19/10/2011
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De todos os países latino-americanos que sofreram com ditaduras, o Brasil é o único que ainda não acertou as contas com o passado. No continente, Guatemala, Argentina, Chile, El Salvador, Peru, Uruguai, Paraguai, Haiti, Panamá e Bolívia já instalaram Comissões da Verdade, enquanto outros instituíram ao menos comissões informais. No mundo, mais de 30 países já apostaram na iniciativa para resgatar sua memória e, em muitos casos, identificar e punir culpados.
“Toda Comissão da Verdade deve ter como objetivo fundamental reparar danos causados pela epidemia de ditaduras que ocorreram em todos os continentes do mundo a partir da década de 1960”, afirmou o paraguaio Carlos Portiro, que foi membro da Comissão da Verdade do país dele.
A reportagem é de Najla Passos e publicada por Carta Maior, 19-10-2011.
Segundo Portiro, essas comissões devem ser instaladas imediatamente após o fim do regime de exceção, para avaliar as infrações aos direitos humanos e, a partir daí, decidir como repará-los.
“O Brasil e o Paraguai, entretanto, demoraram muito mais tempo para dar início a este processo do que seria o natural”, disse. O Paraguai levou 14 anos após o fim da ditadura para instalar sua comissão. No Brasil, a ditadura foi-se há 25 anos e, até agora, não houve comissão. Para Portiro, mesmo levando em conta as realidades nacionais, "precisamos admitir que, no Brasil, continua ocorrendo uma guerra contra a memória.”
Sobre a experiência paraguaia, o monsenhor Mário Medina, reconhecido militante pelos Direitos Humanos daquele país, apresentou um vídeo com os números finais que dão a dimensão do trabalho realizado. Foram oito audiências públicas, nacionais e internacionais, para debater o tema e garantir a participação da sociedade civil no processo.
Após mais de quatro anos de trabalho, a comissão identificou 20 mil vítimas diretas, 51 mil executados, 336 desaparecidos, 3,5 mil exilados diretos e 17 mil indiretos. Entretanto, também identificou, nominou e tomou as providencias necessárias para penalizar 690 torturadores.
A professora de História Simone Rodrigues Pinto, da Universidade de Brasília (UnB), apresentou estudo comparativo entre as diferentes comissões instaladas na América Latina. Segundo ela, essas Comissões são bem diferentes em todos os aspectos: período, número de membros, orçamento, autonomia, capacidade de punir, suporte governamental, entre outros aspectos.
Como exemplo de bom resultado, ela citou o caso da Guatemala, que obteve muito impacto ao investigar 23 mil assassinatos, contabilizar seis mil desaparecidos e 626 massacres. “Essa comissão tinha apenas três membros oficiais e durou somente 18 meses, mas contava com uma equipe de trabalho de cem pessoas”.
No caso da comissão argentina, criada imediatamente após o término da ditadura, foram nove meses de trabalho, com uma comissão de 13 pessoas mais equipe de 60 membros que conseguiram investigar 9 mil casos, revelando autores e desencadeando vários julgamentos.
No Chile, foram duas comissões em dois momentos diversos. A primeira investigou os 2.920 casos de assassinatos e desaparecimentos. A segunda tomou como objeto os demais crimes, que totalizaram 27 mil denúncias de violação dos direitos humanos. “em ambos os casos, elas tiveram oito membros, todos eles chilenos”, acrescentou Simone.
“Não é necessário defender a importância da Comissão da Verdade. Quanto a isso, todos temos acordo. A questão é qual tipo de comissão queremos criar e com quais objetivos.”
Para a professora, há um movimento internacional pela memória e pela verdade, desde 1974, quando foi instalada a primeira comissão, em Uganda, na África. “é importante que aja, pelo menos, a identificação e responsabilização social e moral dos torturadores e agentes da ditadura. Em muitos casos, nem as famílias dessas pessoas sabem os crimes que eles praticaram”, defendeu.
Ex-presidente de Honduras, deposto por golpe no país, Manuel Zelaya participou do seminário e defendeu que vítimas de ditaduras integrem comissões da verdade, algo não previsto no projeto aprovado pelos deputados e que está em debate no Senado. “Quando as comissões são oficiais, não têm o mesmo impacto”, disse.
Segundo ele, “As sombras que fizeram com que o Brasil e outros países latino-americanos vivessem sob golpes de Estado continuam vivas, tão vivas que Honduras viveu golpe de Estado recentemente.”
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