Força-tarefa formada pelos ministérios da Defesa, Justiça e da Secretaria de Direitos Humanos luta contra o tempo e o silêncio para encontrar ossadas dos guerrilheiros do Araguaia
Aline Salgado - revistadehistoria
Técnicos da Polícia Federal em escavação na cidade de Xambioá / Fotos: Divulgação/ Ministério da Defesa/Tereza Sobreira
"Não queremos ninguém na cadeia. Apenas quero dizer para a Dona Diva
Santana, e outros tantos parentes de desaparecidos do Araguaia, que eles
podem, enfim, enterrar seus filhos, pais e maridos. É a História do
Brasil que está em jogo".
O desabafo de Guilles Gomes, coordenador-Geral da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, mostra o tom do drama e dificuldades encontradas pelo Grupo de Trabalho do Araguaia (GTA) para encontrar as ossadas, ainda desaparecidas de, pelo menos, 70 militantes políticos que entre as décadas de 1960 e 1970 se refugiaram na mata para formar um foco de resistência à ditadura militar.
Recontar o passado da guerrilha, cheia de dolorosas lacunas e imprecisas pistas, é mais que uma missão, um desafio para o GTA.
Há quatro anos, desde a formação do GTT (Grupo de Trabalho Tocantins), substituído depois pelo GTA, a força-tarefa composta por integrantes dos ministérios da Defesa, Justiça, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, além de peritos do Instituto Médico Legal do Distrito Federal e da Polícia Federal, e universidades já colheu o depoimento de mais de 200 informantes, entre camponeses, ex-guias (mateiros), ex-combatentes do Araguaia e militares da reserva.
Mobilizando uma média de cem a 135 pessoas, entre civis e militares, responsáveis pela segurança e logística da missão, os trabalhos da expedição abrangem uma área que vai de Marabá, no sul do Pará, a Xambioá, no norte do Tocantins. Escavações e o uso de radar de solo de mais de uma centena de alvos, como cemitérios e espaços indicados por testemunhas da guerrilha fazem parte das ações do grupo.
Em meio às buscas, apenas 25 restos mortais foram exumados e levados para análise pericial de técnicos das policias Civil e Federal. Mas, até agora, nenhum deles mostrou laudos conclusivos. No balanço geral, apenas duas famílias conseguiram enterrar seus filhos: Maria Lúcia Petit e Bergson Gurjão Farias. Coordenador do GTA, no âmbito do Ministério da Defesa, Sávio de Andrade Filho investe suas esperanças na tecnologia da medicina forense (pericial) para identificar os corpos.
"A nossa busca é encontrar as ossadas de todos os desaparecidos. Mas, em alguns casos, essa missão se torna quase impossível. Além de ser um local de selva, o combate ocorreu há 40 anos. A acidez do solo, a umidade e o longo tempo não ajudam em nada na preservação dos restos mortais. Sem falar que, em alguns casos, a imunação (sepultamento) não foi apropriada. A nossa expectativa agora se centra na coleta de DNA das ossadas encontradas", diz.
Uso de peneiras na busca por vestígios de ossos dos guerrilheiros
A análise do material genético é uma tarefa que cabe aos peritos da Polícia Federal e Civil. A perícia envolve o exame antropométrico - medição de ossos para identificar o gênero (masculino e feminino) e fraturas ou próteses que podem dar uma pista sobre a origem do corpo; a análise do DNA - feita por meio de amostras e comparação com o banco genético de familiares - e, a técnica de ponta: a extração do DNA mitocondrial.
Mas nem essa alta tecnologia tem ajudado nos trabalhos. Isso porque, a técnica permite a comparação apenas de DNAs da linhagem materna, o que acaba trazendo mais um obstáculo para as buscas, já que a maioria das mães dos guerrilheiros já morreu. "A extração do DNA das ossadas, em si, já apresenta uma dificuldade pelo estado de fragilidade em que se encontram os restos mortais. Como é difícil de se extrair, recorremos à tecnologia mais específica.
Mas, por ser feita pela linhagem materna, se torna um complicador a mais", explica Magda Fernandes, coordenadora do Grupo no Ministério da Justiça, que pede paciência:
"Isso aqui não é CSI [série de TV americana]. O processo de identificação das ossadas é lento e complexo. O GTA se qualificou e vem conseguindo avanços. Mas, é preciso paciência", completa a Magda Fernandes.
Para Gilles Gomes, coordenador-Geral da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, no entanto, o GTA precisa mais do que paciência. Segundo ele, para que os trabalhos avancem é necessário pressão da sociedade civil para que os militares da reserva colaborem, apontando onde estão as ossadas.
"Embora a Lei de Anistia não os puna, existe um receio junto ao meio militar de que a prestação de qualquer informação sobre o Araguaia possa repercutir na revisão da Lei de Anistia e em punições. Os camponeses e moradores da região já falaram o que tinham para falar. Hoje, quem precisa falar são os militares da reserva", avalia.
Gilles lembra ainda que as sucessivas 'operações limpeza', no mínimo cinco, que retiraram e modificaram os locais onde os restos mortais dos guerrilheiros foram enterrados, torna o trabalho do Grupo ainda mais lento e difícil. Relatos colhidos por eles dão conta que em vários momentos da História recente brasileira, antes do governo Lula, houve a retirada de restos mortais dos guerrilheiros e o depósito em locais ainda desconhecidos.
“Tudo isso corrobora com a tese de que ainda existe um setor da
sociedade que não quer resolver essa lacuna da nossa História e continua
ocultando informações", critica o coordenador-Geral da Comissão
Especial sobre Mortos e Desaparecidos, que destaca também a problemática
que envolve o sigilo no acesso a documentos oficiais da guerrilha.
Por que, onde e quando cada militante foi morto; se foi preso com vida,
torturado, cativo ou se o corpo foi ocultado ou incinerado. As inúmeras
questões que rodeiam o GTA , ainda sem respostas, correm o risco de
ficarem silenciadas no tempo. Se até maio do ano que vem o Executivo não
prolongar, por meio de portaria, os trabalhos do grupo, as
investigações terão de ser finalizadas. A esperança agora é que a alta
tecnologia de extração de DNAs dê a luz necessária para a identificação
das ossadas. Ou melhor ainda, que a Justiça garanta que depoimentos e
documentos mais precisos sobre o paradeiro dos restos mortais sejam
revelados. Sem isso, a missão do GT Araguaia terá um ponto sem fim, da
mesma forma que o sofrimento das famílias que há 40 anos esperam
enterrar filhos, pais e maridos.
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