terça-feira, 19 de março de 2013

Reparação polêmica

Ex-combatentes do Araguaia vão recorrer à OEA por indenização às torturas sofridas no período. Oficiais foram submetidos a violência similar à aplicada aos guerrilheiros envolvidos na luta armada

Aline Salgado - revistadehistoria

 8/3/2013

Açoitados com cipó, presos em pau de arara, enterrados vivos em formigueiro. A série de ações que lembram as torturas sofridas pelos militantes de esquerda durante a ditadura civil-militar fazia parte do programa de treinamento na selva dos oficiais do Exército, para combater no Araguaia [saiba mais sobre a guerrilha aqui]. Eram milhares de jovens com idade entre 18 e 22 anos que, na maioria, foram recrutados pelo serviço militar obrigatório ou à força em cidades do país.

Hoje, mais de 600 sobreviventes - todos com sequelas, como cegueira, surdez, perda dos testículos, traumas psicológicos e alcoolismo - brigam na Justiça por reparação. Assim como as famílias dos militantes políticos, eles querem indenizações do Estado pelos danos sofridos.


 Militares de Ipameri-GO e Cristalina-GO

Mas a Justiça brasileira não considera a causa como legítima. Em meio às fracassadas investidas no Juizado Especial Federal e no Tribunal Regional Federal de Brasília, os militares reformados prometem acionar agora o tribunal da OEA (Organização dos Estados Americanos).

"O governo militar e essa maldita guerrilha acabaram com as nossas vidas e sonhos. Eu queria ser advogado. Agora sou um atormentado pelo passado de torturas no qual fui obrigado a participar. E, ainda hoje, somos ameaçados", conta  Raimundo de Melo, presidente da Associação dos Ex-combatentes do Araguaia.

Hoje, aos 58 anos, o ex-cabo que serviu no Araguaia aos 19 auxilia nas expedições do GTA (Grupo de Trabalho do Araguaia) na localização e busca dos corpos dos desaparecidos políticos. Assim como os demais colegas de baixa patente, Raimundo de Melo tinha como atribuições vigiar os presos políticos antes e depois das sessões de tortura.

“O lema na selva era único: 'Vê, ouvir e calar'. A ordem era atirar em tudo que se mexesse. Como atirar numa pessoa naquele estado? Mesmo assim, enquanto o comandante não via, demos água para a Lia (Telma Regina Corrêa) e a deixamos dormir um pouco. O medo era de que fôssemos os próximos a parar na tortura", relembra Raimundo.

Para ele e os colegas que atuaram de janeiro a novembro de 1974 na guerrilha, o treinamento e todo o trabalho na selva foram marcados por violência extrema. Por isso, teriam direito à indenização, já que esse tipo de crime não prescreve.

"Tortura não é treinamento. Queremos reparação. Nos usaram e jogaram fora. Não nos queriam no exército e não conseguimos emprego depois porque éramos vistos com desconfiança. Será que nós, militares, também não temos, pais, mães, filhos e netos. Só o outro lado foi vítima? Só a tortura em nós foi prescrita?", desabafa.

Para quem perdeu marido, pai e irmão, aceitar que os militares foram vítimas e têm direito à reparação não é tarefa fácil. "Sinto muito que eles tenham sido obrigados a servirem ao exército. Mas eles estavam cumprindo o serviço militar e ganhando para isso. Sou terminantemente contra essa indenização A anistia foi feita para nós e não para os militares, mesmo sendo de baixa patente", avalia Victória Grabois, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais.
 
Raimundo Melo foi da turma do 2º Bis de Belém-PA, 
enviada para Marabá-PA para combater na Guerrilha do Araguaia

 Já para Diva Santana, irmã de Dinaelza e cunhada de Vandick Reidner, mortos na guerrilha, cada lado deve lutar por suas causas: "Não existe uma jurisdição que ampare os militares, mesmo sendo de baixa patente. Já discutimos isso junto à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Falo para eles que, se acham que têm direito, que lutem por suas causas, porque estamos lutando pelos nossos desaparecidos”.

 Militares Agentes do SNI

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