954. O motor do
golpe que levou ao poder o coronel Castillo Armas foi a nacionalização
de terras da “Frutera” e sua distribuição a camponeses pobres e a
indígenas.
Propaganda de guerra
No momento em que o
Império retoma a propaganda de guerra contra o povo sírio e seu governo,
a leitura contribui para refletirmos sobre os padrões de manipulação.
Uma “amnésia oficial” patrocinada pelos grandes conglomerados privados
de comunicação para dissipar a responsabilidade estadunidense na
deposição de governos nacionalistas como o de Árbenz. Ali, lembra
Grandin, “a CIA se serviu de práticas tomadas de empréstimo à psicologia
social, a Hollywood e à indústria publicitária para erodir a lealdade” e
gerar aversões, numa “campanha de desinformação concertada” em favor da
United Fruit, grande latifundiária e também proprietária das rodovias,
ferrovias e portos do país.
Com riqueza de dados e citações, a
obra desnuda os meandros da participação de Israel como coringa ianque
ao longo da agressão, desde o começo dos anos 70, até o período “mais
cruel da repressão”, entre 1982 e 1983, com a chegada ao poder do
general Efrain Ríos Montt. É neste momento, recorda o autor, “quando os
massacres se tornaram simultaneamente mais precisos e mais horrendos”.
Em recente visita à Guatemala, pudemos ouvir inúmeros relatos de
sindicalistas sobre tais sevícias. Como não comparar com a prática
nazi-israelense dos ventres abertos à ponta de baioneta, quando
lembramos os 30 anos do massacre do campo de refugiados palestinos de
Sabra e Chatila? Como esquecer dos soldados sionistas, em pleno século
21, praticando tiro ao alvo nos olhos das crianças palestinas, vazados
pelas balas de aço revestidas com borracha?
O genocida Ríos Montt
Em
maio de 2013, no julgamento em que Ríos Montt foi condenado por
“genocídio” pelas atrocidades cometidas, a juíza Jazmín Barrios
possibilitou que 149 mulheres da etnia ixil rememorassem o horror dos
“estupros coletivos” praticados contra suas aldeias há três décadas. “O
primeiro que perguntaram foi se dávamos comida aos guerrilheiros.
Respondi que sequer os conhecia. Na casa estava minha filha, de uns 17
anos, e dois dos seus irmãos pequenos. Os soldados arrancaram sua roupa,
separaram suas pernas com força e começaram a estuprá-la em frente às
crianças, que choravam de medo”.
A contundência da narrativa de
senhoras de 50 a 60 anos amplificou o circo de horrores que transborda
dos informes da Recuperação da Memória Histórica (Remhi) da Conferência
Episcopal Guatemalteca (CEG), e da Comissão de Esclarecimento Histórico,
patrocinada pela ONU. “Os estupros foram utilizados como instrumento de
tortura e escravidão sexual, com a violação reiterada da vítima”. “Se
tens marido, então te estupram entre cinco e dez soldados. Se és
solteira são 15 ou 20”. “Meu tio ia por um caminho com sua filha e uma
neta, quando uma patrulha militar conseguiu agarrar as meninas. A
criança de sete anos mataram, porque foram tantos os soldados que
passaram sobre ela...”. “Alguns soldados estavam doentes de sífilis ou
de gonorreia. A ordem foi que estes passassem por último, quando os sãos
já tivessem estuprado”.
Soam ridículas as alegações de que
tantos e tão flagrantes abusos tenham sido ações individuais e é risível
o empenho das agências internacionais de notícia – as mesmas que
blindaram os crimes perpetrados - para que seja esquecido o entranhado
envolvimento dos EUA e do atual presidente guatemalteco, Otto Pérez
Molina, no passado que não passou.
“Foi um serviço completo, com
planejamento até o último detalhe”, relata Hector Gramajo, líder
militar guatemalteco, lembrando que as zonas de resistência popular à
entrega do país ao estrangeiro eram apontadas como “vermelhas”. Nelas, a
luta deveria ser “sem quartel: todos deveriam ser executados e as
aldeias arrasadas”. (Schirmer, J. The Guatemalan military Project: a
violence called democracy. Philadelphia: University of Pensylvania,
Press, 1998).
As mentiras de Reagan
Foi durante a
administração do presidente estadunidense Ronald Reagan, lembra Greg
Grandin, que “o governo da Guatemala cometeu suas piores atrocidades”.
“Com a ascensão de Ríos Montt ao poder e o início da campanha de terra
arrasada, o governo Reagan passou a fazer um vigoroso lobby pela
retomada da ajuda militar”, destaca o autor, “conquanto um documento
liberado da CIA deixe claro que, já em fevereiro de 1982, os analistas
norte-americanos estivessem cientes das crescentes violações dos
direitos humanos”. Em dezembro de 1982, no “auge da sanguinolência”, o
presidente cowboy encontrou-se em Honduras com Ríos Montt, “o general do
Exército que, na qualidade de chefe do Estado, presidia a pior fase do
genocídio” e declarou que este era “injustiçado” pelos críticos e estava
“totalmente comprometido com a democracia” (The New York Times,
5.12.1982).
Em janeiro de 1983, de olho na venda de armamentos
ao país e no apoio da ditadura guatemalteca aos “contras” - mercenários
que combatiam a revolução sandinista na Nicarágua -, o porta-voz do
Departamento de Estado, John Hughes, comemora que Ríos Montt havia
conseguido um “declínio extraordinário” nos abusos cometidos.
Apesar
do forte bloqueio, as informações sobre os crimes começaram a fugir do
controle. Mesmo dentro dos EUA, a opinião pública passou a pressionar
contra o apoio ao regime fascista. Então, a participação israelense como
“testa-de-ferro” na Guatemala caiu como uma luva para “contornar a
proibição” votada pelo Congresso.
Obviamente, várias empresas
estadunidenses também se utilizaram de artifícios para desrespeitar a
decisão que defendia a vida, mas contrariava os seus negócios. “Leon
Kopyt, o presidente da Mass Transit Systems Corporation da Filadélfia,
contou a um jornalista que fazia anos que sua empresa fornecia ao
governo guatemalteco miras laser de fuzil, embora a solicitação de venda
desses produtos tivesse sido indeferida pelo Office of Munitions. A
Mass Transit driblou a proibição do Congresso simplesmente comprando as
miras laser de uma empresa estrangeira e revendendo-as ao exército
guatemalteco. Por sua própria natureza, é difícil determinar a extensão
dessas linhas de suprimento militar ilícito”, relata o autor.
Parceria sanguinária
De
uma ou de outra forma, “a operação militar israelense-guatemalteca se
iniciou plenamente em 1974, quando os dois países firmaram um acordo
sobre armas”. (Rubenberg, C. A. Israel and Guatemala: arms, advice anda counterinsurgency, Middle East Report, May-June, 1986)
Assim,
“em questão de meses”, chegaram ao país aviões, carros blindados, fuzis
de artilharia, submetralhadoras Uzi e fuzis de assalto Galil, assim
como técnicos e instrutores militares israelenses. Quando os EUA
cortaram parte da ajuda em 1977, Israel passou a ser o principal
fornecedor de armamento e tecnologia militar da Guatemala (Lusane, C. Israeli Arms in Central America, Covert Action, winter, 1984).
“A
partir de 1977, Israel mandou para a Guatemala onze aviões de
transporte Arava, dez tanques, 120 mil toneladas de munição, três barcos
patrulheiros Tair, um novo sistema tático de rádio e um grande
carregamento de morteiros de 81 milímetros, bazucas, granadas e
submetralhadoras Uzi. E, em 1982, as tropas guatemaltecas receberam, em
Puerto Barrios, dez tanques no valor de 34 milhões de dólares. A CIA e o
Pentágono providenciaram para que a carga chegasse da Bélgica, passando
pela República Dominicana” (Nairn, A, The Guatemala connection, The Progressive, maio 1986).
Também
nessa década, aponta Greg Grandin, o governo israelense ajudou a
instalar a Indústria Militar Guatemalteca, em Alta Verapaz, para
fabricar munições para os fuzis Galil – que já monopolizavam o país - e
as submetralhadoras Uzi. Em 1979, técnicos da Tadiran Israel Eletronics
instalaram um centro de computação na capital do país, que se integrou
ao Centro Regional de Telecomunicações e começou a funcionar em 1980. Em
1981, foi aberta a Escola de Transmissões e Eletrônica do Exército,
“construída e financiada por Israel e dotada de pessoal israelense, para
treinar militares em tecnologia de contrainsurgência”.
Nesta
toada, em 1992, havia pelo menos trezentos peritos em inteligência
israelense no país centro-americano, entre “especialistas em segurança e
comunicações e pessoal de treinamento militar”. (The New York Times, 17.4.1982).
O
resultado da parceria EUA-Israel na Guatemala não poderia ser outro que
não o “terror em escala industrial”. “No curso de duas décadas, até o
término da guerra em 1996, o Estado havia matado duzentas mil pessoas,
feito desaparecer com 40 mil e torturado não se sabe quantos milhares
mais”, aponta Greg Grandin.
Na prática, mais do que em
laboratório, a Guatemala foi convertida – como enfatiza o autor - em
“campo de extermínio da Guerra Fria”.
O repórter Luiz Carlos Azenha (R7
e titular do blog Viomundo) entrevistou vítimas do regime militar para contar
uma história que ainda não foi totalmente revelada. Veja no especial As Crianças e A Tortura.
Quando os homens já estavam dentro de sua casa, Ieda pensou em resistir e
pegar a metralhadora que estava em cima da mesa. Não houve tempo. Ela,
sua irmã Iara e a mãe delas, Fanny, foram arrancadas de casa e levadas
para a Oban (Operação Bandeirantes), em São Paulo.
Passava das 21 horas de 16 de abril de 1971 quando elas chegaram ao
centro de tortura da Rua Tutóia, no bairro do Paraíso. Lá estavam presos
e sendo torturados desde a manhã daquele dia, seu irmão, Ivan Akselrud
Seixas, e seu pai Joaquim Alencar de Seixas, ambos militantes do
Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT).
Mãe e filhas foram separadas. Ieda foi levada para um
banheiro, no segundo andar do prédio. Lá, havia uma cama e no lugar do
colchão, uma tela e um cobertor.
O entra e sai de homens no cômodo era grande. As luzes apagaram-se, e
Iara ouviu a ordem: “tragam o Ivan”. Na sequência, um som de rajada de
metralhadora e um grito de Fanny. Era a primeira de várias simulações do
fuzilamento de Ivan que a família viveria.
Ieda estava sentada na cama quando o movimento de homens no banheiro
continuou. Um entrava depois do outro, uns dez no total. Um deles
sentou-se ao seu lado, pressionando-lhe o corpo. Do outro lado, sentou
outro, que usava um chapéu. “Era um homem asqueroso”, recorda-se Ieda.
Ele tirou os sapatos e enfiou a mão por entre as pernas de Ieda,
alcançando sua vagina. “Me dê choque, me bata, mas não façam isso
comigo”, suplicou a moça, desesperada, em vão. O homem era o delegado da
polícia civil Davi dos Santos Araújo, conhecido no DOI-Codi como
Capitão Lisboa.
Simulação
De madrugada, Ieda foi colocada numa viatura veraneio C-14, cheia de
homens, e levada ao Parque do Estado. Ivan foi levado ao mesmo destino,
porém em outro carro. Lá, houve novamente a simulação de fuzilamento do
então adolescente de 16 anos. E, no carro, Capitão Lisboa, sentado ao
lado de Ieda, novamente a violentou.
No caminho de volta ao DOI-Codi, os agentes desceram numa padaria para
tomar café e de dentro do carro, Ivan e Ieda conseguiram ver a manchete
do jornal Folha da Tarde numa banca de revista, que dizia que o pai
deles, Joaquim Alencar de Seixas morrera. Porém, quando os irmãos
chegaram ao DOI,Joaquim ainda estava vivo.
Mais tarde, Ieda foi obrigada a tomar um copo de leite, muito doce. “Só
acordei no dia seguinte. Creio que fui dopada enquanto tiravam de lá o
corpo do meu pai, que havia sido morto”.
Seixas fora assassinado por volta das 19 horas do dia 17. Sua esposa,
Fanny, viu uma C14 ser estacionada no pátio e dentro colocarem o corpo
do marido. Ouviu, também, um policial perguntar a outro: “De quem é esse
presunto?”. Como resposta, ouviu: “Esse era o Roque” [codinome de
Seixas].
O depoimento emocionado de Ieda Seixas foi dado na última quinta-feira,
14/03, em audiência pública da Comissão da Verdade do Estado de São
Paulo “Rubens Paiva”, que também contou com o relato da ex-presa
política Elza Lobo.
Desaparecimento
Além do assassinato de seu pai, das torturas que ela e sua família foram
submetidas, Ieda ainda denunciou o caso de um jovem que viu desaparecer
no DOI-Codi. “Eu vi esse menino sentado no pátio. Era magro, loiro,
aparentava ser muito novo. Ele foi levado para o andar de cima, onde foi
torturado. Ouvimos seus gritos, e depois, ele silenciou, foi morto.
Não sei quem é esse garoto. Certamente ele ainda está sendo procurado
por alguma família”, relatou.
Ieda ficou um ano e meia presa: “Mas é como se tivesse ficado quase
seis, porque foi o tempo que o Ivan ficou preso”. Passados 41 anos de
sua prisão, a mulher de hoje 65 anos afirma que os gritos dos torturados
da Oban nunca saíram da sua cabeça.
Durante a audiência, o presidente da Comissão da Verdade de SP, o
deputado Adriano Diogo, comemorou a transformação do prédio onde
funcionou, por 72 anos, o Tribunal da Justiça Militar, em Memorial dos
Advogados de Presos Políticos. No imóvel também funcionará a sede de
comissões da verdade.
Cadeira do dragão e choques
No dia 10 de novembro de 1969, voltando do trabalho, Elza Lobo chegou em
casa e encontrou a porta de entrada encostada. Sentado na escada,
estava o capitão Maurício [Lopes Lima]. Levada à Oban, a então militante
da Ação Popular Marxista Leninista foi submetida a inúmeras torturas.
Puseram-lhe um capuz, e depois de atravessar uma área externa, foi
levada para um corredor, com paredes molhadas, de onde escorria água.
Depois, foi transferida para uma sala de tortura, onde foi colocada na
cadeira do dragão, [cadeira revestida de zinco ligada a terminais
elétricos, onde presos sentavam nus]e submetida a choques elétricos nas
mãos, orelhas, seios, vagina.“As torturas foram intermináveis”,
recorda-se Elza, que à época era funcionária da Secretaria da Fazenda de
São Paulo.
“A gente ficava jogado no chão, com a porta trancada. Se queria ir ao
banheiro, tinha que pedir. E eles decidiam se abriam ou não”, explicou,
durante a audiência da Comissão da Verdade. Elza lembrou de outra
situação “muito violenta”, quando entre os interrogadores havia “pseudo
religiosos, fingindo-se de bonzinhos para nos tentar convencer a falar.
Até livros religiosos eles traziam para completar a farsa”, explicou.
Depois de 15 dias na Oban, Elza foi levada para o Dops, e no total,
ficou 2 anos presa. A audiência de sobreviventes foi a primeira de uma
série, que irá ouvir ex-presos vítimas de tortura.
* Tatiana Merlino é jornalista da assessoria da Comissão da Verdade
do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”- presidente Adriano Diogo.
Militares colocam em dúvida metodologia do órgão e levantam teoria conspiratória para acabar com a Lei da Anistia
Wilson Lima
e Luciana Lima- iG Brasília |
- Atualizada às
Após um ano de investigação, são cada vez maiores as
queixas dos militares contra os trabalhos da Comissão Nacional da
Verdade. Se antes a dúvida estava relacionada apenas ao foco das
investigações, hoje os militares alegam que todo o trabalho tem o
objetivo de derrubar a Lei da Anistia
(Lei 6.683/1979).
Os militares acreditam que a Comissão é um órgão “para
acabar com pilares sagrados da extrema direita: a Igreja, a família
cristã e as Forças Armadas”,
como define o assessor especial da
presidência do Clube Militar do Exército, general Clóvis Purper
Bandeira. “Eles (integrantes da Comissão da Verdade), filhos da
burguesia, querem acabar com as instituições como a família, a Igreja e
as Forças Armada”, comentou.
Wilson Dias/ABr
Ustra, que comandou o DOI-COdi, depõe na Comissão Nacional da Verdade
Mesmo com a definição expressa nos objetivos do órgão, de
trazer a verdade sobre os crimes cometidos pelo Estado em nome da
ditadura militar, as altas patentes das Forças Armadas ainda insistem na
ideia de que se deve buscar uma paridade na composição da comissão e
nas investigações. O general de brigada do Exército Luiz Eduardo da
Rocha Paiva afirma que os casos de militares que morreram em conflito
com os movimentos armados também precisam ser investigados.
“Já que ela (a Comissão) está aí, que funcione, mas que
cumpra o que está na lei. A lei é bem clara, não é para investigar
apenas os crimes cometidos por agente públicos. A lei diz que deve ser
feita a reconstrução dos casos de graves violações dos direitos humanos
para que seja prestada assistência às vítimas. E aquelas 120 vítimas do
outro lado? Essas são, por acaso, cidadãos de segunda categoria?”,
questionou o general que acusou a Comissão de se “autolimitar”.
Em março, o Clube Naval do Rio de Janeiro, o Clube
Militar do Exército e o Clube da Aeronáutica divulgaram uma nota oficial
denominada “Mensagem à nação brasileira”. O documento criticava os
trabalhos da Comissão da Verdade. As entidades afirmaram que havia no
Brasil um Estado de exceção e que, por esse motivo, era necessário o
sufocamento de uma ameaça comunista.
“O povo brasileiro, no início da década de 1960, em
movimento crescente, apelou e levou as Forças Armadas Brasileiras à
intervenção, em março de 1964, num governo que, minado por teorias
marxistas-leninistas, instalava e incentivava a desordem administrativa,
a quebra da hierarquia e disciplina no meio militar e a cizânia entre
os Poderes da República.”
Entre os representantes das Forças Armadas há um
pensamento de que a CNV, instituída durante o governo do PT, foi criada
como instrumento de vingança contra os militares. O ápice desse plano
seria a mudança na interpretação da Lei da Anistia
.
“Eu acho que, de posse do resultado dos trabalhos da
Comissão da Verdade, parlamentares, principalmente do PT, tentarão
modificar os efeitos da Lei da Anistia. Logo ela que foi a pedra angular
da reconciliação nacional”, afirma o presidente do Clube Naval do Rio
de Janeiro, o vice-almirante Ricardo Antônio da Veiga Cabral.
Agência Brasil
O ex-sargento Marival Chaves, que trabalhou no DOI-Codi/SP, presta depoimento na Comissão
A primeira confirmação da “atitude parcial” da Comissão
da Verdade teria sido a expedição de uma resolução, em agosto do ano
passado, delimitando o foco de atuação do órgão. De acordo com esse
documento, a Comissão da Verdade passou a investigar apenas os crimes
cometidos por agentes do Estado. “Essa é uma meia verdade”, disse. “A
Comissão da Verdade quer causar um maior prejuízo à Forças Armadas
enquanto eles pousam como defensores da democracia”, critica Bandeira.
Após o lançamento da Comissão, o Clube Naval chegou a
instituir, por meio de portaria interna, uma comissão especial para
acompanhar os trabalhos do órgão. Eles temiam que membros da Marinha
fossem convocados e disponibilizaram assessores jurídicos para evitar a
condução coercitiva. Até agora, nenhum membro da marinha foi convocado
pelo colegiado. Ao todo, 17 militares já prestaram depoimentos à
Comissão da Verdade.
A lista de cassações aumentou no mês de janeiro em consequência da
edição do Ato Institucional número 5 (AI-5), em dezembro de 1968.
A
punição atingiu parlamentares e até ministros do Supremo Tribunal
Federal (STF).
Entre os que perderam o mandato estavam:
2 senadores -
Aarão Steinbruck e João Abraão -,
35 deputados federais,
3 ministros
do STF - Hermes Lima, Vítor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva,
além de
aposentar compulsoriamente os ministros Antônio Gonçalves de Oliveira e
Carlos Lafaiete de Andrade.
O AI-5 não poupou nem o ministro do Superior
Tribunal Militar (STM) Peri Constant Bevilacqua, que, segundo o
porta-voz do Presidente Costa e Silva, Carlos Chagas, era acusado de
"dar habeas-corpus demais".
O Congresso foi fechado, e só foi reaberto
em outubro, para eleger o general Emílio Garastazu Médici à Presidência
da República.
O AI-5
foi o instrumento criado para dar amparo legal aos atos arbitrários
cometidos pela ditadura militar. O decreto autorizou o presidente da
República a fechar o Congresso, intervir nos Estados e municípios,
cassar mandatos parlamentares, suspender por 10 anos os direitos
políticos de qualquer cidadão, confiscar bens considerados ilícitos,
além de suspender a concessão de habeas-corpus.
Os encarregados de
inquéritos políticos estavam autorizados a prender qualquer pessoa por
60 dias, 10 dos quais estas deveriam permanecer incomunicáveis.
Emissoras de televisão e de rádio, e redações de jornais seriam ocupadas
por censores. O AI-5 foi seguido por mais 12 atos institucionais, 59
atos complementares e oito emendas constitucionais, e foi revogado em 17
de outubro de 1978.
Eram 9 horas da manhã de uma sexta-feira, quando dois indivíduos, numa
caminhonete bege, pararam em frente à Metal Arte Industrial Reunidas, na
zona leste da capital paulista e, identificando-se como agentes do
DEOPS dirigiram-se ao encarregado do Departamento de Pessoal da empresa,
em busca de Manuel Fiel Filho, empregado há 19 anos - encarregado do
setor de prensas hidráulicas, informando urgência em contactá-lo. Cinco
minutos depois, de uniforme em brim azul, estava diante deles o
funcionário, que havia chegado às 7h ao trabalho.
Os agentes pediram que Manuel os acompanhasse para prestar um
esclarecimento. Segundo o chefe do Departamento de Pessoal, Manuel
estava tranquilo e antes de acompanhar os agentes fez uma única
pergunta: "Será preciso eu trocar de roupa ou posso ir assim mesmo"? E ouviu a seguinte resposta de um deles: "Pode ir assim mesmo, que logo você estará de volta".
De lá, os três seguiram para a casa de Manuel, também na zona norte de
São Paulo, onde estavam sua esposa e filhas. Sem nada explicá-las,
apenas recomedaram: "Ninguém deve falar nada com ele". E
começaram a revistar o domicílio. Ao final das buscas, permitiram que
Manuel ficasse a sós com a família por alguns instantes, mas ao ser
questionado pela esposa, apenas a abraçou e disse: "Não se preocupe, nega, que eu não vou demorar". Em seguida, Manuel e os policiais entraram no carro e deixaram o local.
Manuel Fiel Filho não foi mais visto.
Apesar da preocupação, todos resolveram aguardar por notícias. Até que,
as 22h de sábado, 17 de janeiro de 1976, um táxi apareceu à porta da
casa de Manuel, e sem descer, o passageiro informou à sua esposa
secamente: "Seu marido se suicidou". E estendendo os braços para
fora do carro, entregou-lhe um saco com os pertences que Manuel usava no
dia anterior: Blusão, calça, sapatos, cinto e uma nota de Cr$ 10.
Também havia um envelope timbrado do II Exército, com os documentos do
operário.
A família seguiu para o IML, à procura do corpo de Manuel, mas os
funcionários negaram que ele tivesse dado entrada ali. Contudo, diante
da insitência de seus parentes, os funcionários acabaram por admitir que
o corpo do operário havia chegado poucos minutos antes, vindo do
Hospital das Clínicas, onde havia dado entrada após passar mal no
trabalho e acabara de morrer. Porém, havia ordens no IML para que
ninguém visse o corpo de Manuel e que a família não fosse comunicada do
enterro.
Por fim, diante da pressão dos irmãos de Manuel, o corpo de Manuel
acabou sendo velado, sob escolta policial, na capela da Igreja Nossa
Senhora de Lourdes, no bairro Belém, com a condição de que a cerimônia
fosse rápida e discreta. Alguns conhecidos puderam ver um corte
profundo, longitudinal da altura do queixo ao pescoço, para o qual
receberam a explicação de tratar-se de uma autopsia.
Em poucos minutos, encerrou-se o sepultamento. E para todos que se
retiravam, um policial à paisana recomendava que evitassem comentar o
acontecimento, que não deveria ultrapassar o âmbito familiar. A viúva e
as duas filhas de Manuel não voltaram para casa e deixaram São Paulo no
mesmo dia.
A vida e morte de Manuel é a base do documentário Perdão Mister Fiel - O Operario que Derrubou a Ditadura no Brasil que mostra a atuação dos Estados Unidos na caça aos comunistas e nas ditaduras militares na América do Sul.
Abril de 1942
Última carta da lutadora Olga Benário, antes de ser assassinada pelos
Nazistas no campo de concentração de Ravensbruck na câmara de gás:
Queridos:
Amanhã vou precisar de toda a minha força e de toda a minha vontade.
Por isso, não posso pensar nas coisas que me torturam o coração, que são
mais caras que a minha própria vida. E
por isso me despeço de vocês agora. É totalmente impossível para mim
imaginar, filha querida, que não voltarei a ver-te, que nunca mais
voltarei a estreitar-te em meus braços ansiosos. Quisera poder
pentear-te, fazer-te as tranças – ah, não, elas foram cortadas. Mas te
fica melhor o cabelo solto, um pouco desalinhado. Antes de tudo, vou
fazer-te forte.
Deves andar de sandálias ou descalça, correr ao ar livre
comigo. Sua avó, em princípio, não estará muito de acordo com isso, mas
logo nos entenderemos muito bem. Deves respeitá-la e querê-la por toda a
tua vida, como o teu pai e eu fazemos. Todas as manhãs faremos
ginástica... Vês? Já volto a sonhar, como tantas noites, e esqueço que
esta é a minha despedida. E agora, quando penso nisto de novo, a idéia
de que nunca mais poderei estreitar teu corpinho cálido é para mim como a
morte.
Carlos, querido, amado meu: terei que renunciar para sempre a
tudo de bom que me destes? Corformar-me-ia, mesmo que não pudesse
ter-te muito próximo, que teus olhos mais uma vez me olhassem. E queria
ver teu sorriso. Quero-os a ambos, tanto, tanto. E estou tão agradecida à
vida, por ela haver-me dado a ambos. Mas o que eu gostaria era de poder
viver um dia feliz, os três juntos, como milhares de vezes imaginei.
Será possível que nunca verei o quanto orgulhoso e feliz te sentes por
nossa filha?
Querida Anita, meu querido marido, meu Garoto: choro
debaixo das mantas para que ninguém me ouça, pois parece que hoje as
forças não conseguem alcançar-me para suportar algo tão terrível. É
precisamente por isso que esforço-me para despedir-me de vocês agora,
para não ter que fazê-lo nos últimas e difíceis horas. Depois desta
noite, quero viver para este futuro tão breve que me resta. De ti
aprendi, querido, o quanto significa a força de vontade, especialmente
se emana de fontes como as nossas. Lutei pelo justo, pelo bom e pelo
melhor do mundo. Prometo-te agora, ao despedir-me, que até o último
instante não terão porque se envergonhar de mim. Quero que me entendam
bem: preparar-me para a morte não significa que me renda, mas sim saber
fazer-lhe frente quando ela chegue. Mas, no entanto, podem ainda
acontecer tantas coisas... Até o último momento manter-me-ei firme e com
vontade de viver. Agora vou dormir para ser mais forte amanhã. Beijo-os
pela última vez.
Em depoimento neste sábado, 5, à Comissão Nacional da Verdade (CNV), no Rio de Janeiro, o coronel-aviador da reserva Roberto Baere, 80 anos, revelou detalhes da chamada Operação Mosquito, conspiração montada em 1961 por oficiais da Aeronáutica para matar o então vice-presidente, João Goulart, que estava prestes a assumir a Presidência no lugar de Jânio Quadros, que havia renunciado. Segundo seu depoimento, ele recusou participar da ação e ela foi abandonada.
A reportagem é de Fábio Grellet e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 05-05-2013.
A denúncia de Baere ocorre três dias depois de a própria comissão ter decidido pela exumação do corpo de Goulart - que está sepultado em São Borja (RS) e sobre cuja morte, em 1976, pairam até hoje suspeitas de envenenamento.
Apoiado em 1961 pela esquerda e pelos sindicatos, Goulart era visto por setores da direita militar como herdeiro político de outro velho inimigo dela, o presidente Getúlio Vargas, que havia se suicidado em 1954. Passados dez anos, esses grupos eram radicalmente contra sua posse no lugar de Jânio.
Quando este renunciou, a 21 de agosto de 1961, Goulart
estava na China. Ciente da oposição da direita, ele demorou para voltar
e foi desembarcar dia 31 de agosto em Porto Alegre, onde as tropas eram
leais ao governador Leonel Brizola (PTB), seu cunhado.
Ele só chegou a Brasília em 5 de setembro, já com o parlamentarismo
imposto pelos militares. O plano dos golpistas era abater o avião em que
Goulart faria essa viagem.
Baere, então tenente do 1.º Grupamento de Aviação de
Caça da Base Aérea de Santa Cruz, no Rio, contou neste sábado ter
recebido ordens do comandante da base, o tenente-coronel Paulo Costa (que já morreu), para preparar os caças que seriam usados no ataque. Segundo Baere, ele e três colegas se recusaram a cumprir a missão.
"Pedimos que ele não nos escalasse porque entramos nas Forças Armadas
para defender a Constituição e não agredi-la", afirmou ele ontem diante
da comissão.
O plano acabou sendo abandonado, mas Baere foi
punido três anos depois, já no governo militar de 1964. "Fui
sumariamente expulso, após 50 dias incomunicável na prisão, policiado na
porta por um oficial de metralhadora, como um marginal de alta
periculosidade".
A CNV ouviu também, neste sábado, outros militares punidos por se oporem ao golpe. Um deles, o fuzileiro naval Paulo Novais Coutinho, tinha sido mandado em 25 de março de 1964, sete dias antes do golpe, ao Sindicato dos Metalúrgicos do Rio
para dispersar uma reunião. A frente de 39 homens, recusou-se
reprimi-la. Ficou preso nove meses e foi expulso por indisciplina. Só
conseguiu voltar à Marinha em 1989.
O Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo denunciou, pelo crime
de ocultação de cadáver, o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante
Ustra, comandante do Destacamento de Operações de Informações – Centro
de Operações de Defesa Interna de São Paulo (DOI-Codi) no período de
1970 a 1974. Também foi denunciado pelo mesmo crime o delegado
aposentado Alcides Singillo, que atuou no Departamento de Ordem Política
e Social de São Paulo (Deops/SP) na ditadura militar.
Na ação, ajuizada na sexta-feira, dia 26/4, Ustra e Singillo são
acusados de ocultar o cadáver do estudante de medicina Hirohaki Torigoe,
então com 27 anos, morto no dia 5 de janeiro de 1972. Torigoe foi
membro da Ação Libertadora Nacional (ALN) e do Movimento de Libertação
Popular, organizações de resistência à ditadura.
De acordo com o MPF, a versão oficial do crime – divulgada à imprensa
duas semanas após o desaparecimento do estudante – sustenta que Torigoe
foi morto na Rua Albuquerque Lins, no bairro de Higienópolis, na zona
oeste de São Paulo, em um tiroteio com a polícia. Segundo as fontes
oficiais da época, a demora na divulgação da morte ocorreu porque a
vítima usava documentos falsos, com o nome de Massahiro Nakamura.
No entanto, o MPF contesta a versão oficial com base no depoimento de
duas testemunhas: André Tsutomu Ota e Francisco Carlos de Andrade,
presos na mesma data. De acordo com os depoimentos, Torigoe foi ferido e
levado ainda com vida ao DOI-Codi do 2º Exército, no bairro do
Ibirapuera, onde foi interrogado e submetido à tortura.
As testemunhas afirmaram que os agentes responsáveis pela prisão de
Torigoe tinham pleno conhecimento da verdadeira identidade do detido.
Apesar disso, de acordo com o MPF, todos os documentos a respeito da
morte da vítima, inclusive o laudo de necropsia, a certidão de óbito e o
registro no cemitério, foram elaborados em nome de Massahiro Nakamura.
Para o MPF, além de utilizarem o nome falso nos documentos de óbito e
de sepultarem clandestinamente o estudante no Cemitério de Perus, em
São Paulo, os subordinados de Ustra negaram aos pais de Torigoe
informações a respeito do filho desaparecido.
Na ação, o órgão acusa Ustra de enterrar clandestinamente Hirohaki
Torigoe, falsificar os documentos sobre a morte com o intuito de
dificultar a localização do corpo, ordenar a seus subordinados que
deixassem de prestar informações aos pais da vítima e de retardar a
divulgação da morte em duas semanas, com a intenção de ocultar o cadáver
e garantir a impunidade pelo homicídio.
“A conduta dolosa de ocultação do cadáver resta totalmente
caracterizada pelo fato de que os pais da vítima estiveram nas
dependências do DOI-Codi antes da divulgação da notícia do óbito, em
busca do paradeiro do filho. Lá, porém, funcionários do destacamento
sonegaram-lhes a informação de que Hirohaki Torigoe fora morto naquele
mesmo local e que seu corpo fora clandestinamente sepultado com um nome
falso”, ressalta o texto da ação.
Desde 2006, um inquérito civil público busca localizar os restos
mortais de Hirohaki Torigoe. “Até hoje permanecem os restos mortais de
Hirohaki Torigoe ocultos para todos os fins, inclusive os penais”,
afirma o MPF.
O delegado de Polícia aposentado Alcides Singillo é acusado de deixar
de comunicar a correta identificação e localização do corpo à família
da vítima, o cemitério onde ele supostamente foi enterrado e o cartório
de registro civil onde a morte foi registrada. De acordo com o MPF,
Singillo era, na época, delegado do Deops de São Paulo e tinha ciência
da identidade do estudante, pois colheu o depoimento do verdadeiro
Massahiro Nakamura, que foi a delegacia após a notícia de que Torigoe
usava seu nome.
Segundo o advogado de Ustra, Paulo Esteves, o ex-coronel nunca
participou de nenhum tipo de violação de direitos. “A violência não foi
apanágio da vida dele”, disse. A reportagem não conseguiu localizar o
advogado do ex-delegado Singillo.
O coordenador da Comissão Nacional da Verdade (CNV), Paulo Sérgio
Pinheiro, afirmou ontem que o trabalho do colegiado deve servir para
futura investigação judicial e responsabilização criminal de agentes de
Estado que operaram na estrutura repressiva da ditadura militar. Ele
frisou que no relatório final da comissão deverá haver recomendações
para que o Brasil respeite uma decisão da Corte Interamericana de
Direitos Humanos que questiona a validade da Lei de Anistia.
"Existe uma sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos que
diz que as autoanistias não são aceitáveis", ele destacou ontem, em
encontro em São Paulo com membros das comissões estaduais de Memória
Verdade e Justiça. O que aconteceu no Brasil foi uma autoanistia,
afirmou. Na ocasião da sentença proferida pela corte, o então ministro
da Defesa, Nelson Jobim declarou que a decisão não teria efeitos
práticos, se baseando em posição do Supremo Tribunal Federal (STF), que
rejeitou ação pedindo a revisão da Lei da Anistia. Rosa Cardoso, também integrante da CNV, disse que espera uma revisão da decisão do Supremo.
Pressionada
pelos membros de comitês estaduais por mais agilidade e transparência, a
CNV anunciou também que deve divulgar um relatório parcial de seus
trabalhos e partes dos depoimentos colhidos por ela. A comissão está
sinalizando uma mudança de rumo. Está reorientando o trabalho porque
começa a perceber que é preciso que suas investigações repercutam agora
na sociedade. O trabalho dela é também pedagógico, não é simplesmente
fazer um relatório e dar a coisa por encerrada, avaliou o
vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, Marcelo Zelic,
presente ao evento.
A coordenadora do núcleo de lutas pela
terra da CNV, a psicanalista Maria Rita Kehl disse anteriormente ao
Estado de Minas que há casos em que é importante manter o sigilo das
investigações para que elas não sejam prejudicadas.
Demissão No
encontro, foi anunciada a saída do ministro do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), Gilson Dipp, da CNV, por motivo de saúde. Afastado do STJ
já há sete meses, ele havia informado a comissão há onze dias, mas a
decisão só foi confirmada publicamente ontem.
Um grupo de trabalho do Ministério Público Federal
chamado Justiça de Transição já trabalha de acordo com a linha
defendida pelo presidente da CNV e instaurou 170 investigações
criminais, sustentando que os crimes de sequestro, homicídio, tortura e
ocultação de cadáver não prescrevem. Pelo menos quatro delas deram
origem a ações penais. (Com agências)
Ustra é denunciado
O Ministério Público Federal
apresentou ontem denúncia contra o coronel reformado Carlos Alberto
Brilhante Ustra e o delegado aposentado Alcides Singillo por ocultação
do cadáver do estudante de medicina Hirohaki Torigoe, de 27 anos, morto
em janeiro de 1972, em São Paulo. Tarigoe era militante da Aliança
Libertadora Nacional (ALN) e do Movimento de Libertação Popular (Molipo)
e teria morrido em confronto com policiais, segundo consta a versão
oficial. No entanto, dois depoimentos, de André Tsutomu Ota e Francisco
Carlos de Andrade, contestam a informação. Ambos estavam presos no
DOI-Codi quando o estudante foi morto. (Estado de Minas)
Desaparecido
há 45 anos, o Relatório Figueiredo - um dos documentos mais importantes
produzidos pelo Estado brasileiro no último século - foi encontrado
recentemente no Museu do Índio, no Rio de Janeiro, com mais de 7 mil
páginas preservadas e contendo 29 dos 30 tomos originais. O texto
redigido pelo então procurador Jader de Figueiredo Correia traz
denúncias de caçadas humanas promovidas com metralhadoras e dinamites
atiradas de aviões, inoculações propositais de varíola em povoados
isolados e doações de açúcar misturado a esctricnina. Agora, o relatório
pode se tornar um trunfo para a Comissão da Verdade, que apura
violações de direitos humanos cometidas entre 1946 e 1988. As
informações foram publicadas no jornal Estado de Minas.
A investigação, feita em 1967, em plena ditadura, a
pedido do então ministro do Interior, Albuquerque Lima, tendo como base
comissões parlamentares de inquérito de 1962 e 1963 e denúncias
posteriores de deputados, foi o resultado de uma expedição que percorreu
mais de 16 mil quilômetros, entrevistou dezenas de agentes do SPI e
visitou mais de 130 postos indígenas. Jader de Figueiredo e sua equipe
constataram diversos crimes, propuseram a investigação de muitos mais
que lhes foram relatados pelos índios, se chocaram com a crueldade e
bestialidade de agentes públicos. Ao final, no entanto, o Brasil foi
privado da possibilidade de fazer justiça nos anos seguintes.
Albuquerque Lima chegou a recomendar a demissão de 33 pessoas do SPI e a
suspensão de 17, mas, posteriormente, muitas delas foram inocentadas
pela Justiça. Funcionários que haviam participado do trabalho foram
exonerados. Quem não foi demitido foi trocado de função, numa tentativa
de esconder o acontecido. Em 13 de dezembro do mesmo ano o governo
militar baixou o Ato Institucional nº 5, restringindo liberdades civis e
tornando o regime autoritário mais rígido.
O governo Arbenz
introduziu uma série de reformas que a inteligência americana considerou
como atribuídos aos comunistas e de influência soviética, como a apreensão e expropriação
de terras não utilizadas que corporações privadas retiradas há muito
tempo, e distribuição dessas terras para camponeses. Este foi o primeiro
golpe de estado promovido pela CIA na América latina.[1][2]
Isso fomentou o receio nos EUA de que a Guatemala se tornaria o que Allen Dulles chamou de "uma praia Soviética na América" (uma posição inimiga para a invasão). Esta situação criou um impacto na CIA e na administração Eisenhower durante a época do Macartismo. O Presidente Arbenz promulgou essencialmente uma reforma agrária que antagonizava a multinacional norte-americana United Fruit Company, com interesses oligarquicos e influências na Guatemala, através de "lobbyings" nos EUA.
A operação, que durou apenas a partir de finais de 1953-1954,
foi planejada para armar e treinar para um "exército de libertação"
assumir o país, com cerca de 400 rebeldes sob o comando de um oficial
exilado do exército guatemalteco o coronelCarlos Castillo Armas com uma coordenação ardil do complexo diplomático, económico e propaganda em grande parte experimental. A invasão foi precedida de um plano desde 1951,
chamado PBFORTUNE para financiar e fornecer armas e suprimentos para as
forças opostas ao presidente. Após a invasão a Operação PBHISTORY, a
fim de dedicar-se à recolha de documentos para incriminar o governo
Arbenz de fantoche comunista.
Ao longo das próximas quatro décadas após a derrubada de Arbenz, a
sucessão de governantes militares iria criar uma guerra de
contra-insurgência, que desestabilizou a sociedade guatemalteca. A
violência causou a morte e o desaparecimento de mais de 140.000
guatemaltecos, e alguns ativistas dos direitos humanos,
coloca o número de mortes tão elevado como 250.000. Em etapas
posteriores deste conflito a CIA tentou, com algum sucesso reduzir as
violações dos direitos humanos e parou um golpe em 1993 e ajudou a restaurar o regime democrático.
Mesmo em uma sociedade endurecida pela violência como a guatemalteca, os testemunhos das mulheres da etnia Ixil,
vítimas de violações em massa durante as incursões militares nas
comunidades camponesas, comoveram, nesta terça-feira, todo o país, em
uma nova sessão horripilante do julgamento do genocídio contra o
ex-ditador Efraín Ríos Montt. Por respeito à dignidade das vítimas, a juíza Jazmín Barrios, que preside o julgamento pelas
atrocidades cometidas entre 1982 e 1983, pediu à imprensa para não
revelar os nomes destas mulheres, que recordaram diante da justiça o
horror vivido há três décadas.
A reportagem é de José Elías e publicada no jornal espanhol El País, 02-04-2013. A tradução é do Cepat.
A
primeira a declarar narrou que tudo começou quando quatro soldados
bateram à porta da sua humilde casinha. Entraram à força quando
entreabriu a porta. “A primeira coisa que perguntaram foi se dávamos
comida aos guerrilheiros. Respondi que sequer os conhecia”, disse a
testemunha. “Na casa estava a minha filha, de 17 anos, e dois de seus
irmãos menores. Os soldados a desnudaram, abriram à força suas pernas e
começaram a violentá-la, na presença das crianças, que choravam de
medo”.
Com a voz estremecida, esta mulher relatou que, quando
quis ajudar sua filha, um dos soldados lhe deu uma coronhada na boca do
estômago e outra na cara. A força do golpe, acrescentou, a fez cair.
Perdeu um olho. Acrescentou que sua filha foi violentada pelos quatro na
cama do casal. A perguntas da defesa, acrescentou que não conseguiria
reconhecer os algozes, mas que tem a certeza de que eram soldados. Em
meio à agressão, as crianças puderam fugir e procurar refúgio nas
montanhas.
Outra testemunha disse que um grupo de soldados chegou
até sua casa em torno das 21h. Levaram-na a um lugar descampado, onde a
violentaram e a deixaram abandonada, nua. Acrescentou que nessa época
tinha um bebê de 30 dias, que morreu calcinado quando os militares
atearam fogo na sua casa. “Nem sequer pude enterrá-lo, porque a casa
estava em cinzas e eu estava com muito medo”, acrescentou.
Estes
fatos se repetiram contra a população camponesa em todas as zonas nas
quais o Exército suspeitava da existência de acampamentos guerrilheiros e
aplicava a doutrina da terra arrasada. As violações, segundo o
relatório Recuperação da Memória Histórica (Remhi), da Conferência Episcopal Guatemalteca,
“incluem a morte. Foram utilizadas como instrumento de tortura a
escravidão sexual, com a violação reiterada da vítima”. As estatísticas
assinalam que os casos de violência sexual contra mulheres se deram em
um de cada seis casos nos massacres perpetrados pelos soldados ou pelos
paramilitares Patrulhas de Autodefesa Civil (PAC), voluntários utilizados como espiões e delatores de seus vizinhos.
Embora
existam denúncias documentadas de 149 vítimas, acredita-se que houve
bem mais, dados fatores como os sentimentos de culpa e de vergonha que
acompanham estes crimes. Uma das mulheres que testemunharam pediu à
juíza Jasmán Barrios que sua identidade não fosse revelada, porque nem sua família nem seu atual esposo sabiam que havia sido violentada.
Os testemunhos, muitos deles já recolhidos no relatório da Comissão de Esclarecimento Histórico, patrocinada pela ONU, ou no Remhi do bispo Juan Gerardi,
adquirem uma nova dimensão quando cobram vida em mulheres que agora
estão entre os 50 e os 60 anos, mas que naquela época eram apenas
adolescentes.
“Se tens marido, então entre cinco e dez soldados
te violentam. Se és solteira, então são 15 ou 20”, disse uma. “Meu tio
ia por um caminho com sua filha e uma neta quando se depararam com uma
patrulha militar. Conseguiram pegar as mulheres. A menina, de sete anos,
a mataram, porque foram muitos os soldados que passaram sobre ela”.
Os
requintes de crueldade deixam, literalmente, os cabelos em pé. “Alguns
soldados estavam com sífilis ou gonorreia. A ordem foi que estes
ficariam por último, quando os saudáveis já haviam violentado a vítima”.
A isto é preciso acrescentar as gravidezes não desejadas. Todos os
testemunhos concordam em assinalar os autores como membros do Exército
ou das PAC.
A denúncia do ex-deputado paulista Afanasio Jazadji sobre
irregularidades cometidas por Roberto Marinho durante o regime militar,
encaminhada inicialmente a Presidência da República, já foi recebida
pela Comissão Nacional da Verdade.
O requerimento do ex-parlamentar foi acompanhado de diversos anexos,
inclusive o depoimento do ex-deputado Carlos Araújo, ex-marido da
presidente Dilma Rousseff, que sugeriu à Comissão da Verdade que
apurasse também os atos praticados por empresários que apoiaram a
ditadura e por ela foram beneficiados.
(...)
Quando o chamado ciclo militar da Revolução de 1964 estava realmente
chegando ao fim, devido à convocação da eleição indireta para eleger o
primeiro presidente civil em 15 de janeiro de 1985, o jornalista
Roberto Marinho, dono das Organizações Globo, fez questão de publicar um
revelador editorial de página inteira em seu jornal O Globo, do Rio de
Janeiro, enaltecendo o regime militar e fazendo uma clara advertência
àqueles que participavam do histórico movimento pela redemocratização do
Brasil, como se fosse possível uma recaída ditatorial.
É claro esse apoio à ditadura e essa deliberada omissão em sua
atividade jornalística renderam grandes benefícios a Roberto Marinho, em
especial, a transferência ilegal da concessão do canal 5 de São Paulo
(TV Paulista), obtida por ele mediante crimes societários até
confessados em juízo pelos próprios advogados da TV Globo, quando já
estavam prescritos, é claro.
Depois de 12 anos de funcionamento irregular, de 1965 a 1977, com a
concessão ainda em nome dos legítimos controladores da TV Paulista, as
autoridades do regime militar fecharam os olhos e aceitaram como legal
uma Assembleia Geral Extraordinária totalmente irregular, presidida pelo
próprio Roberto Marinho e com o claro objetivo de excluir da sociedade
os seus 673 acionistas fundadores, como registrado em ata fraudada, mas
aceita pelo regime militar como boa, normal. [íntegra aqui]
‘Festa’ de marujos com direito a apoio às Reformas de Base, em 25 de
março de 1964, teria contribuído para a deposição do presidente João
Goulart, dias depois
Anderson da Silva Almeida
Correio da Manhã de 27 de Março de 1964
Era dia 25 de março de 1964. Reunidos no Sindicato dos Metalúrgicos
da Guanabara, mais de 1,5 mil marinheiros e fuzileiros navais pretendiam
comemorar os dois anos da fundação de sua Associação. Mas o clima não
era agradável. Um dia antes, os jornais já noticiavam que parte da
diretoria seria presa em virtude de terem se manifestado contra o
ministro da Marinha, almirante Sylvio Motta, na semana anterior. Entre
os dirigentes procurados, estavam o marinheiro José Anselmo dos Santos –
presidente da Associação; o cabo Marcos Antônio da Silva Lima –
vice-presidente; e o também marinheiro Antônio Duarte dos Santos –
presidente do Conselho Deliberativo. Entre os que já estavam presos, o
segundo vice-presidente Avelino Capitani e José Duarte dos Santos, que
no período após o golpe de 1º de abril de 1964, iriam se tornar importantes quadros da esquerda armada no Brasil.
Naquele dia de março, já havia se passado 54 anos da Revolta da
Chibata; e os marinheiros brasileiros não sofriam mais castigos
corporais de seus superiores.
O nível de escolaridade havia melhorado,
as formas de admissão já não eram tão desastrosas e a Marinha de Guerra
continuava o processo de profissionalização de seu pessoal. Em 1960,
cinco Escolas de Aprendizes-Marinheiros, situadas nos estados de
Pernambuco, Ceará, Bahia, Santa Catarina e Espírito Santo funcionavam
como núcleos de formação dos marinheiros brasileiros. Outros, não
oriundos destas escolas, ingressavam através do recrutamento ou como
soldados Fuzileiros Navais, recebendo formação em diferentes centros
espalhados pelo país, sendo o Rio de Janeiro o principal deles. No
entanto, novos problemas que envolviam a questão da cidadania dos
marujos surgiram e, mais uma vez, como na canção de João Bosco e Aldir
Blanc, “o Dragão do Mar reapareceu”! [Sobre a Revolta de 1910, ver RHBN,
edições 9, 44 e 53].
Cabo Anselmo
O “cabo” Anselmo – que na realidade tinha a graduação de marinheiro -,
por exemplo, foi preso após o golpe de 1964, depois de ter deixado o
asilo na embaixada mexicana. Em 1966, conseguiu fugir da prisão com a
ajuda de militantes da esquerda armada e foi enviado a Cuba para
treinamento guerrilheiro. Ao regressar ao Brasil no ano de 1970, passou a
agir como agente duplo e levou dezenas de militantes para a morte,
inclusive sua companheira, a paraguaia Soledad Barret Viedma, que estava
grávida.
As questões disciplinares foram alguns dos aspectos que contribuíram
para exaltar os ânimos e consolidou a posição do alto escalão da Marinha
de não reconhecer a entidade que representava a base da pirâmide
hierárquica da instituição. Desde a fundação a Associação de Marinheiros
e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB), em 25 de março de 1962, seus
dirigentes tentavam o reconhecimento oficial da Marinha, o que
possibilitaria, entre outras coisas, que as mensalidades dos sócios
fossem descontadas diretamente no contracheque dos associados. Em
virtude da conjuntura política brasileira, cujos ânimos acirraram-se
pelo menos desde a renúncia do presidente Jânio Quadros em 25 de agosto
de 1961, o ambiente nos quartéis também foi contaminado. A aparição dos
marujos na cena política - em eventos de sindicatos, em apoio a
sargentos eleitos para cargos políticos e em manifestações em prol de
João Goulart - não era aceita pela Marinha, pois só os almirantes tinham
o monopólio da palavra e podiam expressar suas opiniões de caráter
político.
No espaço interno, a AMFNB cresceu assustadoramente e em pouco menos de
dois anos já contava com cerca de 15 mil sócios. Seus dirigentes
organizaram serviços de atendimentos médicos para as companheiras -
visto que não podiam casar oficialmente e suas esposas não eram
reconhecidas pela Marinha como tais; criaram o jornal A Tribuna do Mar;
conseguiram um programa na importante Rádio Mayrink Veiga; obtiveram o
reconhecimento de utilidade pública estadual; firmaram convênios com o
ministério da Educação para aquisição de material didático; articularam
apoio e passaram a utilizar espaços cedidos pela União Nacional dos
Estudantes (UNE) e pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Na
mesma proporção do prestígio, as reivindicações frente à Marinha também
foram ampliadas. Passaram a requerer melhorias nas condições de vida a
bordo dos navios e quartéis, incluindo alimentação e alojamentos;
direito de andar à paisana em suas folgas; autorização para estudar e
casar; reformas no plano de carreira e conquista da estabilidade aos dez
anos de profissão. Em relação aos aspectos políticos reivindicavam o
direito de votar para cargos políticos. Queriam, sem dúvida, ser
considerados cidadãos.
No dia da assembleia comemorativa, ou dia da festa, uma presença chamou
a atenção da imprensa: João Cândido Felisberto. Importante liderança
dos marujos revoltosos de 1910, João Cândido foi descoberto pelos
marujos de 1964 morando em condições precárias na região de São João de
Meriti, no Rio de Janeiro, e passou a ser tratado como herói pelos
membros da AMFNB, inclusive recebendo uma ajuda mensal da instituição.
Em 25 de março de 1964, João Cândido foi o convidado de honra. Também
estiveram presentes no encontro o deputado Max da Costa Santos –
representando o presidente da República; os membros do Comando Geral dos
Trabalhadores (CGT) Hércules Corrêa e Dante Pelacani; o deputado
sargento Garcia Filho e representantes da União Nacional dos Estudantes
(UNE).
Apoio às reformas de base
O fato de parte da diretoria estar presa ajudou a acirrar ainda mais os
ânimos dos presentes. O presidente da Associação, José Anselmo,
destacou em seu longo discurso o apoio às Reformas de Base do governo
Jango. O cabo Cláudio Ribeiro propôs que os marinheiros se apresentassem
presos e ficassem nessa condição até que seus companheiros fossem
soltos e a AMFNB reconhecida pela Marinha. A proposta foi aceita e a
festa ganhou ares de rebelião. Após intervenção do marinheiro Otacílio,
decidiram permanecer no sindicato, pois a maioria morava nos navios e
não teria onde ficar com segurança.
Ao tomar conhecimento da decisão dos marinheiros, o ministro da Marinha
decretou Regime de Prontidão Rigorosa, situação na qual todos os
militares deveriam se apresentar em suas Organizações Militares. Como
não foi atendido, determinou ao almirante Cândido da Costa Aragão,
Comandante-Geral do Corpo de Fuzileiros Navais, que enviasse uma tropa
para prender os rebelados. Aragão não conseguiu cumprir a ordem, pediu
exoneração e foi seguido pelo também almirante fuzileiro Washington
Frazão Braga. Assumiu a missão Luís Phelippe Sinay que se dirigiu com
cerca de 90 fuzileiros navais para a sede do sindicato na manhã do dia
26. Para a surpresa de todos, ao ouvir apelos dos colegas
“entrincheirados” que emocionados cantaram o Hino Nacional Brasileiro,
parte da tropa arriou suas metralhadoras na calçada e aderiu ao
movimento rebelde.
Lá dentro, explosão de euforia, lágrimas e abraços. A
essa altura, populares e familiares ofereciam apoio moral e material
aos rebeldes, cedendo comida, cigarros e jornais, que naquele dia já
noticiavam: “Marinheiros realizam sua reunião e quarenta vão ser presos” (Jornal do Brasil, 26/03/1964, capa e p. 05); “Marinheiros e Fuzileiros realizam reunião agitada”
(Correio da Manhã, 26/03/1964, p.02); “Marinheiros e fuzileiros vão se
apresentar presos se não forem libertados seus colegas” (O Globo,
26/03/1964, p.11).
Após a adesão dos fuzileiros, o ministro Motta pediu ajuda do Exército,
recebendo apoio de nove caminhões e 12 tanques de guerra para cercar
todo o quarteirão da Rua Ana Nery. Com o risco da invasão e a
possibilidade de mortes iminente, Jango resolveu voltar de sua folga no
Rio Grande do Sul e assumir as negociações. Na manhã do dia 27, mais um
episódio causaria comoção geral na marujada. O marinheiro Alcides chegou
todo molhado e informou que colegas tinham sido atingidos por tiros no
Arsenal de Marinha da Praça Mauá, quando tentavam se dirigir ao
sindicato. À tarde Jango tomou a decisão de substituir o ministro Sylvio
Motta pelo almirante da reserva Paulo Mário da Cunha Rodrigues. Os
marujos comemoraram em liberdade, chegando a erguer nos ombros o
almirante Aragão em agradecimento por sua recusa em reprimir
violentamente o movimento. Tentando apaziguar os ânimos, o novo
ministro, com o aval de Jango, optou por não punir os rebeldes, alegando
que “teria que começar pelos almirantes”.
A “anistia” dada aos marujos levou militares indecisos, a grande
imprensa e setores da sociedade a pregar abertamente o golpe contra João
Goulart. Os marinheiros e fuzileiros que criaram, organizaram e
consolidaram a Associação teriam que conviver durante muitos anos com o
estigma de provocadores do Golpe ludibriados por um suposto agente
infiltrado na AMFNB, que seria ninguém menos que o presidente José
Anselmo, vulgo “cabo” Anselmo. Vários marinheiros que se destacaram como
lideranças no período, foram expulsos e condenados a vários anos de
prisão. Outros, que tiveram atuações destacadas nas organizações das
esquerdas armada, a exemplo de Avelino Capitani, Marcos Antônio da Silva
Lima, Cláudio de Souza Ribeiro e José Raimundo da Costa, tiveram suas
trajetórias silenciadas e apagadas da história recente do Brasil.
Anderson da Silva Almeida é autor de Todo o leme a bombordo – marinheiros e ditadura civil-militar no Brasil: da Rebelião de 1964 à Anistia. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2012. prêmio Memórias Reveladas, 2010.
Comissão Nacional da Verdade vai convocar para depor coronéis Ustra e
Curió. Ambos são acusados de terem sido mandantes de crimes de tortura
durante a ditadura civil-militar
Aline Salgado
Especial Guerrilheiros -
Com o poder de convocar quem achar necessário para depor, delegado pela
própria Presidente da República, a Comissão Nacional da Verdade prevê
chamar para depor os dois principais militares que dirigiram a caça aos
opositores políticos durante o Regime Militar. Hoje coronéis da reserva,
Carlos Alberto Brilhante Ustra e Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o
Major Curió, são apontados como mandantes de assassinatos e crimes de
tortura durante a ditadura civil-militar.
Psicanalista e membro da Comissão Nacional da Verdade (CNV), Maria Rita
Kehl esclarece que se os militares convocados não comparecerem à
chamada, serão processados por crime de desobediência. "Até agora,
ninguém se recusou a depor na comissão, mas também, até agora, não
chegamos no Major Curió e no Ustra. Não testamos o nosso poder até às
últimas consequências", afirma Kehl, que faz questão de destacar que a
comissão não "trará ninguém amarrado para depor".
Para familiares dos desaparecidos políticos e integrantes do Grupo de
Trabalho do Araguaia (GTA), que procura as ossadas dos guerrilheiros em
meio à Floresta Amazônica, os depoimentos dos coronéis da reserva
poderiam ajudar a revelar onde foram enterrados ou depositados os restos
mortais dos militantes políticos.
"Seria formidável que um novo pacto civilizatório fosse fechado e que
esses militares da reserva viessem à Comissão Nacional da Verdade e à
Justiça Federal e dessem suas posições. É o mínimo que esperamos",
afirma Gilles Gomes, coordenador-Geral da Comissão Especial sobre Mortos
e Desaparecidos Políticos da Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência da República.
Já
a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) quer mais. Busca a punição
daqueles que são apontados como principais torturadores do regime. "A
Justiça de Transição, do regime de exceção para o regime democrático,
está estruturada sobre três requisitos: reparação às vítimas; direito à
memória e à verdade; e punição aos agentes de Estado que cometeram
crimes contra a humanidade. O Brasil cumpriu com a indenização, por meio
da Comissão da Anistia; está cumprindo com a memória e verdade por meio
da Comissão da Verdade; mas ainda não cumpriu e nem cumpre com a
punição ao agentes de estado que violaram os direitos humanos. É preciso
punir e exigir que eles revelem onde estão dos corpos dos
desaparecidos", avalia Cezar Britto, presidente da Comissão Especial da
Verdade do Conselho Federal da OAB.
Para garantir que o país cumpra com todos os requisitos da chamada
Justiça de Transição, a Ordem acionou o Supremo Tribunal Federal (STF)
com um embargo de declaração, pedindo a revisão do posicionamento da
Corte que absolveu os militares, considerando-os anistiados pela Lei de
79. Em outra palavras, por meio da ação, a OAB provocou a Corte
brasileira para que ela se manifeste sobre os efeitos do Acórdão da
Corte Interamericana de Direitos Humanos, que entendeu que as leis de
autoanistia, com o caso da Lei de 79, são inconstitucionais.
"A Constituição diz que o crime de tortura não pode ser anistiado.
Sendo assim, acreditamos que o Estado está sendo omisso ao não cumprir
com o dever de punição. Mesmo absolvendo os torturadores por
considerarem que estavam anistiados pela Lei de 79 [a Lei da Anistia],
acreditamos que o Supremo não pode se abster depois do posicionamento da
Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condenou o Estado
brasileiro pelos crimes de tortura e desaparecimento forçado de
opositores do regime", diz Cezar Britto.
Assessor jurídico da OAB Nacional, Oswaldo Ribeiro, aponta para uma
outra falha no argumento dos ministros do Supremo que anistiaram os
militares. "O Supremo considerou que os crimes estavam prescritos, mas o
desaparecimento forçado de pessoas e a ocultação de cadáver são crimes,
cuja prescrição só inicia quando identificada a vítima, o que ainda não
aconteceu. Por isso, nesse quesito, eles não estariam acobertados pela
prescrição", explica Oswaldo, que esteve em audiência com o relator da
ação, ministro Luiz Fux, e pediu preferência na apreciação da matéria.
Ainda não há previsão de quando o STF vai julgar o embargo de declaração
da OAB.
Um presidente deposto e outro conduzido ao poder por homens armados
marcam o início da Revolução ‘Democrática’ de 1964. Entenda os eventos
que levaram à instauração da ditadura civil-militar no Brasil
João Roberto Martins Filho
Tropas mineiras se deslocam em Brasília em 4 de abril de 1964.
No mesmo
dia, Jango fugiu para o exílio /
Imagem: Arquivo Nacional
No dia 27 de março de 1964, o governador da Guanabara, Carlos Lacerda
(1914-1977), mandou a família para a casa de amigos e resolveu dormir no
Palácio Guanabara. Apelidado de “O Corvo”, por seu nariz adunco e sua
participação na crise que levou ao suicídio de Getulio em agosto de
1954, o conspirador via chegada a hora do acerto de contas com seus
inimigos políticos. Em sua avaliação, a situação do país tinha atingido o
ponto de não retorno. O sinal verde para o golpe abriu-se com a Revolta
dos Marinheiros e o discurso radical do presidente João Goulart no
Automóvel Clube, no dia 30 de março, para um público de sargentos e
suboficiais.
A radicalização de Goulart dava ares de verdade à mensagem de que ele
se rendia ao comunismo. No começo de março, com a adesão do sempre
cauteloso general Castello Branco ao movimento, a relação de forças no
seio das Forças Armadas começara a pender a favor do golpe. Mas ainda
pairava no ar o fantasma de um confronto com o “dispositivo militar” do
presidente, comandado pelo chefe da Casa Militar, general Assis Brasil.
Chegou-se a uma situação na qual o que contava era a capacidade de cada
lado de arregimentar legiões.
Respeitado no Exército, Castello Branco sabia que, sem o apoio da
maioria dos oficiais, o movimento anti-Goulart fracassaria. No campo
civil, as “Marchas da Família com Deus pela Liberdade” tinham feito seu
papel, permitindo dizer que o povo brasileiro chamava as Forças Armadas
para salvar o país do comunismo.
Na manhã de 31 de março, o general recebeu com irritação a notícia de
que a ala mineira da rebelião resolvera precipitar os acontecimentos.
Carlos Luiz Guedes, comandante da Infantaria Divisionária 4, e Olympio
Mourão Filho, chefe da 4ª Divisão de Infantaria, de Juiz de Fora, agiam
em acordo com o governador Magalhães Pinto. Por volta das 7 horas da
manhã do dia 31 de março, o general Castello Branco ligou para Magalhães
pedindo que convencesse Mourão a não deslocar seus homens para o Rio de
Janeiro. Não obteve sucesso. Batizada de “Coluna Tiradentes”, a tropa
saiu de Juiz de Fora à tarde, sob o comando do general Antonio Carlos
Muricy, atingindo a divisa com o Rio de Janeiro no final do dia.
Na ex-capital do país, o chefe da Casa Militar do governador, coronel
Fontenelle, mandou bloquear as ruas de acesso ao palácio com caminhões
de lixo, temendo um ataque de tropas legalistas. Na Praia de Botafogo,
vista como alvo provável de um desembarque de fuzileiros navais
comandados pelo almirante Aragão, inimigo público e visceral de Lacerda e
partidário de Goulart, Fontenelle mandou colocar tonéis de petróleo
vazios.
Atraída pelos rumores, uma pequena multidão se concentrou nos arredores
do Palácio Guanabara. Sarcasticamente, o próprio Lacerda descreveu anos
depois a movimentação: “Então apareciam no Guanabara uns velhinhos, uns
almirantes reformados, uns generais reformadíssimos, que saíam de casa
com a sua pistolinha! Mas apareceu também uma rapaziada enorme, gente
para todo lado, gente que ficava nas esquinas atrás de colunas”.
Surgiram boatos de que o Corpo de Fuzileiros Navais estaria se
deslocando da Ilha do Governador para atacar Lacerda. As linhas
telefônicas do Palácio foram cortadas, com exceção de uma, graças à qual
Lacerda conseguiu se comunicar com o governador Ademar de Barros, em
São Paulo, e com a UnitedPress, no exterior. O governador de Pernambuco,
Miguel Arraes, pronunciou-se em defesa do regime constitucional. No
Paraná, seu colega Nei Braga anunciou apoio ao golpe.
No histórico prédio do Ministério da Guerra, no Rio, em seu gabinete da
Chefia do Estado-Maior do Exército, o general Castello Branco
acompanhava o desenrolar dos fatos. Caberia a ele neutralizar qualquer
movimento de tropas a partir do Rio de Janeiro ou de Petrópolis para
enfrentar a coluna de Mourão. Em telefonema a Lacerda, Castello procurou
explicar que a questão agora era militar: São Paulo, o Nordeste e o Rio
Grande do Sul precisavam se definir. Feito isso, as tropas paulistas e
mineiras marchariam em diversas colunas para o Rio de Janeiro. Em nenhum
outro lugar os acontecimentos foram tão decisivos.
Em São Paulo, às 22 horas, Ademar de Barros declarou apoio ao golpe.
Uma hora depois, o general Amaury Kruel, chefe do II Exército, com sede
na capital paulista, aderiu ao movimento, após tentar convencer Goulart a
demitir ministros “comunistas”. Às 2 horas da manhã, Ademar foi de novo
à televisão anunciar que as tropas do general Kruel seguiam pela Via
Dutra rumo ao Rio de Janeiro, para se reunir à “Coluna Tiradentes”.
Entre os paisanos, os governadores de Goiás, Mato Grosso e dos estados
do Sul tinham declarado apoio ao golpe.
Como disse depois o general Cordeiro de Farias, “o Exército dormiu
janguista no dia 31 e acordou revolucionário no dia 1º”. A coluna de
Minas Gerais defrontou-se, na altura do Rio Paraibuna, com o batalhão de
Petrópolis, chefiado por um tenente-coronel de nome Kerensky. Os
tenentes de Mourão conversaram diretamente com seus camaradas vindos do
estado da Guanabara, conseguindo sua adesão. Às 3h30, o marechal Odílio
Denys, ex-ministro da Guerra, visitou a coluna e logrou, por telefone,
convencer o coronel comandante do Regimento Sampaio a alinhar-se às
legiões em revolta.
Gradualmente, a hipótese de confronto militar se extinguia. Às 7 horas,
Mourão e seus comandados puseram-se de novo em movimento. Alguns
oficiais da Força Aérea levantaram voo de Pirassununga (SP) com o
objetivo de atacar as colunas golpistas, mas não receberam ordens para
disparar. Também na Força Aérea, o esforço miúdo de doutrinação do
pré-golpe mostrava resultados. Às 12 horas, o Regimento de Artilharia de
Costa, ao lado do Forte de Copacabana, foi neutralizado pelo impulsivo
general Montagna, que ultrapassou a assustada sentinela dando-lhe um
empurrão. Do Recife, o general Justino Alves Bastos, comandante do IV
Exército, anunciou seu apoio. Ações isoladas dos fuzileiros navais do
almirante Aragão não conseguiram virar o jogo militar. O “almirante
vermelho” acabou preso.
Jango resolveu deixar o Rio de Janeiro pouco antes das 13 horas,
embarcando para Brasília. O ministro da Justiça, Abelardo Jurema, foi
detido no Aeroporto Santos Dumont e levado para a Escola de Comando e
Estado Maior do Exército, na Urca, um dos centros nervosos do movimento.
No Recife, às 20 horas, tropas do Exército prenderam o governador
Miguel Arraes, conduzido a um quartel, de onde seria transferido, no dia
2, para Fernando de Noronha.
Reunidos na Cinelândia, manifestantes pró-Goulart tentaram invadir o
Clube Militar, mas foram rechaçados a tiros. Instigados ao vivo pelo
apresentador de rádio e de TV Flávio Cavalcanti, bandos anticomunistas
atearam fogo à sede da União Nacional dos Estudantes, a UNE, na Praia do
Flamengo. Em toda a cidade, tropas policiais e militares começaram a
prender líderes políticos ligados a Goulart. A Faculdade Nacional de
Filosofia foi atacada a tiros de metralhadora.
No Centro da cidade, uma
reunião de emergência convocada pelo Comando Geral dos Trabalhadores foi
dissolvida, com prisões de alguns líderes importantes. O jornal Última Hora,
de Samuel Wainer, foi empastelado. Às 17 horas, oficiais da Marinha
conseguiram tomar o prédio de seu ministério. Houve violentos conflitos
entre manifestantes e soldados nas ruas da ex-capital, com mortos e
feridos.
Às 23h30, Goulart voou para Porto Alegre, onde esperava resistir com
apoio do Exército. De madrugada, com o Congresso Nacional cercado por
tropas militares e sob protesto de um grupo de parlamentares, seu
presidente, o senador Auro de Moura Andrade, declarou a vacância da
Presidência, embora o presidente ainda estivesse em território nacional.
Às 11h45 do dia 2 de abril, ele fugiu para São Borja, dali rumando para
uma fazenda no Uruguai.
Por alguns dias, para dar uma aparência de legalidade ao golpe, a
Presidência da República passou a ser ocupada pelo presidente da Câmara
dos Deputados, Ranieri Mazzilli. Conduzido ao Planalto “em um carro
literalmente coberto por homens armados”, como relatou o terceiro
secretário da Embaixada Americana em Brasília, Robert Bentley, Mazzilli
tomou o poder na calada da noite. Ainda no dia 2, os Estados Unidos
reconheceram o novo regime. Começava o período da oficialmente chamada
Revolução Democrática de 1964.
João Roberto Martins Filho é professor da Universidade Federal de São Carlos e organizador de O golpe de 1964 e o regime militar: novas perspectivas (Edufscar, 2006).