Audiência pública na Assembleia Legislativa vai discutir
suposta presença de integrantes da entidade empresarial e do corpo
consular americano em centro de interrogatórios e torturas
Publicado em 08/02/2013, 17:48
Última atualização às 19:39
No próximo dia 18, a Comissão da Verdade de São Paulo realizará uma audiência pública, na Assembleia Legislativa, para tratar de “indícios de relações” entre membros da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e do consulado dos Estados Unidos com órgãos de repressão. A Rede Brasil Atual teve acesso a alguns dos documentos obtidos pela comissão, encontrados no Arquivo Público do Estado.
Os registros de
movimento de pessoal no Dops, parciais, vão de 1971 a 1973. Entre os
nomes, alguns bastante conhecidos, como os dos delegados Sérgio
Paranhos Fleury e Romeu Tuma, além de militares, investigadores,
autoridades, jornalistas e várias pessoas que tinham seus nomes
anotados nos livros. Alguns têm só o horário de entrada. No caso
do nome de Geraldo Resende (ou Rezende) de Matos, identificado como
"Fiesp", há dias com horários
pouco usuais para uma visita. Em 24 de fevereiro de 1972, uma
quinta-feira, por exemplo, ele entra às 18h35 e sai às 6h45 da manhã
seguinte. Na sexta 25, entra às 18h20 e sai às 12h35 do sábado.
Ivan Seixas: “Quando
torturavam no terceiro andar, o prédio inteiro ouvia e a redondeza
também” (Foto: Fora do Eixo/Lino Bocchini)
Presidente do Conselho Estadual de Defesa dos
Direitos da Pessoa Humana (Condepe) e diretor do Núcleo de
Preservação da Memória Política, Ivan Seixas destaca a data de 5
de abril de 1971, uma segunda-feira. Nesse dia, Claris Rowley Halliwell,
identificado como representante diplomático norte-americano, entra às
12h40, cinco minutos depois da chegada de Ênio Pimentel Silveira, o
“capitão Ênio”, apontado como torturador pelos órgãos de
direitos humanos e conhecido pela alcunha de “Doutor Ney”.
À
1h30 do mesmo dia, Devanir José de Carvalho, o “Comandante
Henrique”, do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), havia sido
capturado, e por volta das 11h “começava a ser barbaramente
torturado” no local, conforme lembra Ivan Seixas, um ex-militante
do MRT. Devanir morreu após dois dias de torturas.
Naquele 5 de abril,
tanto o “capitão Ênio” como a pessoa que se registra como
“Consulado Americano” têm horários de entrada (imagem abaixo), mas não de
saída.
Nos documentos obtidos pela Comissão da Verdade, o capitão
(que foi encontrado morto em 1986) aparece 51 vezes nos registros,
sendo 23 sem horário de saída. A pessoa que assina “Fiesp”
aparece 45 vezes, sete só com horário de entrada. E o possível
representante do consulado faz 34 “visitas” ao local, também em
sete com horário de saída desconhecido.
As torturas no prédio
do Dops não eram algo que se podia ocultar, conta Ivan.
“Quando
torturavam no terceiro andar, o prédio inteiro ouvia e a redondeza
também”, lembra. Ele mesmo esteve lá duas vezes, em 1971 e 1972.
Para o diretor do Núcleo de Memória, os documentos obtidos no
Arquivo Público talvez possam comprovar uma antiga suspeita sobre a
participação de empresários e norte-americanos em ações da
ditadura. “Queremos saber quem
eram eles e o que faziam lá (na sede do Dops)”, afirma.
Pode-se também abrir uma nova linha de investigação. O
presidente da Comissão da Verdade paulista, deputado Adriano Diogo
(PT-SP), observa que existem hoje duas abordagens: o financiamento de
empresas à repressão e a perseguição a trabalhadores, por meio das
chamadas "listas negras", para que as pessoas identificadas não
conseguissem mais emprego.
A Fiesp divulgou nota na qual "esclarece que o nome
de Geraldo Resende de Matos não consta dos registros como membro da
diretoria ou funcionário da entidade".
"É importante lembrar que a atuação da Fiesp tem se
pautado pela defesa da democracia e do Estado de Direito, e pelo
desenvolvimento do Brasil. Eventos do passado que contrariem esses
princípios podem e devem ser apurados", acrescenta a entidade.
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