Fonte: Unisinos
No auge da Operação Condor,
acordo feito no final de 1975 entre militares da América do Sul para
combater opositores, a Argentina manteve bases em São Paulo e no Rio de
Janeiro compostas por membros de suas corporações cujo objetivo era
"detectar pessoas vinculadas à "subversão", controlá-las e manterem-se
informados sobre todos seus movimentos".
A reportagem é de Rubens
Valente e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 6-01-2008.
Os militares baseados no Brasil estavam vinculados ao Batalhão de
Inteligência 601, centro militar de interrogatórios e torturas
localizado nos arredores de Buenos Aires.
As revelações constam de um processo judicial aberto a pedido do
Ministério Público argentino e que culminou, no último dia 18, na
condenação de sete militares e um policial, incluindo o general Cristino Nicolaides, 83, ex-comandante do Exército e membro da quarta junta militar que governou o país em 1982 e 1983. Nicolaides, condenado a cinco anos de reclusão, cumpre prisão domiciliar em Córdoba.
A íntegra da decisão de 303 páginas, obtida pela testemunha do processo e ativista Jair Krischke, presidente do Movimento Nacional de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul, traz o depoimento prestado em 1984 pelo carcereiro Néstor Norberto Cendon, que cumpriu tarefas no batalhão 601.
Segundo a sentença, Cendon relatou que as bases dos argentinos no
Brasil tinham como prioridade os montoneros, maior grupo guerrilheiro
argentino, que a partir de 1978 iniciou a "segunda contra-ofensiva", um
plano que previa o retorno à Argentina dos guerrilheiros que viviam no
exterior para um fracassado embate final com a ditadura. A ordem dos
militares era interceptar os guerrilheiros em território estrangeiro ou
deixar a Argentina preparada para o regresso.
Pelo menos 20 montoneros morreram em 1980 - quatro foram presos no
Brasil e, entregues à Argentina, desapareceram. Dois se mataram ao serem
abordados por uma lancha policial quando tentavam cruzar de barco o Rio
Paraná.
De acordo com a sentença dada pelo juiz Ariel Lijo,
do 4º Juizado Nacional Criminal e Correcional Federal, Cendón afirmou em
agosto de 1984 à comissão montada pelo governo argentino para apurar
desaparecimentos que "o serviço de inteligência do Exército contava com
bases no Paraguai, Bolívia, Peru, Brasil e Uruguai. A mais conhecida era
a do Brasil, com sede em São Paulo e Rio de Janeiro. Em Paso de Los
Libres também, já que bastava cruzar a ponte para se estar em Uruguaiana
[no Brasil]".
Segundo a decisão judicial, Cendon disse que as bases do Brasil eram
ocupadas por quatro oficiais e dois civis ligados à inteligência do
Exército, citados nominalmente e por apelido. "A raiz dos trabalhos
realizados por esses grupos se referia a muitos integrantes dos TEIs (Tropas Especiais de Infantaria) e TEAs
(Tropas Especiais de Agitação), que, segundo as informações do depoente
[Cendon], foram treinados na Líbia, os TEIs, e em Cuba, os TEAs". Os
grupos eram braços operacionais dos montoneros.
Em seu relato, Cendon disse que a operação militar anti-montonera
levou o nome de "Morcego" e incluía as bases brasileiras. "Toda a
operação Morcego foi desenvolvida a partir de meados de 1978. Era
evidente, segundo disse o depoente [Cendon], a colaboração prestada
pelos serviços de informações inteligência dos países em que eles
estabeleceram as Bases", diz a sentença.
Um participante TEI era Horacio Campiglia, que em 1980 foi preso no aeroporto do Galeão, no Rio, junto com a guerrilheira Monica Binstock. Ambos estão desaparecidos. O caso de Campiglia,
que tinha também cidadania italiana, é investigado pela Justiça da
Itália. No último dia 24 a Itália decretou a prisão de 140 supostos
envolvidos com a Condor, incluindo onze brasileiros.
Para ler mais:
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