quarta-feira, 18 de abril de 2012

Caso Wernich: "A Igreja e o Exército estavam decididos a transformar a Argentina laica numa nação católica"

Fonte:Unisinos

A condenação à prisão perpétua do padre argentino Christian Von Wernich - por 7 homicídios, 31 casos de tortura e 42 seqüestros durante a ditadura de 1976-83 - revela a conivência da Igreja Católica com o antigo regime militar do país, afirmou Loris Zanatta, historiador italiano da Universidade de Bologna e especialista nas relações entre Exército e Igreja na Argentina. `Tanto a Igreja quanto o Exército estavam decididos a transformar a Argentina laica numa nação católica`, disse Zanatta ao Estado de S. Paulo, 12-10-2007. A seguir, trechos da entrevista:


Como o sr. descreveria a relação entre o Exército, a Igreja Católica e os católicos de maneira geral na Argentina?
Na história argentina, o Exército foi um canal privilegiado de `catolização` do Estado. Desde então, o Exército e a Igreja não somente mantiveram uma estreita aliança doutrinária e institucional, como também reivindicaram e exerceram uma espécie de `monopólio da identidade nacional`, intervindo contra todas as forças que, segundo seu sistema de valores, a desafiavam.


Nesse contexto, qual é o significado da condenação de Christian Von Wernich para a Igreja Católica argentina?
A condenação de Von Wernich tem um valor essencialmente simbólico, no sentido de que revela os excessos horrendos cometidos pelos mais fanáticos defensores da pretensão de exercer o monopólio da identidade nacional e da legitimidade política. E revela também a responsabilidade eclesiástica no espiral de autoritarismo em que caiu a sociedade argentina no final do século 20.


O sr. acredita que a cúpula da Igreja conhecia as atividades do capelão?
Não é possível ter certeza, mas posso supor, a partir de minha experiência, que o corpo de capelães militares sabia ou estava em condições de imaginar o que fazia e dizia Von Wernich. Está muito claro que esse capelão devia ter um perfil criminal especialmente odioso.


Em sua reação à condenação, o episcopado argentino pediu `perdão`. Como o sr. analisa essa declaração? Vê algum tipo de cinismo?
Acho que, efetivamente, uma parte da nova geração eclesiástica que chegou ao episcopado recentemente assumiu as responsabilidades que cabem à instituição. Provavelmente isso não é o suficiente e traços da antiga cultura continuam em vários ambientes da Igreja. Ainda assim, não podemos esquecer que a instrumentalização da mensagem religiosa para fins políticos e ideológicos foi naquela época muito difundida, e até os Montoneros (grupo guerrilheiro esquerdista argentino) tinham capelães que benziam suas armas. Digamos que, colocado o catolicismo no centro da nacionalidade, seu ideário e missão terminaram por incorporar e transformar em lutas religiosas todos os conflitos que atravessavam uma sociedade profundamente dividida.

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