quarta-feira, 18 de abril de 2012

Lei de Anistia divide entusiastas da comissão

Quarta, 28 de março de 2012

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/507950-leideanistia-divideentusiastasdacomissao


Dois entusiastas da Comissão Nacional da Verdade - cujos trabalhos só dependem da indicação de seus sete integrantes pela presidente Dilma Rousseff para serem iniciados - o ex-secretário nacional dos Direitos Humanos e ex-ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso José Gregori e o diretor do International Center for Transitional Justice (ICTJ), o peruano Eduardo González Cueva, discordam radicalmente quando o assunto é o alcance da Lei de Anistia.

A reportagem é de Vandson Lima e publicada pelo jornal Valor, 28-03-2012.

Aos 81 anos, Gregori mantém-se um ativo defensor da causa. Coautor da Lei nº 9140/95, que reconheceu as mortes e desaparecimentos políticos ocorridos durante a ditadura militar, atualmente é secretário municipal de Direitos Humanos em São Paulo e escreveu um longo artigo sobre a Comissão da Verdade que será publicado pela revista "Interesse Nacional" em abril.

Gregori considera a manutenção da Lei de Anistia - promulgada em 1979 e que absolveu militares e contrários à ditadura de crimes ocorridos no período - a salvaguarda necessária para que a Comissão da Verdade não resvale no revanchismo. "A Lei de Anistia também é seu resultado prático. Ela produziu um ostracismo e um julgamento moral àqueles que se valeram de sua posição política para ferir os direitos humanos".

González, sociólogo responsável pela organização e funcionamento da Comissão da Verdade e Reconciliação do Peru, criada em 2001, prestou apoio técnico e estratégico para as iniciativas de busca da verdade em lugares tão diversos como Timor Leste, Marrocos, Libéria, Canadá, e os Balcãs ocidentais.

Para o pesquisador, "é um absurdo jurídico" que possíveis assassinos e torturadores que usaram do aparelho do Estado durante a ditadura sejam anistiados. Critica também o Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro, que há dois anos rejeitou o pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) por uma revisão na Lei de Anistia.

O assunto voltou à baila com um novo recurso impetrado pela OAB, desta vez para que o Supremo se manifeste sobre a extensão da anistia a agentes públicos que cometeram crimes de sequestro durante a ditadura. Isso porque o Ministério Público Federal apresentou, há duas semanas, denúncia contra o coronel aposentado do Exército, ex-deputado federal pelo PMDB, Sebastião Curió Rodrigues de Moura, acusado de sequestrar cinco militantes durante a repressão à guerrilha do Araguaia, na região Amazônica, em 1974.

Como essas pessoas nunca foram encontradas, a tese defendida pelo MP é que o crime persiste, sendo impossível definir sua data e, portanto, não estaria ao alcance da Lei de Anistia. A previsão é que o recurso volte à pauta do STF amanhã.

"A eleição de FHC, Lula e Dilma mostra que lei já teve resultado prático"
A seguir, a entrevista do ex-secretário nacional dos Direitos Humanos e ex-ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso, José Gregori.

Eis a entrevista.

Como o senhor analisa o processo de criação da Comissão da Verdade?
O projeto nasceu de providência oportuna do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em tornar mais clara a criação da Comissão da Verdade, a partir da redação do 3º Programa de Direitos Humanos. Ali, uma leitura poderia levar à interpretação de que a Lei de Anistia estava revogada. A iniciativa do ex-ministro Nelson Jobim [Defesa] em querer esclarecer esse ponto e de Lula em formar quase comissão para redigir um projeto mais claro foi positiva.

O projeto na forma que está lhe agrada?
A Comissão da Verdade, mesmo antes de começar os trabalhos, já prestou um grande serviço. Durante muito tempo o Brasil se fracionou em correntes de opinião, atitudes e ação. A gente começou a ter consenso com a Anistia. O segundo consenso foi a luta pelas Diretas. Terceiro, a Constituição de 1988. Quarto, a assimilação de uma lei da qual fui coordenador, a dos Desaparecidos Políticos. O Estado chamou para si a responsabilidade de ter executado centenas de pessoas na ditadura. Mas a democracia brasileira é um processo ainda em construção e sou muito entusiasta da maneira que a estamos construindo. A comissão já é um de seus consensos.

Como avalia a demora da presidente Dilma em indicar os integrantes da Comissão?
Justamente por a lei ter sido bem feita, é exigente com pré-requisitos dos participantes. Quanto mais leio a lei, mais me convenço que o perfil do integrante é quase o mesmo de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), no sentido de ter isenção, independência e honestidade intelectual. Às vezes já há dificuldade em escolher uma pessoa para o Supremo... acredito que o motivo da demora da presidente é o desejo de escolher bem, dada a delicadeza da missão e as exigências da lei. A Comissão não substitui o historiador, mas, trabalhando bem, será um manancial de informações.

O caso Curió reabriu a discussão sobre uma possível punição a possíveis torturadores.
Me filio à corrente que acha que o Supremo, há dois anos, fez bem ao reafirmar a validade e o alcance da Lei de Anistia. Não posso me desligar da luta pela Anistia, da qual participei ativamente e que era para ser, como se dizia, ampla, geral e irrestrita. Como uma pedra em cima da questão, imagem que a gente usou muito para ilustrar a situação, que altera todo e qualquer tipo de julgamento das condutas em razão do processo político. Agora surgiu essa hipótese do crime continuado. É uma discussão a ser feita nos tribunais.

Não é injusto que notórios torturadores sejam perdoados?
Veja, quem comanda este país, do nível federal ao municipal, são basicamente os caras que foram perseguidos. Portanto, a Lei de Anistia também teve resultado prático. Mesmo sem ter colocado isso em qualquer artigo ou parágrafo, produziu um ostracismo e um julgamento moral àqueles que se valeram de sua posição política para ferir os direitos humanos.

A sociedade brasileira então rechaçou o torturador?
Isso é algo que presenciei no governo FHC. Remanescentes que estavam em cargos públicos, se descobertos, eram imediatamente afastados. E tem outra coisa aí. Tão importante quanto a não-prescrição do crime de lesa humanidade é o princípio jurídico da anterioridade da lei penal. Isso é um dogma democrático. Alguém só pode ser punido por algo que, na época do ato praticado, já fosse crime. O que caracteriza as ditaduras é julgar o passado das pessoas quando os atos cometidos anteriormente não eram considerados crimes, mas feriam os interesses de quem está agora governando.

Teme que de alguma forma ocorra revanchismo?
Sou participante de uma geração que viu como as coisas no Brasil podem ir para o pior, principalmente se não houver equilíbrio e senso de realidade. Pagamos um preço muito caro pelas bravatas, em que várias gerações incorreram. Na minha, não há ninguém que não tenha tido a tentação de achar que o processo histórico vem movido pelas boas intenções. Mas não basta você falar em nome do povo, é preciso ver se o povo aprova o que você está falando. Naquela época, ninguém foi conferir se o nosso discurso era o discurso do povo.

Mas seria a Anistia esse mecanismo?
O fato de a Comissão da Verdade vir acoplada à Lei de Anistia é condição sine qua non. A investigação será feita não do ponto de vista de punir fisicamente, mas de fazer um esclarecimento dos fatos, como um historiador faz. Sou entusiasta da democracia que conseguimos construir. Vi uma figura marcante da intelectualidade acadêmica, FHC, presidir o Brasil por oito anos. Depois, ser sucedido por uma grande liderança sindical por mais oito anos. E agora uma mulher, sendo que todos eles foram perseguidos pela ditadura. Não é uma coisa qualquer, guarda um profundo significado de solidez democrática.

O senhor aceitaria integrar a Comissão da Verdade?
(Risos) Olha, fico muito distinguido por jornais importantes dizerem que sou cotado e me colocarem em ótima companhia, com cogitados que formam praticamente uma galeria de notáveis. Mas acho que meu recado e minha contribuição é essa que dou aqui em nível micro, na cidade de São Paulo. A comissão precisa de gente mais moça, porque será um trabalho exaustivo. No meu horizonte não está essa missão, que deverá orgulhar quem recebê-la.

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