quarta-feira, 18 de abril de 2012

Abaixo o silêncio


Manifestação popular contra comemoração dos 48 anos do golpe militar reforça a necessidade de uma discussão ampla e clara sobre os tempos da ditadura

 Nashla Dahas

30/3/2012

 Manifestantes protestam na Cinelândia, no Rio de Janeiro


Na tarde desta quinta (29), cerca de 300 militares se reuniram para comemorar os 48 anos do golpe militar de 1964, na sede do Clube Militar, no Centro do Rio de Janeiro. A reunião dos oficiais da Reserva incitou uma manifestação de centenas de civis, que se dirigiram à frente do clube, munidos de fotos de desaparecidos políticos, aos gritos de “torturadores” e “golpe não é revolução”.

As rememorações e os protestos parecem motivados por uma causa comum, por um compromisso latente, uma inquietação que vem do estômago e pode produzir tanto a indignação quanto o sorriso e o orgulho, a ordem ou a confusão.

Embora a historiografia brasileira seja responsável por ampla bibliografia voltada para o tema do golpe de 1964, suas raízes e consequências, os acontecimentos recentes demonstram a existência de questões por serem resolvidas, perguntas e discussões que só puderam ser formuladas com o tempo, pelo distanciamento e, sobretudo, pelas novas gerações. Há 30 anos seria impensável olhar para os militares com ironia e empunhar cartazes quase à ponta dos narizes daqueles senhores fardados. Estas são posturas tomadas por quem conhece os direitos de uma Constituição selada por ambos os lados em 1988.

Talvez, uma das mais fortes heranças da ditadura militar seja a negação da discussão pública sobre o período. A censura então instalada é hoje tema bastante conhecido e sempre levantado quando se trata de defender o “Nunca Mais!”, ou de consagrar a liberdade de expressão como valor ético e político do presente. No entanto, as versões históricas e as memórias dos anos de 1960 e 70 parecem ainda restritas ao meio acadêmico, a certos grupos de militantes e militares, e às poucas placas comemorativas, filmes e algumas leis de reparação que surgiram de lá para cá.

Discussão sobre impunidade
Há quem busque reconhecer a luta de muitos idealistas que perderam os seus 25 anos, outros querem sensibilizar a sociedade para um tema que repercute na identidade política do país. Setores do atual governo tentam restaurar a discussão sobre a impunidade dos crimes contra a humanidade, e movimentos sociais se esforçam para garantir indenizações aos familiares de presos políticos, exilados e torturtados à época. Uns comemoram a vitória política que obtiveram em 1964, os projetos políticos e econômicos então viabilizados, a anistia que satifez uma parcela considerável da oposição, os meios que utilizaram para garantir o essencial da ordem que desejavam. Demandas diferentes, causas distintas e objetivos contrários que compõem a sociedade brasileira, motivo pelo qual a ditadura não durou 20 dias, a anistia foi legítima, assim como qualquer manifestação contemporânea e pacífica em nome da verdade.

Nesse contexto, a Comissão da Verdade parece um instrumento fundamental para criação de uma esfera de publicidade dos acontecimentos, traumas e ressentimentos, que por meio das narrativas, podem contribuir para a construção e reconstrução de laços sociais. Dar voz às partes envolvidas e torná-las sujeitos explícitos de nossa história será certamente um passo para que teses acadêmicas, opiniões pessoais, e memórias oficiais se voltem para a realidade, e denunciem os significados vivos deste debate. Trata-se de um caminho possível para o aprimoramento de valores democráticos.


O caso da África do Sul
Bom exemplo para reflexão do que está acontecendo no Brasil pode ser encontrado na reconciliação Sul Africana dos anos de 1990. Confiante na capacidade de apaziguamento do perdão, teve como pressuposto a condenação moral dos crimes do apartheid e a reconciliação política como condição necessária para um futuro mais plural e menos violento. Neste caso, o amplo conhecimento sobre a realidade anterior e o foco nos casos mais graves de violações dos direitos humanos foram as possibilidades encontradas para rever o cotidiano de segregação exposto pelas narrativas emocionadas da Comissão.

Tarefa difícil esta de lidar com um passado que orgulha ou envergonha dependendo de para onde se olhe, passado que divide e responsabiliza, torna mártir do presente ou assassino da história. A ideia fundamental é que toda a atual discussão possa ajudar a sensibilizar a sociedade e as futuras gerações sobre a gravidade dos acontecimentos, fornecendo aos cidadãos a chance de reconhecer e de se impor diante de qualquer prática abusiva.

*Nashla Dahas é pesquisadora da Revista de História da Biblioteca Nacional

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