Fonte - Unisinos
Capaldo quer que o quanto antes a Justiça abra um
processo contra ex-militares e agentes de inteligência acusados de
participar do desaparecimento de dois ítalo-argentinos que foram
sequestrados no país Brasil.
A reportagem é de Darío Pignotti e está publicada no jornal argentino Página/12, 12-04-2012. A tradução é do Cepat.
“A
lei de anistia aplica-se apenas na jurisdição do Brasil. A Itália não
sancionou nenhuma lei de perdão em benefício dos responsáveis pelo
desaparecimento de dois cidadãos italianos sequestrados no Brasil em
1980, duas vítimas da Operação Condor. Na Itália não somos obrigados a perdoar os culpados”.
Categórico, o procurador Giancarlo Capaldo afirma, durante uma entrevista concedida em seu escritório em Roma, que “já fechamos a fase indagatória sobre a Operação Condor
e agora espero que o juiz considere que temos elementos suficientes
para abrir um processo talvez ainda este mês, pode ser depois do dia 20
de abril”, contra ex-militares e agentes dos serviços de inteligência
brasileiros acusados de participar do desaparecimento dos
ítalo-argentinos Horacio Domingo Campiglia Pedamonti e Lorenzo Ismael Viñas Gigli, seqüestrados, respectivamente, no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
“São dois casos onde a participação brasileira nos parece que foi clara. Campiglia foi capturado quando chegou ao aeroporto do Rio de Janeiro (12 de março de 1980, junto com a argentina Mónica Pinus de Binstock, também desaparecida). Não é possível que isso possa ter ocorrido sem a cumplicidade de autoridades brasileiras”.
Ao continuar com o processo sobre os crimes cometidos durante a ditadura brasileira, Capaldo dá como certo que os crimes de lesa humanidade são imprescritíveis e a anistia de João Baptista Figueiredo (1979-1985) é uma anomalia jurídica, seguindo um raciocínio similar ao da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Treze
brasileiros, entre os quais estão Figueiredo e outros altos oficiais já
falecidos, integram a lista de 146 militares e agentes de inteligência
sul-americanos cuja prisão foi requerida pela Procuradoria de Roma. Nem
todos os repressores morreram: o coronel Carlos Alberto Ponzi, chefe do Serviço Nacional de Informações no Rio Grande do Sul no dia 26 de junho de 1980, quando Viñas foi
raptado, está vivo e, pelo que parece, saudável. Ou ao menos o
suficiente para criticar os jovens que há duas semanas fizeram
manifestações em frente à sua residência em Porto Alegre.
Há quem considere Capaldo como a versão italiana de Baltasar Garzón,
mas de perfil mais baixo e menos mercurial que o espanhol. Disse em
várias entrevistas e o repete agora que sua intenção não é violar a
soberania de nenhum país, mas aplicar o princípio, universalmente
aceito, da extraterritorialidade, segundo o qual qualquer magistrado
pode declarar-se competente para agir contra acusados de violações dos
direitos humanos.
“Assim como fez o juiz Baltasar Garzón” em 1998, quando ordenou a prisão do chileno Augusto Pinochet, durante uma visita privada a Londres, cita o fiscal romano. A queda de Garzón “não
foi uma boa notícia” para os poucos magistrados comprometidos com o
esclarecimento dos crimes de Estado, que “podem ver” nessa condenação
uma advertência, assinala Capaldo, que reconhece que
nestes anos de “trabalho duro” recolhendo provas no Brasil, Argentina,
Uruguai e Chile algumas vezes se sentiu sozinho.
“Não foi simples levar adiante este trabalho que iniciamos em 1998 sobre os brasileiros e outros militares comprometidos com a Operação Condor. Caso o juiz decidir receber nossas provas, entraríamos em uma nova fase do processo; seria um avanço”.
“Não
contamos com a colaboração das autoridades dos países sul-americanos em
geral. Quem nos apoiou foram os familiares e as organizações de
vítimas. Tivemos muito pouca colaboração da Justiça e da polícia do
Brasil. Precisamos de mais documentos”.
Cabaldo calibra
as palavras. Quando emprega alguma juridicamente inapropriada a
corrige, se expressa pausadamente, é amável sem deixar de guardar
distância em relação ao repórter. Está interessado no Brasil e faz
algumas perguntas sobre a presidente Dilma Rousseff, sobre a qual sabe quase nada. Quando se fala da Comissão da Verdade,
demonstra bastante interesse no assunto e até faz algumas anotações em
sua agenda. “Creio que essa comissão pode nos ajudar no que diz respeito
à obtenção de testemunhos e de mais informações sobre como funcionava a
Operação Condor no Brasil. Não se
sabe muito de qual foi a participação do Brasil (nessa rede); temos mais
dados do que fizeram na Argentina ou no Uruguai”. No Brasil reina uma
anistia que impede o julgamento dos responsáveis pelas violações dos
direitos humanos. Se algum militar fosse encontrado culpado em Roma,
seria a primeira condenação de um militar brasileiro.
Familiares
de desaparecidos latino-americanos que conhecem os corredores da Justiça
italiana caracterizam-no como um fiscal sério e hermético. Alguns lhe
reprovam a demora em acumular provas para a abertura de um processo. “O
tempo que nos demandou este trabalho se deve ao fato de que não podemos
apresentar qualquer coisa ao juiz. Tenho milhares de páginas sobre
vários países, sobre a Argentina, Uruguai, Chile... são mais de 140
acusados, há mais de 20 italianos vítimas da Operação Condor,
o problema é que se levarmos algo pouco fundamentado o juiz não poderá
dar uma negativa e todo o trabalho será perdido”. “Você me pergunta se
sou otimista sobre a decisão do juiz... é difícil responder, não sei”.
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