A alta comissária adjunta das Nações Unidas para Direitos Humanos, Kyung-wha Kang, deixou claro que, na visão da ONU, a Lei de Anistia não
blinda crimes relacionados com o desaparecimento de pessoas, que devem
ser investigados. A entidade apoia, portanto, a iniciativa do Ministério
Público Federal de denunciar o coronel da reserva do Exército Sebastião Curió Rodrigues de Moura.
"Nossa visão é de que leis de anistia não cobrem o desaparecimento", disse a
número 2 da ONU para Direitos Humanos. "A avaliação é que não há anistia
para um crime que continua no tempo. Portanto, ele pode e deve ser
investigado", explicou. A avaliação dos juristas na ONU é de que, assim
como um sequestro sem uma conclusão, o desaparecimento de uma pessoa não
pode ser um crime que tenha prescrição.
A reportagem é de Jamil Chade e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 16-03-2012.
O Ministério Público denunciou Curió na Justiça Federal em Marabá pelo crime de sequestro qualificado de cinco pessoas na Guerrilha do Araguaia. O coronel comandou as tropas que atuaram na região em 1974, época dos desaparecimentos de Maria Célia Corrêa (Rosinha), Hélio Luiz Navarro Magalhães (Edinho), Daniel Ribeiro Callado (Doca), Antônio de Pádua Costa (Piauí) e Telma Regina Corrêa (Lia). A notícia foi vista como um "passo positivo" por alguns dos principais nomes da ONU na construção do direito internacional nos últimos anos. Para Louis Joinet, ex-relator da entidade por 30 anos e que atuou em diversos países no esforço de criar leis para combater o desaparecimento de pessoas, a iniciativa do MPF é "um alívio".
Militares
Sobre a reação de militares brasileiros de que a iniciativa é "revanchismo", Kyung-wha Kang entende os comentários como "naturais", mas diz que a tendência em vários países é a de seguir com os processos, mesmo com resistências.
Segundo ela, a ONU tomou a decisão de agir em um caso similar ao que foi aberto no Brasil. "Na Guatemala, decidimos enviar uma comunicação a uma corte que está julgando um caso também de desaparecidos", disse.
A alta comissária adjunta não dá qualquer indicação, por enquanto, sobre
se a ONU vai agir também no caso brasileiro. Mas a cúpula da entidade já
vem insistindo que o governo brasileiro precisa agir para permitir que
os crimes cometidos durante a ditadura sejam investigados.
Nos últimos anos, a ONU tem adotado uma postura cada vez mais clara de que
leis de anistia e pactos nacionais fechados em períodos de transição têm
impedido que as vítimas sejam devidamente reparadas. Na entidade,
princípios como o direito à verdade ganharam um novo status nos últimos
anos. Para os especialistas da organização, não há um modelo único para
lidar com o passado e cada sociedade deve encontrar sua forma. O que a
ONU entende, porém, é que o silêncio é a única opção que não pode ser
considerada.
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