Fonte:Unisinos
A condenação à prisão perpétua do padre argentino Christian Von Wernich
- por 7 homicídios, 31 casos de tortura e 42 seqüestros durante a
ditadura de 1976-83 - revela a conivência da Igreja Católica com o
antigo regime militar do país, afirmou Loris Zanatta,
historiador italiano da Universidade de Bologna e especialista nas
relações entre Exército e Igreja na Argentina. `Tanto a Igreja quanto o
Exército estavam decididos a transformar a Argentina laica numa nação
católica`, disse Zanatta ao Estado de S. Paulo, 12-10-2007. A seguir, trechos da entrevista:
Como o sr. descreveria a relação entre o Exército, a Igreja Católica e os católicos de maneira geral na Argentina?
Na história argentina, o Exército foi um canal privilegiado de
`catolização` do Estado. Desde então, o Exército e a Igreja não somente
mantiveram uma estreita aliança doutrinária e institucional, como também
reivindicaram e exerceram uma espécie de `monopólio da identidade
nacional`, intervindo contra todas as forças que, segundo seu sistema de
valores, a desafiavam.
Nesse contexto, qual é o significado da condenação de Christian Von Wernich para a Igreja Católica argentina?
A condenação de Von Wernich tem um valor
essencialmente simbólico, no sentido de que revela os excessos horrendos
cometidos pelos mais fanáticos defensores da pretensão de exercer o
monopólio da identidade nacional e da legitimidade política. E revela
também a responsabilidade eclesiástica no espiral de autoritarismo em
que caiu a sociedade argentina no final do século 20.
O sr. acredita que a cúpula da Igreja conhecia as atividades do capelão?
Não é possível ter certeza, mas posso supor, a partir de minha
experiência, que o corpo de capelães militares sabia ou estava em
condições de imaginar o que fazia e dizia Von Wernich. Está muito claro que esse capelão devia ter um perfil criminal especialmente odioso.
Em sua reação à condenação, o episcopado argentino pediu `perdão`. Como o sr. analisa essa declaração? Vê algum tipo de cinismo?
Acho que, efetivamente, uma parte da nova geração eclesiástica que
chegou ao episcopado recentemente assumiu as responsabilidades que cabem
à instituição. Provavelmente isso não é o suficiente e traços da antiga
cultura continuam em vários ambientes da Igreja. Ainda assim, não
podemos esquecer que a instrumentalização da mensagem religiosa para
fins políticos e ideológicos foi naquela época muito difundida, e até os
Montoneros (grupo guerrilheiro esquerdista argentino) tinham
capelães que benziam suas armas. Digamos que, colocado o catolicismo no
centro da nacionalidade, seu ideário e missão terminaram por incorporar e
transformar em lutas religiosas todos os conflitos que atravessavam uma
sociedade profundamente dividida.
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