quarta-feira, 25 de maio de 2011

Ditadura militar e a guerrilha no Oeste do Paraná

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segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

 por


  


A proposta do governo federal de criar a Comissão da Verdade para apurar crimes cometidos durante o regime militar, abriu mais uma vez as feridas deixadas por este período negro da história do país e que custam a cicatrizar. Familiares de vítimas (presas, torturadas, mortas ou que estão desaparecidas) aplaudiram, o Exército reagiu contra e o governo federal deu pra trás. Esse episódio da Comissão da Verdade, contudo, serviu para mostrar o quanto o assunto ainda é espinhoso.

Revirando meus arquivos, encontrei uma reportagem que escrevi em julho de 2007, a partir de uma entrevista com o ex-guerrilheiro Aluízio Palmar (foto), que reside em Foz do Iguaçu. Carioca, ele se envolveu na luta armada no final dos anos 60 e uma das suas missões na época foi implantar a luta armada na região Oeste do Paraná. Acabou preso em 1969, em Cascavel. Foi torturado por diversas vezes, até ser mandado para fora do país no início dos anos 70. Durante aquela década, viveu na clandestinidade no Chile e na Argentina e, por pura intuição, acabou se safando de uma chacina que teria sido promovida contra ex-guerrilheiros brasileiros em meados da década de 70, e que teve como palco a Estrada do Colono, no Parque Nacional do Iguaçu. É esse a história que ele conta no livro “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?”, publicado em 2005.

É sobre o livro e a guerrilha que tentou se instalar no Oeste do Paraná que trata a reportagem que foi capa da edição de julho de 2007 da Revista Região, a qual segue reproduzida abaixo. O texto é longo, mas vale a pena conferir...

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Mistério e mortes no Parque Nacional do Iguaçu

Ex-guerrilheiro revela ações de extermínio de exilados políticos praticadas pelo Exército na Estrada do Colono durante os anos de ferro da ditadura militar

Por Cristiano Viteck

“Eles foram atraídos pelo ex-sargento da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, Alberi Vieira dos Santos, para uma emboscada armada dentro do Parque Nacional do Iguaçu. A Rural Willys dirigida por Távio Camargo, militar do Centro de Informações do Exército, apresentado ao grupo como membro da base de apoio, trafegou seis quilômetros pela Estrada do Colono levando Joel José de Carvalho, Daniel de Carvalho, José Lavéchia, Víctor Carlos Ramos e Ernesto Ruggia em direção à morte. De repente, no meio da floresta exuberante, os cinco militantes da esquerda revolucionária caíram fuzilados pelo grupo de extermínio. Os cães de guerra comandados pelos chefões do Centro de Inteligência do Exército executavam a fase final da Operação Juriti, que consistia em atrair exilados políticos para área fictícias de guerrilha e matá-los”

Os fatos narrados acima aconteceram na noite de 13 de julho de 1974, no Parque Nacional do Iguaçu, e permaneceram fora dos livros de história do Brasil até pouco tempo atrás. E, provavelmente, ficariam para sempre enterrados junto às ossadas dos jovens guerrilheiros se não fosse a perseverança e a dedicação do jornalista Aluízio Palmar, que dedicou praticamente 26 anos de sua vida investigando este caso.

Porém, mais do que um forte gosto pelo jornalismo investigativo, razões muito maiores instigaram Aluízio Palmar a desvendar o mistério do desaparecimento desses jovens guerrilheiros. Exilado político que viveu durante a maior parte da década de 70 na clandestinidade – escondido na Argentina –, caso o plano do Centro de Informações do Exército tivesse se concretizado totalmente, Aluízio Palmar também teria morrido naquela mesma noite de 13 de julho de 1974.

É em torno desta história que gira o livro “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos” (Editora Travessa dos Editores, 386 páginas), de Aluízio Palmar, publicado em 2005 e que acaba de ganhar uma segunda edição. A obra, uma pesquisa de grande fôlego, é recheada de documentos, fontes e depoimentos que desnudam um período negro vivido durante a ditadura brasileira (1964-1985) que até então era praticamente desconhecido pelos moradores da região Oeste do Paraná.

O autor

Aluízio Palmar nasceu em 1943, na cidade de São Fidélis (RJ). Na adolescência a sua família se mudou para Niterói, onde começou a entrar em contato com a militância política ainda no colégio, quando integrou a Juventude do Partido Comunista. Depois, acabou também pertencendo ao Comitê Municipal do Partido Comunista em Niterói, durante o período de universitário.

Segundo ele afirmou em entrevista exclusiva à Revista Região – que conversou com Aluízio durante sua recente visita a Marechal Cândido Rondon onde proferiu palestras a convite dos cursos de História e Direito da Unioeste –, de 1960 a 1964, havia “uma agitação enorme dentro do movimento estudantil. O país vivia um período de mudanças com a renúncia de Jânio Quadros, a mobilização pela posse de João Goulart”. Porém, com o golpe militar de 31 de março de 1964, este grande momento de debate político que acabava por envolver diversos setores, começou a diminuir cada vez mais graças à forte repressão contra aqueles que se opunham à ditadura. O golpe final contra as instituições democráticas do país veio com o Ato Institucional nº 5 (AI-5), em maio de 1968. Com o aumento da repressão, àqueles que se colocavam contra o governo militar restavam poucas opções: o exílio, a desmobilização ou a luta armada. E foi esta última que Aluízio Palmar escolheu.

“Nós tínhamos algumas ilusões desarmadas até 1966. Em 13 de dezembro de 1968 a ditadura baixa o Ato Institucional nº 5 e daí não existiam mais condições de ir pra rua de cara aberta, fazer contestação. Aí a discussão acabou se dando ao ponto de acreditarmos que a contestação se daria através da resistência da luta armada nas cidades, sob influência de Che Guevara e também abrindo frentes de guerrilha rural”, recorda o ex-guerrilheiro.

Guerrilha no Oeste

Mas, antes mesmo do AI-5, o Aluízio Palmar já estava integrado à guerrilha e, em meados de 1968, chegou à Foz do Iguaçu (PR), enviado pelo Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8) para, juntamente com outra colega, dar início a um foco guerrilheiro na região Oeste do Paraná.

Ele revela quais eram os planos de ação na região: “A idéia era a implantação de um foco guerrilheiro no Oeste do Paraná, em Cascavel e Toledo. Nosso objetivo, primeiro, era montar uma rede de apoio no campo. Segundo, adaptação na região e no mato. Então, começamos a recrutar simpatizantes e assim criamos uma malha de apoio de Santa Helena até a barranca do Rio Iguaçu, principalmente de camponeses prontos para aderir à causa. O papel deles não era ir para o confronto. Seria nossa base de apoio para propaganda, pra guardar gente, guardar material. Durante um ano fizemos caminhadas. Várias vezes eu caminhei de Santa Helena a Foz do Iguaçu. Mais tarde, ficamos um ano dentro do Parque Nacional do Iguaçu. Essas caminhadas eram para adaptação. Nenhum de nós foi pra Cuba, o nosso treinamento foi aqui mesmo na região Oeste. Aí, além do pessoal do Estado do Rio de Janeiro, participava também gente do Paraná, estudantes. Esse era nosso grupo. Nós compramos dois sítios, um no Boi Picuá, que fica na região de Assis, Toledo, e outro sítio em Matelândia”.

Contudo, a presença do grupo na região começou a levantar suspeitas, revela Aluízio Palmar. “Nós éramos estranhos na região do Boi Picuá. Éramos estudantes, nenhum sabia mexer com terra, nem cavalo e nem com boi. Todo mundo ficava cabreiro e o povo comentava na festa, na igreja”. Diante dessa situação e com a queda de outros focos guerrilheiros no país, o grupo que estava agindo na região Oeste do Paraná decidiu pela desmobilização, Assim, e diante outros fatos, em 1969 resolveram encerrar a operação.

Prisão e torturas

Dentro desse trabalho de desmobilização, no dia 04 de abril de 1969 Aluízio Palmar e o colega Mauro Fernando de Souza estavam evacuando a casa de um dos contatos do grupo em Vera Cruz do Oeste. Era Sexta-Feira Santa e, no retorno ao sítio onde ainda estavam instalados, passavam por Cascavel quando Mauro resolveu parar para comprar um peixe.

Para azar da dupla, Mauro bateu o Jeep que estava dirigindo na traseira de um carro próximo à rodoviária de Cascavel. Era o início dos fatos que resultariam na prisão de Aluízio Palmar, que conta: “O Mauro foi atrás de um mecânico e eu fiquei cuidando do Jeep, que estava cheio de material subversivo, livros, manuais de arma. Nesse momento chega Marins Bello, fiscal da Loteadora Pinho e Terra, acompanhado de alguns policiais. Ele apontou pra mim e começou a me chamar de comunista, subversivo. Nesse momento fui preso. Fui até a delegacia embaixo de cacete”.

Contudo essa não seria a única surra que ele levaria. A partir de então, para todos os locais onde foi levado, Aluízio Palmar foi torturado. Conforme contou para a reportagem da Revista Região, ele apanhou “bastante, como todos! Nem mais, nem menos que a maioria. Resumindo: eu fui torturado em Cascavel, no Batalhão de Fronteiras em Foz do Iguaçu, no quartel da Polícia do Exército em Curitiba, no DOPS de Curitiba com o... esqueci o nome do desgraçado do delegado do DOPS! Depois, na Ilha das Cobras, no Arsenal da Marinha, e depois na Ilha das Flores, também na Marinha.”

Aluízio Palmar ficou preso até 9 de janeiro de 1971, quando foi banido do território nacional após ser trocado – juntamente com outros 69 presos políticos – pelo embaixador da Suíça no Brasil, Giovani Bucher. Expulso do país, Aluízio Palmar viveu no Chile até 1972, de onde também saiu clandestino. O seu novo destino foi o interior da Argentina. Ele recorda que ainda nesse período estava participando de algumas movimentações subversivas.

Operação Juriti

Enquanto isso, no Brasil, o Centro de Informações do Exército colocava em prática a Operação Juriti, que consistia em infiltrar agentes dentro dos grupos de exilados políticos que estavam fora do país, convencendo-os a voltarem para o Brasil com o suposto objetivo de retomar a luta armada contra o governo militar. No fundo, tudo não passava de uma cilada para matar os exilados políticos, que eram levados para regiões remotas do Brasil, onde eram covardemente assassinados.

Este é o caso da chacina ocorrida em 13 de julho de 1974 no Parque Nacional do Iguaçu, na Estrada do Colono. O agente utilizado para atrair os exilados nesta ação foi o ex-sargento da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, Alberi Vieira dos Santos. Ele conquistou a confiança de Onofre Pinto, um dos cabeças da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).

Com o apoio garantido de Onofre Pinto, uma liderança respeitada na esquerda brasileira, ficou fácil para Alberi dos Santos convencer outros exilados políticos a retornarem para o Brasil, utilizando a mesma história de que estariam voltando para o país para retomar a luta armada. Juntamente com Onofre Pinto, também foram enganados e levados para a morte os irmãos Daniel e João Carvalho, Victor Ramos, José Lavéchia e o jovem estudante argentino de 18 anos, Ernesto Ruggia.

Por muito pouco, Aluízio Palmar também não passou a integrar essa lista. Segundo ele, foi a desconfiança na pessoa de Alberi Vieira dos Santos, a quem conheceu quando esteve preso no Presídio do Ahú, em Curitiba, que acendeu o sinal de alerta em sua mente e o fez fugir para o interior da Argentina – onde já vivia – e levar um vida totalmente na clandestinidade.

Ele lembra que, coincidentemente, em janeiro de 1974, encontrou com o agente disfarçado do Exército, que o convidou para se juntar ao grupo que estava retornando ao Brasil para reiniciar as ações de guerrilha contra o governo militar no Oeste paranaense. “Eu estava realizando alguns contatos e, numa dessas minhas idas a Buenos Aires – já para desmobilizar alguns companheiros do Norte do Paraná, porque a gente já estava desmobilizando tudo – eu vi o último comandante da VPR, Onofre Pinto, junto com o ex-sargento do Exército, que tinha conhecido no Ahú, que é o Alberi Vieira dos Santos. Vi mas não me encontrei com ele, vi de longe. Eles que me viram e o Alberi foi atrás de mim. Ele me falou que estavam voltando para o Brasil para retomar a luta armada. Então eu falei pra ele: ‘tudo bem, vamos nos encontrar mais tarde da noite para acertar os detalhes da minha ida e do contato lá na fronteira dos nossos trabalhos’. Eu marquei o encontro, mas não fui. Fui embora, sumi, fui embora de táxi, ônibus, sumi! Mas tarde, quando eu voltei do exílio, esse grupo não apareceu na lista dos sobreviventes.”

O massacre

O plano que Alberi Vieira dos Santos havia descrito para convencer os exilados políticos era o seguinte: o grupo entraria no Brasil por Santo Antônio do Sudoeste (PR), aproveitando a fronteira seca da cidade com a Argentina. Uma vez na cidade brasileira, ficariam escondidos em um sítio no interior de Santo Antônio do Sudoeste, onde havia contatos e estariam mais seguros para reiniciar a guerrilha rural.

Convencidos de que isso seria possível, no início de julho eles conseguem entrar sem dificuldades no país. Estabelecidos, a primeira suposta ação do grupo seria um assalto a uma agência bancária em Medianeira para conseguir dinheiro para iniciar o trabalho. Onofre Pinto, um dos líderes da VPR, foi convencido a ficar de fora, pois a ação envolvia riscos.

Assim, na noite de 13 de julho de 1974, Daniel Carvalho, João Carvalho, Victor Ramos, José Lavéchia e Ernesto Ruggia acompanharam Alberi Vieira dos Santos rumo à Estrada do Colono, no Parque Nacional do Iguaçu, convencidos de que iriam realmente praticar o assalto em Medianeira. O carro em que estavam era dirigido por Otávio Camargo, um suposto guerrilheiro, que na verdade era um militar do Centro de Inteligência do Exército. De repente, cerca de seis quilômetros adentro do Parque Nacional do Iguaçu, o carro pára. A ação é rápida e, de dentro da floresta, um grupo de extermínio do Exército cumpre com sucesso mais uma missão da Operação Juriti. Todos os guerrilheiros foram mortos. Os corpos, cravejados de balas, são enterrados no Parque Nacional do Iguaçu, onde as ossadas permanecem, ainda hoje, aguardando serem descobertas.

Onofre Pinto, que havia ficado no sítio em Santo Antônio do Sudoeste, é levado pelos militares até Foz do Iguaçu, onde é interrogado. Porém, como a ordem dentro da Operação Juriti era eliminar todos aqueles que estiveram envolvidos com ações guerrilheiras, o líder da VPR foi morto com um tiro na cabeça e seu corpo então, foi transportado até Santa Helena, onde acabou jogado no Rio São Francisco Falso.

A investigação

Todos esses fatos foram apurados e descritos minuciosamente por Aluízio Palmar no livro “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?”. Contudo, o início das investigações que acabaram por revelar esse capítulo tenebroso da história do país se deu quase por acaso.

Depois que Aluízio saiu da clandestinidade na Argentina e voltou para o Brasil, em 1979, passou um tempo no Rio de Janeiro, mas logo decidiu fixar-se em Foz do Iguaçu, onde já vivia sua esposa e seus filhos e onde passou a atuar na imprensa.
Aluízio Palmar garante que, até voltar para o Brasil, não sabia qual havia sido o destino do grupo que acompanhou Alberi Vieira dos Santos e do qual ele havia sido convidado a participar. “Não sabia de nada. Até porque alguns disseram que eles estavam na Europa, que ficaram em Cuba ou que foram para não sei aonde. Ou estão no Brasil e não querem aparecer. Aí passa um ano, passa dois, passa três e esse povo não aparece! Alguma coisa aconteceu nessa entrada por Santo Antônio do Sudoeste”, desconfiou ele.

As suspeitas de Aluízio Palmar começaram a ganhar vulto depois que ele soube que Alberi Vieira dos Santos foi assassinado em janeiro de 1979, próximo a Medianeira. “Então, na vida de jornalista, começo a levantar teses sobre o que aconteceu com esse grupo e a procurar esporadicamente. Até que surge a irmã do argentino Enrique Ruggia. Ela entra em contato comigo e me estimula mais nessa procura. Quando o Marival Chaves, um ex-agente do DOI-CODI dá uma entrevista pra Veja e fala que esse grupo foi assassinado na fronteira do Brasil com a Argentina, na cidade de Medianeira, eu bato na mesa e digo: ‘E isso aí! O que me disseram lá no exílio bate com o que o agente do DOI-CODI fala e bate, inclusive, com as informações da irmã do Enrique Ruggia, que disse que o grupo veio por essa fronteira. Então, se o grupo veio por essa fronteira, eu tenho que ir buscar nessa fronteira’. Aí eu começo a buscar no Sudoeste. A informação vaza, a imprensa noticia. Eu já falava que eles tinham sido enterrados na Estrada do Colono”.

Depois de centenas de horas passadas em arquivos, quilômetros rodados atrás de pessoal que poderia auxiliar no trabalho e de alguma pistas falsas (como a que o levou a realizar escavações em busca das ossadas em Nova Aurora, em 2001) plantadas para desviar Aluízio Palmar da sua investigação, ele descobriu o fio condutor que o levou à solução do caso.

A peça que faltava

Depois das pistas falsas, Aluízio Palmar só retomou as investigações quando os arquivos da Polícia Federal foram abertos para a Comissão de Mortos e Desaparecidos, que o credenciou para eu fazer esse trabalho em Foz do Iguaçu. Durante as investigações nos arquivos da Polícia Federal em Foz, com as informações que ele já tinha anteriormente, ele chegou ao nome verdadeiro de Otávio Camargo, que na verdade era o nome de guerra utilizado pelo militar que dirigiu o carro que levou o grupo para ser chacinado na Estrada do Colono.

“Eu fui no Google pesquisar esse nome e apareceu uma multa de trânsito. Quando apareceu a multa de trânsito eu penso: ‘esse cara existe e mora em Foz do Iguaçu’, porque a multa de trânsito era da cidade”, explica o jornalista, que conta como a sorte estava do seu lado.

“Eu fui na casa de um empresário e casualmente contei essa história. O empresário me disse que conhecia essa pessoa, que ela morava em Foz e era amigo dele. Eu disse para essa empresário marcar um encontro dessa pessoa comigo. ‘Eu quero conversar, ele tem que falar pra mim como foi essa operação, como morreram’. Essa pessoa era o motorista que levou o grupo até o Parque Nacional do Iguaçu. Essa pessoa não quis falar comigo, talvez porque quis me matar também. Quis falar só com o empresário e com um agente da Polícia Federal que era amigo dele. Esse motorista, esse agente da chacina, essa testemunha contou com detalhes como morreu o grupo. E ele levou o policial federal e o empresário lá no local da chacina. Entraram por Capanema e vieram em direção a Serranópolis e no Km 8 ele localizou. Ele conta que o grupo saiu de Buenos Aires e foi monitorado todo o tempo pelo Centro de Informações do Exército. O grupo chegou na rodoviária de Posadas, capital das Missiones, tomou outro ônibus e foi em direção à fronteira. Atravessaram a pé. No outro lado, ele já estava esperando com uma Rural Willys e levou o grupo até um sítio. Do sítio, cinco guerrilheiros foram levados até o Parque Nacional, onde já havia um grupo de extermínio preparado para matá-los. A chacina aconteceu e os corpos foram arrastados mais pra frente. Era de noite. No escuro, dentro da floresta, essa pessoa não viu o local exato onde eles foram enterrados. O local pode estar a 10, 8, 20, 30 metros do local da chacina.”

Onde enterraram os mortos?

Aluízio Palmar, de posse dessas informações, lembra que lutou muito com a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, até que em 2005 conseguiu mobilizar uma operação de escavações na tentativa de encontrar os corpos. Porém, os resultados foram decepcionantes. “A busca dentro do Parque Nacional foi uma operação extremamente secreta. Não sei porque tão secreta. Fizeram três, quatro covas, aí vieram ordens de Brasília para evacuar. O plano era ficar um mês, mas em três dias resolveram evacuar”.

Perguntado se ele soube as razões para que viesse essa ordem de evacuação, Aluízio responde em tom de revolta e frustração: “não sei!”, para então desabafar: “se a testemunha deu com riqueza de detalhes como eles morreram, é possível encontrar as ossadas, mas tem que ter paciência, apoio governamental, é preciso haver disposição. E ali naquela expedição que nós fizemos não havia disposição por parte da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos e do Ibama. O Ibama criando todo tipo de dificuldade. É samambaia, não sei o que, não sei o que, o impacto ambiental... criando dificuldade! Saímos frustrados e até hoje esperando que alguém resolva esse impasse!”.


Os personagens da chacina do Parque Nacional do Iguaçu

O algoz

Alberi Vieira dos Santos: peça importante da Operação Juriti, montada pelo Exército para atrair de volta ao Brasil guerrilheiros que viviam fora do país para exterminá-los. “Cachorro da ditadura”*, atraiu os cinco brasileiros e o estudante argentino para a cilada montada pelo Exército no Parque Nacional do Iguaçu, em 1974. Morreu em 11 de fevereiro de 1979, na rodovia que liga Medianeira a Missal. Apesar de sua morte estar associada à bandidagem na região, as circunstâncias em que ela aconteceu ainda são misteriosas: foi assassinado a tiros de arma de uso restrito do Exército.

(*) Cachorro era o termo usado pelos militares para designar militantes políticos que traíam os colegas de luta armada para colaborar com a repressão.


As vítimas

Onofre Pinto: era o mais procurado de todos pelo governo militar. Foi um dos fundadores VPR** e recrutou o capitão Carlos Lamarca para essa organização. Foi preso pelos militares em março de e 1969 e solto seis meses depois junto com outros 14 presos políticos (entre eles José Dirceu, que mais tarde seria ministro do governo Lula) em troca do embaixador norte-americano Charles Elbrick, seqüestrado em setembro de 1969 pelos guerrilheiros do MR8. Ao contrário dos demais, não foi assassinado no Parque Nacional do Iguaçu. Acabou morto cerca de dois dias depois, em Foz do Iguaçu. Seu corpo foi desovado pelos militares no Rio São Francisco Falso, em Santa Helena. Tinha 36 anos quando foi morto.

Joel José de Carvalho: iniciou sua militância política no Partido Comunista Brasileiro. Depois do golpe militar de 1964, passou a atuar no PC do B. Integrou a Ala Vermelha, o Movimento Revolucionário Tiradentes e a VPR. Foi um dos 70 presos políticos trocados pelo embaixador suíço Giovanni Bucher, seqüestrado pela VPR em 1971. Morreu aos 26 anos.

Daniel de Carvalho: irmão de Joel José de Carvalho. Também foi preso político, trocado pelo embaixador suíço. Tinha 28 anos quando foi morto na chacina do Parque Nacional do Iguaçu.

José Lavéchia: sapateiro de profissão e comunista, foi membro do PCB. Depois integrou a VPR e participou da guerrilha do Vale da Ribeira, comandada pelo capitão Carlos Lamarca. Foi preso em maio de 1970 e saiu da prisão em troca do embaixador da Alemanha no Brasil. Contava 55 anos quando morreu.

Víctor Carlos Ramos: saiu do Brasil e foi para o Uruguai ao ter sua prisão preventiva decretada pelo Tribunal Militar. Logo após, foi para o Chile. Em 1974 ingressou no grupo de Onofre Pinto e retornou clandestinamente ao Brasil, sendo logo assassinado no Parque Nacional do Iguaçu com 30 anos de idade.

Ernesto Ruggia: com 18 anos, era o mais novo do grupo assassinado. Argentino, estudante de agronomia, veio para o Brasil acompanhado do amigo Joel Carvalho. Não tinha ligações partidárias

(*) A Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) foi criada em 1968. A organização participou de assaltos e do sequestro do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher.

 

 

4 comentários:

Anônimo disse...
Sabe a história das pistas falsas, como a procura de ossadas em Nova Aurora? Bem ... podem não ser tão falsas assim. É quase certo que as ossadas existiram. O problema é encontrá-las. Na localidade foi construido no final dos anos 60 uma pista de pouso, utilizada até meados doas anos 70 e depois desmobilizada. Nesta pista de pouso, utilizada pelo exercito, vimos quando adolescentes, o exercito montar acampamento por vários dias. Cercavam uma parte da região e por ali ficavam em suposto treinamento, sempre transportando farto material. Jipes eram embarcados e desembarcados dos aviões Ércules, assim como farto material. Caixas que nos deixavam curiosos. Tinhamos time de futebol da garotada da escola e utilizavamos a cabeceira da pista como campo. Quando os militares ali estavam, nos era proibido jogar futebol na cabeceira da pista de pouso junto ao armazém que ali abastecia os colonos da região e uma escola rural. O problema de tudo isso é que ali era um local afastado, mas sabia-se da existencia de uma célula comandada pelo professor Luiz Andrea Favero e sua esposa Clari Isabel de Favero. Estas pessoas acabaram presas possivelmente em abril de 1970, (não sei exatamente a época) em um dia que toda a região estava tomada pelo exercito. A professora Clari Izabel manteve a calma, nos dando aula normalmente de manhã, no "GINÁSIO ESTADUAL JORGE NACLI", inclusive a vi quando passou de jipe pela barreira do exercito, foi checada e não incomodada. Cabe ressaltar que na época ela estava grávida. O então Diretor, Professor Attilio Ortigara foi questionado, e ele alegou aos alunos que a professora Izabel era procurada em Porto Alegre e fora presa por pertencer a um movimento subversivo que combatia o governo e se envolvera em ações durante o ano de 1968. No ano seguinte estranhamente o professor Attilio Ortigara, assim como viera foi embora. Cogitou-se que ele era o elemento do governo, escalado para investigar as atividades da professora Izabel. Morei próximo a pista de pouso. Mudei-me de Nova Aurora em outubro de 1.975, quando a pista já se encontrava em abandono, criando mato. Talvez as escavações não tenham sido feitas no local adequado. Lembrome-me que naquela época as duas margens da pista eram de mata, sendo que a da direita, vista da escola olhando para Nova Aurora, era margeada pela estrada. Por volta de 1972/73 com o abandono da pista, as áreas do lado esquerdo foram desmatados. Sabia-se nesta época que existiam muitos buracos próximo a pista. De repente é uma questão de procurar nos lugares certos, ou mesmo que o tempo já acabou com estas ossadas... Um abraço ... e se precisar mais informações escreva neste espaço ...
Cristiano Viteck disse...
Seria interessantíssimo mais informações a respeito! Qualquer coisa, meu e-mail é cviteck@gmail.com .
Anônimo disse...
A coordenada chave da busca é: 24graus,29 minutos e 50 segundos sul: 53 graus, 17 minutos e 00 segundo Oeste. Esta área tem se mantido em mata de preservação, o que por si só evidencia uma tentativa de guardar um segredo que deve ser guardado. Na baixada, no meio do Campo de pouso, costuma juntar água da chuva na estrada que o margeava, fazendo grandes acúmulos quando chovia. Esta água era escoada para dentro da mata. As escavações na época eram disfarçadas justamente pela terra retirada dos acúmulos de água. Outro ponto a se considerar é do lado da pista oposto à estrada. Ali a água era escoada em grandes acumuladores com mais de 2 metros de profundidade. Estes acumuladores na época eram o disfarce perfeito para manter os corpos no fundo. Após a liberação, foi feito plantio e estes grandes buracos foram tampados com terra, fazendo com que as ossadas se ali estivessem estejam a mais de 2 metros de profundidade. Deve-se levar em conta a possibilidade de estar enterradas justamente na terra enleirada na borda da pista de pouso quando da sua construção. Ela lá permanece até hoje...



terça-feira, 24 de maio de 2011

GUERRILHA DO ARAGUAIA A CONDENAÇÃO DO BRASIL NA CIDH

A Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o Brasil pelo desaparecimento de 62 militantes do PCdoB, durante a repressão à Guerrilha do Araguaia, entre 1972 e 1974. 

A decisão da Corte faz o que o Supremo Tribunal Federal (STF) não fez, em abril de 2010, quando teve oportunidade: reconheceu que os crimes dos agentes de Estado não são políticos, mas contra a humanidade.

O vídeo a seguir é um depoimento de Amélia Teles e Criméia de Almeida que viveram essa história....

terça-feira, 17 de maio de 2011

Na trilha das religiosas francesas mortas pela ditadura militar argentina

13/5/2011

unisinos

Nesta sexta-feira, o advogado Horacio Méndez Carrera apresentará sua defesa no processo sobre a ESMA. Contará os dados aportados pelo processo oral. A reconstrução dos sequestros e do cativeiro no centro clandestino e a relação das freiras francesas com as Ligas Agrárias e o bispo Novak.

A reportagem é de Alejandra Dandan e está publicada no jornal Página/12, 12-05-2011. A tradução é do Cepat.

Horacio Méndez Carrera disse que há 25 anos lhe pediram três coisas: que identificasse a forma como desapareceram as freiras francesas; que encontrasse os autores e uma maneira de condená-los. Também disse que, se na época tivessem lhe dito que transcorreriam 25 anos até a condenação, aqueles que o encarregaram pela busca ainda estariam procurando advogados.

Hoje, finalmente, fará a reconstrução, em uma alegação – na audiência que julga os crimes da ESMA –, da história de Léonie Duquet e Alice Domon. Ele é responsável por recolher os novos elementos que sobre essa história trouxeram o histórico julgamento oral que se aproxima da etapa final e no qual pela primeira vez os testemunhos reconstruíram não apenas o sofrimento das religiosas no centro de extermínio, mas também porque se converteram no alvo dos grupos de tarefa.

“Continua a se dizer que as duas religiosas foram sequestradas pela solicitada e eu estou seguro de que não foi bem assim”, disse Méndez Carrera sobre o trabalho de coleta do dinheiro que levou adiante o grupo de familiares de desaparecidos da Igreja da Santa Cruz para publicar a primeira solicitada com a lista de desaparecidos.

Para o advogado, a razão pelo desaparecimento das freiras remonta a Perugorría, povoado de Corrientes onde Alice Domon começou a trabalhar com as Ligas Agrárias. Alice depois se mudou para Buenos Aires, onde se vinculou à diocese de Quilmes para buscar, no começo, os desaparecidos de Corrientes. Aí começou a atender as vítimas, os familiares, os mais pobres dos pobres, a “criar grupinhos”, disse Méndez Carrera, e enviá-los à “casinha” que Léonie tinha em Ramos Mejía. “Para a Marinha essa casinha de Léonie era um ‘aguantadero’: o lugar onde elas davam de comer aos mais pobres e davam algum dinheiro”.

As alegações da ESMA começaram na semana passada com a reconstrução do que aconteceu com o grupo das doze vítimas da Igreja de Santa Cruz, sequestradas nos dias 8 e 10 de dezembro de 1977, às vésperas da publicação da solicitada.  

Méndez Carrera e Luiz Zamora completarão hoje [ontem] essa alegação, aprofundando em quatro vítimas, entre elas, as duas religiosas francesas da Ordem das Missões Estrangeiras.

No transcurso dos 16 meses de audiências, diferentes testemunhos permitiram reconstruir a vida delas. Declararam irmãos, familiares, religiosas e também militantes de Corrientes. Esses testemunhos – muitos dos quais não foram ouvidos no Juízo das Juntas, primeiro momento em que esses crimes foram julgados para condenar somente os chefes militares – iluminaram o dia a dia das duas.

O de Alice, dona da história talvez mais conhecida, e de Léonie, que, por exemplo, no dia do sequestro deixou em cima da mesa de sua casa o dinheiro equivalente a uma passagem de avião para a França. Um dinheiro que os marinheiros não tocaram porque – segundo a hipótese – não deviam despertar suspeitas no bairro: Léonie tinha que percorrer 15 metros entre a porta de sua casa e a rua, e se alguém se desse conta de que a estavam sequestrando nesse trajeto poderia colocar em alerta os vizinhos, que a conheciam muito bem, em um bairro em que já estava há sete anos.


A história
Alice trabalhou com as Ligas até março de 1977. “As Ligas Agrárias eram um movimento muito importante em uma Argentina feudal – disse Méndez Carrera –, onde havia os barões do tabaco que exploravam os pobres fumicultores de uma forma infame, os matavam de fome, e toda essa economia se fazia com uma produção muito artesanal, onde quem não tinha trator recorria ao arado a mão, havia fome e a situação era espantosa porque as crianças adoeciam e morriam, não de fome, mas devido às doenças”.

Durante sua permanência em Perugorría, Alice viajou para a França para um encontro da congregação. O capítulo aconteceu em 1975, e nesse momento pediu ser desligada dos votos da congregação. Méndez Carrera se deteve bastante neste dado durante a entrevista com Página/12 porque – na sua hipótese – é um dado que os marinheiros usaram para secularizá-las, para tirar-lhes a estampa de religiosas e mencioná-las como “mulheres” e fazê-las entrar, de alguma maneira, no grupo dos inimigos a serem exterminados.

O que ele defende sobre esse momento, e procurou demonstrar durante o julgamento, é que apesar da renúncia, elas não deixaram de ser freiras. Que na França houve um cisma dentro da congregação, que com elas renunciaram outras 15 religiosas e que quando Alice retornou, se instalou no mesmo lugar de Perugorría onde estava e manteve encontros regulares com a superiora da sua congregação.

“Perugorría era o coração da congregação – disse o advogado. Tanto é assim que quando a superiora vinha passava um mês aí, se instalava com elas, olhava tudo”.

Nesse povoado, Alice continuou o compromisso de seu primeiro tempo em Buenos Aires. Ela era especialista em catequese para pessoas com necessidades especiais.

Quando voltou da França, trabalhou na diocese de Morón, onde atendeu ao filho deficiente do repressor Jorge Videla. “O carisma destas mulheres as levava a viver como os mais desamparados – continua Méndez Carrera.

Antes de ir para Perugorría, ela esteve em Villa Lugano cinco anos e se instalou perto do lixão, no lugar mais próximo ao lixão, porque aí estavam as famílias mais desamparadas, aquelas que viviam e comiam o lixo”.

Em março de 1977, a ditadura havia matado um integrante das Ligas, havia feito desaparecer outros, havia sequestrado e outros estavam às vésperas de sê-lo também. “Ou seja, que foi um desastre – disse o advogado. E nesse marco, dizem a ela que caso não saísse, continuariam a desaparecer famílias; é por isso que ela vem para Buenos Aires para tratar de ajudar famílias de lá, que estavam desaparecidas e procurar a liberdade dos outros e é assim que se vincula com Novak”.

O bispo Jorge Novak, de Quilmes, tinha um escritório de Justiça e Paz. Caty, apelido de Alice, “ouvia e tomava nota de todas as pessoas com filhos desaparecidos e não apenas isso, mas oferecia ajuda: afora o apoio espiritual havia o apoio material que era tratar de oferecer o sustento para viver. Elas lhes davam dinheiro e as acompanhavam a fazer os despachos para saber o que havia acontecido com essas pessoas”.

Um dos testemunhos que assinalaram para essa hipótese no juízo foi o da superiora provincial Evelina Irma Lamartine: duas vezes mencionou a palavra “conexão” entre Alice e Léonie, e Méndez Carrera garante que só então compreendeu o fio condutor de suas histórias, deixou de se perguntar pelo compromisso político mais orgânico e entender o que agora define como o “carisma” das duas.

Lamartine disse que havia uma conexão com a casinha de Léonie – explica Méndez Carrera. Caty levava esses grupos a Léonie, aí os alimentavam, porque havia um problema de fome, além disso. Na casa de Léonie faziam uma espécie de parada, se organizavam. Alice preparava recursos de habeas corpus no bispado e acompanhava as pessoas para fazer as apresentações ou o que quer que fosse. Então, essa conexão que havia entre Léonie e Alice era muito estreita. Alice foi morar com Léonie seis meses antes de serem sequestradas, moravam juntas e se queriam profundamente”.

Léonie morava em uma casa com telhado de placas, ao lado de uma capela de Ramos Mejía. Ajudava o padre nas missas, coordenava a catequese, e era fundamental no bairro.

Alice foi sequestrada no dia 8 de dezembro na igreja Santa Cruz. Evelina disse a Léonie nesse momento que fosse embora. As três há tinham sido presas tempo antes em uma das batidas na Praça de Maio. Com elas havia estado também outra das companheiras, Ivonne Pierron, que depois saiu do país em um avião da Embaixada da França. Léonie disse que não, que não sairia, convencida de que Alice seria solta. E ficaria à sua espera. No sábado seguinte, no dia 10 de dezembro, no mesmo dia em que sequestravam Azucena Villaflor em Avellaneda, também ela foi sequestrada.


A ESMA
O Tigre Acosta era o chefe de inteligência da ESMA. Ou nas palavras de uma das testemunhas, “o diretor executivo”. Nas últimas audiências falou e depois de horas, mencionou as freiras, mas não as chamou de freiras, mas “mulheres”.

Disse que a ESMA esteve fechada durante a semana do sequestro. E mesmo que tenha admitido a infiltração de Alfredo Astiz e também a sua, tentou dizer que esse sequestro não foi da ESMA, mas de outros.

Que ele, no dia 10 de dezembro, estava soprando as velas de aniversário de sua filha em Puerto Belgrano. “Uma mentira – disse o advogado –, uma paródia. Todos os dados que recolhemos servem para dizer que esse cara não esteve em Puerto Belgrano, mas em Buenos Aires e se tivesse estado lá, assim mesmo seria responsável. Inventam qualquer coisa para se justificar, porque é a primeira vez que sentam no banco dos réus com uma sentença pronta para cair sobre suas cabeças, por homicídio a prisão perpétua, por fatos gravíssimos, cometidos contra um grupo de civis indefesos, mas curiosamente este grupo de civis indefesos que, com seus lenços brancos, os derrotou, porque se estes senhores estão sentados aí é devido ao espírito de luta inquebrantável de todas estas mulheres”.


O que se sabe hoje sobre o sequestro de Léonie?
Quatro pessoas participaram do sequestro. Entre elas, o Loco Suárez. Havia sido tenente da Marinha, trabalhava em uma empresa multinacional, trabalhou na Ford e na Coca-Cola em Córdoba. Era amante do rugby e da caça. Aos sábados e domingos se dedicava a ir à ESMA para participar de operações especiais. E o Loco Suárez é o fio condutor que nos permitiu chegar perfeitamente à ESMA, porque não era bombeiro, não era do Exército: aos sábados e domingos estava aí, porque o cara fazia isso por esporte: assim como caçava elefantes na África, saía para caçar freiras aqui, é a mesma coisa.


Qual é a reconstrução do que aconteceu com elas na ESMA?
Fizeram dois percursos diferentes: Caty esteve no sótão. Léonie em Capuchita, desde o sábado, dia 10, até o domingo esteve bem. Uma das testemunhas a vê rezando e dizendo: “Creio que a minha irmã também está aqui”. Cometeram a crueldade de separá-las, ainda que as juntaram para a fotografia.

As duas sofrem torturas.
Uma testemunha, Graciela García, contou que quando aplicaram uma injeção na vagina dela teve uma grande infecção, quer dizer que era comum injetar as mulheres nessa zona e assim é que depois veem Alice sem poder caminhar.

Ou seja, que as destroçaram na seringa, afora que arrebentaram sua boca, o olho, deixaram manchas em todo o rosto, nos braços, porque batiam nelas e elas tentavam se proteger, por isso estavam com os braços roxos.

Pelas datas que Acosta deu, e os dados da causa, supõe-se que foram incluídas poucos dias depois no voo da morte de 14 de dezembro, em um avião pilotado pelos pilotos presos na terça-feira.

Também se sabe que na ESMA Caty esteve separada de Azucena. Mas que as duas, do mesmo modo, perguntavam a todos os que viam pela mesma coisa: “qual é o seu nome”. Pediam-lhes os dados convencidas de que sairiam. Alice, além disso, perguntou uma e outra vez pelo rapaz ruivo, convencida de que entre os sequestrados estava também Astiz.

Argentina julga padre torturador

6/7/2007

unisinos

“O padre Von Wernich nos visitou e disse que não deveríamos odiar. Apesar do medo que eu tinha, tomei coragem para dizer-lhe que ficava difícil sentir amor quando havia cinco pessoas me torturando. O padre respondeu que eu e meus colegas deveríamos pagar pelo que havíamos feito, deveríamos pagar com torturas, com mortes, com o que fosse necessário, pois éramos culpados.”

Esse depoimento, de Luis Velasco - sobrevivente dos campos de concentração da ditadura argentina (1976-1983) -, é uma das peças mais importantes do julgamento do ex-capelão da polícia Christian Von Wernich, iniciado ontem em La Plata, capital da Província de Buenos Aires.

A reportagem é de Ariel Palacios e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 6-07-2007. O processo de Von Wernich é manchete de primeira página nos jornais argentinos Página/12 e Clarín, 6-07-2007.

Hoje, na manchete principal do jornal, Página/12, afirma: "Agora mata calando". E no subtítulo informa que "o padre Von Wernich se negou declarar. O padre foi acusado no primeiro dia do julgamento de sete homicídios e 41 casos de privação de liberdade e torturas a pessoas seqüestrads em campos clandestinos".

Usando batina por baixo de um colete à prova de bala e sentado atrás de um vidro blindado, Von Wernich, de 69 anos, ouviu dos promotores a acusação de ter participado de 7 assassinatos, 31 torturas e 42 casos de detenção ilegal. O padre é o primeiro sacerdote da Igreja a ser julgado por crimes contra a humanidade.

Durante a ditadura, a Igreja argentina respaldou o regime militar ativamente, até mesmo participando da rede de inteligência para delatar opositores da ditadura e assistindo às sessões de tortura. Alguns de seus membros também proporcionavam conforto espiritual aos torturadores, aos quais indicavam que estavam prestando um serviço ao cristianismo por combater a “heresia”, o “ateísmo” e o “comunismo internacional”.

Von Wernich era um dos principais homens do general Ramón Camps, o poderoso chefe da Polícia da Província de Buenos Aires, a maior da Argentina. Camps defendia a tese de que era necessário eliminar não só os “subversivos”, como também seus filhos. Sua tese era a de que até os bebês carregavam uma “subversão hereditária”.

As testemunhas também indicam que Von Wernich participou dos chamados “vôos da morte”, nos quais os presos políticos eram lançados vivos de aviões no Rio da Prata. O padre abençoava os oficiais que empurravam os prisioneiros do avião.

Após o fim da ditadura, Von Wernich, para esquivar-se da ação dos organismos de defesa dos direitos humanos, refugiou-se num vilarejo do interior. Mas, em 1989, foi designado para a paróquia da cidade de Bragado, onde - apesar da oposição dos habitantes - se manteve como o padre local com apoio da cúpula da Igreja. Oito anos depois, fugiu para o Chile, onde mudou de nome e permaneceu incógnito, trabalhando numa paróquia. Em 2003, foi descoberto pela revista argentina TXT e extraditado para a Argentina.

Poucos anos após o fim da ditadura, Velasco - unido a Von Wernich por um parentesco distante - encontrou o padre, a quem perguntou: “O que você sentia quando assistia às torturas?” Von Wernich respondeu, sem titubear: “Nada! Absolutamente nada!”

Fora do edifício do tribunal, centenas de pessoas manifestaram-se pedindo prisão perpétua para Von Wernich. Os manifestantes - entre os quais, filhos de desaparecidos - chamavam Von Wernich de “nazista”.

O governo ordenou o aumento da segurança das testemunhas que participam do julgamento - diante do temor de que possam ser seqüestradas, como aconteceu com o aposentado Jorge Julio López, após depor contra outro ex-chefe da Polícia de Buenos Aires, Miguel Etchecolatz.

Argentina condena padre por crimes na ditadura

10/10/2007

unisinos

Vestindo uma batina e um colete à prova de balas, o padre Christian Federico von Wernich, 69, tornou-se ontem o primeiro membro da Igreja Católica a ser condenado por crimes cometidos durante a última ditadura militar na Argentina (1976-1983).

A reportagem é de Rodrigo Rötzsch e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 10-10-2007. A notícia é manchete dos principais jornais argentinos no dia de hoje. Os jornais Clarín e Página/12 dedicam amplo espaço ao tema.

O Tribunal Oral de La Plata considerou Von Wernich culpado, no papel de co-autor, de 42 seqüestros, 32 casos de tortura e sete homicídios - crimes contra a humanidade e genocídio - e o condenou à prisão perpétua.

O julgamento foi o terceiro realizado após a reabertura, em 2005, dos processos contra membros do regime militar na Argentina. Todos acabaram em condenação dos réus.

O veredicto foi atrasado em cerca de uma hora por uma ameaça de bomba que chegou a forçar a desocupação do prédio mas depois se revelou falsa. Centenas de pessoas se juntaram, sob chuva, às portas do tribunal com cartazes pedindo justiça. O público comemorou, inclusive com fogos de artifício, quando o juiz Carlos Rosansky anunciou que os crimes cometidos por Von Wernich configuravam genocídio.

Durante a ditadura, Von Wernich atuou como capelão da Polícia de Buenos Aires. Seu julgamento foi motivado por investigações da Comissão Nacional de Pessoas Desaparecidas, que indicou que o padre fazia uso do seu papel de confessor para extrair segredos dos torturados nas instalações de detenção ilegal da ditadura.

O pior crime imputado a Von Wernich foi a participação no assassinato de sete militantes peronistas, todos com menos de 28 anos de idade. Eles foram convencidos pelo padre a colaborar com seus captores em troca da liberdade, mas acabaram assassinados quando deixaram o centro de detenção - testemunhas afirmaram ao tribunal que Von Wernich estava no veículo que os levou ao local onde foram mortos.

A defesa do padre havia pedido a absolvição de seu cliente, afirmando que ele freqüentava os centros de detenção clandestina só para exercer suas funções de sacerdote.

Na sua exposição final, Von Wernich fez uma defesa não só sua, mas de toda a igreja. "Nunca nenhum sacerdote da Igreja Católica Apostólica Romana violou esse sacramento [da confissão] ou o usou para fins que não o de devolver aos homens a paz".


Papel da igreja
Mas sua condenação volta a pôr em foco a atuação da igreja no último regime militar. O ex-capelão da polícia não foi o único membro da instituição a apoiar a ditadura - a alta cúpula eclesiástica era próxima ao regime e há relatos de participação de religiosos nos chamados "vôos da morte", em que os presos eram atirados de aviões.

Organizações de direitos humanos cobram que a igreja reconheça enfaticamente sua responsabilidade por crimes cometidos sob a ditadura.

A Igreja Católica, que se manteve silenciosa durante os mais de três meses de julgamento, deve divulgar um comunicado sobre a condenação. O texto, porém, deve fazer referência apenas a responsabilidades individuais do padre.

É também provável que a arquidiocese de Nove de Julho decida tirar de Von Wernich o direito de exercer o sacerdócio, ainda em vigor apesar das acusações contra ele serem conhecidas desde 1984.

Durante o julgamento, o bispo Marcelo Melani, uma das cerca de cem testemunhas de acusação, fez uma espécie de mea-culpa. "Não se trata de julgarmos Von Wernich e sim de pensarmos que atitude tivemos cada um de nós, nossas comunidades e toda a igreja ante o avassalamento da vida e dos direitos mais elementares", disse.

Vítima e cúmplice: os caminhos da Igreja argentina nos anos de horror

unisinos

14/10/2007

A Igreja católica argentina, “partida em duas durante os anos da cega ditadura de Onganía, de claro conteúdo pré-conciliar (de Trento, se ironizava então), transitou os dois caminhos que tinha pela frente: a proximidade como os poderes de turno por um lado, e a participação no movimento de padres terceiromundistas, a Teologia da Libertação e a opção pelos pobres, por outro.

A última ditadura só fez aprofundar essa divisão da qual Von Wernich é seu aparente bode expiatório”, diz Alberto Amato em artigo publicado no Clarín, 10-10-2007. A tradução é do Cepat.

“A Igreja, que sofreu na própria carne o terrorismo de Estado, é vista como cúmplice silenciosa daquele horror, como se tivesse abençoado a ditadura, além de consolar e reconfortar os seus torturadores e assassinos”, conclui Amato.

Segue a íntegra do artigo.
Christian Von Wernich falou ontem [anteontem] de paz e reconciliação. Citou Jesus e seus Apóstolos e assegurou, apoiando-se na nossa Bíblia, que a paz permite pensar com liberdade. De passagem, referiu-se a falsos testemunhos, como para desacreditar a condenação que recebeu.

Não fez referência à verdade, necessária para a paz e a reconciliação, da qual a Bíblia também fala. Há vinte anos Von Wernich não falava assim. “Vivi uma guerra do ponto de vista ideológico, que é o de um conservador de centro”, disse numa reportagem a 7 Días, em 1984, que lhe valeu sete dias de detenção no Congresso Nacional.

Nesse espírito entre guerreiro e bíblico que separam o Von Wernich de 1984 do de ontem está parte do conflito não resolvido da Igreja argentina que hoje olha para aqueles anos de horror.

Partida em duas durante os anos da cega ditadura de Onganía, de claro conteúdo pré-conciliar (de Trento, se ironizava então), a Igreja transitou os dois caminhos que tinha pela frente: a proximidade como os poderes de turno por um lado, e a participação no movimento de padres terceiromundistas, a Teologia da Libertação e a opção pelos pobres, por outro. A última ditadura só fez aprofundar essa divisão da qual Von Wernich é seu aparente bode expiatório.

“Quererá Cristo que algum dia as Forças Armadas estejam além de sua função? O Exército está expiando a impureza de nosso país. Os militares foram purificados no Jordão do sangue para colocarem-se à frente de todo o país”, disse em setembro de 1975 o vigário geral do Exército, monsenhor Victorio Bonamín.

Não era o único anúncio do horror por vir, com a desculpa de enfrentar o delírio guerrilheiro, já quase derrotado quando ocorreu o golpe de 24 de março de 1976.

O próprio Von Wernich disse naquela reportagem a 7 Días. “(...) Que me digam que [o general Ramón] Camps torturou um negrinho que ninguém conhece, vá lá. Mas como iria torturar Jacobo Timerman, um jornalista sobre o qual houve uma constante e decisiva pressão mundial... Que se não fosse por isso...”.

Se houve autoridades eclesiásticas “processistas” houve bispos que foram contrários à ditadura, como Vicente Zaspe, Jorge Novak, Esteban Hesayne, Jaime de Nevares, Enrique Angelelli, assassinado em agosto de 1976, e monsenhor Carlos Ponce de León, também assassinado em 1977.

Ao menos 18 sacerdotes foram assassinados ou figuram como desaparecidos, entre eles os palotinos baleados em julho de 1976; outros dez padres estiveram presos na ditadura; trinta foram seqüestrados e levados para os centros clandestinos de detenção e em seguida libertados; onze seminaristas foram assassinados ou figuram como desaparecidos e, é muito difícil de calcular, mas se acredita que são mais de cinqüenta os leigos católicos vítimas da repressão ilegal.

A Igreja, que sofreu na própria carne 
o terrorismo de Estado, é vista como cúmplice silenciosa daquele horror, como se tivesse abençoado a ditadura, além de consolar e reconfortar 
os seus torturadores e assassinos.

Cada vez que esses fantasmas do passado se agitam, a hierarquia eclesiástica argentina teme, e freia, um eventual julgamento do Episcopado da época. Em 1996, o ato de contrição dos bispos admitiu que o que foi feito nesses anos “não foi suficiente para impedir tanto horror”; lamentou que tenha havido católicos que “justificaram e participaram da guerrilha e arrastaram lastimavelmente a muitos jovens. E houve grupos entre os quais se contaram muitos filhos da Igreja, que responderam ilegalmente à guerrilha de uma maneira ilegal e atroz que nos envergonha a todos”.

Muitos não se conformaram com a descrição do fenômeno, inclusive alguns setores da própria Igreja. “A Igreja não matou, mas não salvou. Devemos estar do lado dos crucificados e não tão perto dos crucificadores”, disse o padre Rubén Capitanio a Von Wernich no processo de julgamento deste último.

“A Igreja não moveu um só dedo pela morte violenta de um dos seus”, disse o padre Arturo Pinto, que acompanhava Angelelli no dia em que foi assassinado.

“A Igreja poderia ter feito mais”, disseram em 1995 dois arcebispos, Carlos Galán e Domingo Castagna, e três bispos: Justo Laguna, Jorge Caseretto e Emilio Bianchi Di Cárcano.

Nem o Governo escapou da polêmica. Quando a Igreja criticou sua visão parcial do que aconteceu nos tormentosos anos 70, o presidente Néstor Kirchner respondeu com uma iracunda pergunta: “Aonde estavam os bispos quando aqui desapareciam crianças?” Tempos depois, num gesto de distensão, Kirchner e o cardeal Jorge Bergoglio participaram juntos de um ato na Paróquia onde foram assassinados os palotinos.

É possível pedir às autoridades eclesiásticas uma contrição maior, no momento em que pela primeira vez na história argentina um de seus sacerdotes é condenado por torturas, seqüestros e assassinatos? Von Wernich não pensava nisso quando ontem falou de paz e reconciliação.

Argentina condena seu último ditador à prisão perpétua

unisinos

15/04/2011

A Justiça argentina condenou ontem à prisão perpétua outro ex-presidente do país por crimes contra a humanidade ocorridos na última ditadura (1976-1983).
A reportagem é de Lucas Ferraz e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 15-04-2011.

Reynaldo Bignone, 83, último militar a dirigir a Argentina -foi ele que passou a faixa a Raúl Alfonsín, primeiro presidente da redemocratização, em 1983-, passará o resto da vida em um cárcere comum, segundo a sentença, por coautoria de sequestros, torturas e homicídios.

O mentor do golpe e primeiro presidente da ditadura, Jorge Videla, 85, também cumpre pena perpétua -ele foi condenado em 2010.

Bignone já tinha uma condenação a 25 anos de prisão por outros crimes ocorridos no período. Ele também é implicado em outro processo que tramita na Justiça, sobre os crimes de ocultação e sequestro de 34 bebês de militantes de esquerda.

O ex-presidente foi condenado ontem pela participação no sequestro e morte de estudantes e militantes da esquerda peronista. Ele também foi relacionado como responsável pelo sequestro de um ex-deputado federal no final da década de 1970.

Quase todas as vítimas estiveram no Campo de Mayo, um dos 340 centros de detenção clandestinos do regime. Segundo a ação, os crimes se deram no período seguinte ao golpe de março de 1976.

Além de Bignone, foram condenados à prisão perpétua Martín Rodríguez, ex-chefe de inteligência do Exército, e Luis Patti, ex-chefe de polícia de Buenos Aires. A leitura da sentença mobilizou o país: emissoras de TV e rádio pararam a programação para transmiti-la ao vivo.

Com os casos de ontem, já são 204 as condenações de ex-integrantes das Forças Armadas, polícias, forças de segurança e civis envolvidos na repressão. São mais de 480 pessoas presas, segundo o Ministério Público Federal.

A Argentina teve uma das ditaduras mais brutais da América Latina, com quase 30 mil mortos e desaparecidos em oito anos.

Houve compromissos da Igreja com a repressão na Argentina, diz Pérez Esquivel

15/9/2007

unisinos

“Deus não mata.” Essa inscrição, escrita com o próprio sangue por um detento na parede da Superintendência de Segurança Federal, deixou uma marca que nunca mais se apagou no Prêmio Nobel da Paz, Adolfo Pérez Esquivel.

Na última audiência contra o ex-capelão da Polícia bonaerense Christian von Wernich, tanto a Igreja Católica argentina como o Vaticano foram duramente questionados. “Tratei de motivar a cúpula da Igreja para que nos ajudasse na busca dos desaparecidos, mas nunca tivemos resposta”, afirmou.

Depois de relatar seu cativeiro e a vôo da morte do qual se salvou, Pérez Esquivel sentenciou: “Houve concepções ideológicas e interesses que levaram setores da Igreja a se comprometerem com a ditadura e com a repressão”.

A matéria é do jornal Página/12, 14-09-2007. A tradução é do Cepat.


Em sua declaração, descreveu um encontro com o Papa João Paulo II no qual lhe apresentou um relatório com 84 casos de crianças desaparecidas e recebeu uma resposta: “Você tem que pensar também nas crianças dos países comunistas”.

Diante do tribunal também se apresentou o teólogo e ex-sacerdote, Rubén Dri, que enviou ao então presidente da Conferência Episcopal, o cardeal Raúl Primatesta, um documento sobre as violações dos Direitos Humanos que nunca foi respondido.

Os familiares dos funcionários civis que deviam declarar ontem por sua participação na última ditadura, não ficaram para escutar o relato de Pérez Esquivel, presidente do Serviço de Paz e Justiça (Serpaj) na América Latina.

Ele tinha sido citado como Prêmio Nobel da Paz – para o qual foi candidato estando no cativeiro – e por sua participação no Movimento Cristão não violento na América Latina que, em 1975, deu lugar ao Movimento Ecumênico e à Assembléia Permanente pelos Direitos Humanos.

Com seu testemunho, Esquivel deu contas das similitudes do processo militar em toda a América Latina e do “avanço entre luzes e sombras, com grandes contrastes” da Igreja.

Depois de 24 de março de 1976, abandonou o país e viajou para Riobamba, Equador, onde foi preso junto com 14 bispos latino-americanos e 4 norte-americanos por um batalhão do exército local num episódio que foi relacionado com a “Operação Condor” e “a internacional do terror”.

Ali também foram acusados de subversivos, e o bispo de Riobamba lhes respondeu: “O único livro subversivo que temos é o Evangelho”. Para esse encontro eram aguardados dois bispos argentinos, Enrique Angelelli, de La Rioja, e Vicente Zaspe, de Santa Fé. “Com Angelelli havia falado alguns dias antes de seu assassinato. Tinha dificuldades para chegar ao Equador porque haviam assassinado dois sacerdotes de sua diocese”, detalhou Pérez Esquivel de suas últimas conversações com o bispo. “O que acontecia quando se trabalhava nas favelas – declarou –, quando se atendia os pobres e os camponeses, quando se trabalhava com os setores mais necessitados, era que o sistema os via como inimigos”.


De volta à Argentina, no dia 4 de abril de 1977, Pérez Esquivel foi preso no departamento de polícia quando tentava renovar seu passaporte. A partir de então passou pela Superintendência de Segurança Federal – para onde também levaram o diretor do jornal Buenos Aires Herald, Robert Cox e a família Graiver –, pela base aérea de Morón em El Palomar e pela Unidade número 9 de La Plata. “Nunca fui interrogado apesar das torturas”, resumiu. Além disso, fez uma análise clara sobre a situação geral: “A doutrina da segurança nacional, imposta como política para todo o continente, é muito clara: assinala que é preciso esvaziar a religião de conteúdo por causa da ação psicossocial que exerce sobre os povos”.

Em 1981, aconteceu a primeira audiência com o Papa. As Mães e as Avós da Praça de Maio – que ainda estavam em formação – haviam elaborado um relatório com o caso de 84 crianças seqüestradas e desaparecidas no país. “Eu o entreguei nas mãos do Papa – lembrou. Não foi uma reunião feliz. Foi uma reunião muito complicada, um recebimento muito duro e muito frio. Disse ao Papa que lhe levava o dossiê que nos havia sido dado por Chicha Mariani, fundadora das Avós da Praça de Maio”.

“Mandei este relatório por três canais diferentes, mas ele me disse que o mesmo nunca chegou em suas mãos. O Papa guardou isso e depois, muito mal humorado, me disse: Você tem que pensar nas crianças dos países comunistas. Eu lhe respondi que temos que pensar em todas as crianças do mundo, mas estas são crianças seqüestradas e desaparecidas na Argentina por uma ditadura que se diz cristã e ocidental”, relatou.

Em outras oportunidades a Nunciatura Apostólica recebeu uma chamada de intervenção por parte do Vaticano. Alguns desses encontros com o núncio Pio Laghi “foram muito duros e muito críticos”. “Aqui estiveram os três comandantes à noite e lhes falei da questão dos desaparecidos e sobre os direitos humanos na Argentina. O que quer que faça?, eu não posso fazer o que os bispos argentinos não querem fazer”, foi a resposta de Pio Laghi numa dessas reuniões, segundo relatou Pérez Esquivel.

Na madrugada de 5 de maio de 1977 o levaram até o que Pérez Esquivel reconheceu como o aeroporto de San Justo. “Vejo na pista um avião – relatou – e me algemam. O avião era pequeno. Havia um oficial, um suboficial, três soldados, o piloto e o co-piloto. Voa sobre o Rio da Prata, o Paraná das Palmas, o Paraná Guazú, o Paraná Mirim, a ilha Martín García, reconheço a costa do Uruguai, a barra de San Juan. O avião dá voltas e voltas sobre esse lugar até que chega uma ordem para que o avião se dirigisse à Base Aérea de Morón, no Palomar. Ou seja, sou um sobrevivente desses vôos da morte”.

O último testemunho pertenceu a Rubén Dri, teólogo e filósofo que havia sido ordenado sacerdote em Chaco e que teve que se exilar no México a partir de 1976. Ali elaborou um documento sobre as violações dos Direitos Humanos que enviou ao cardeal Primatesta sem que este lhe respondesse. “Achávamos estranho que a hierarquia eclesiástica não denunciasse estes terríveis fatos”, confessou. Além disso, criticou a existência das capelanias porque os militares podem confessar-se com o sacerdote que lhe corresponde.

No julgamento se colocou o problema da responsabilidade do capelão que, segundo Dri, se após denunciar os fatos ao seu bispo não recebe a ordem de abandonar seu cargo, deve renunciar por sua própria conta. “É uma aberração aceitar trabalhar num lugar em que se violam todos os direitos cristãos”. Recusou totalmente que possam ser consideradas como confissões as condições em que Von Wernich atuava nos centros clandestinos. “A confissão não é válida se o que a recebe pertence a outra religião” e, em sendo católico, “tem que haver um consentimento absolutamente explícito”, esclareceu. Além disso, sustentou que é um ato totalmente privado, razão pela qual não é lícito que haja outras pessoas presentes nesse momento.

O cardeal Bergoglio e os trinta anos do golpe na Argentina

12/5/2006

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=3649 

 (infelizmente o site unisinos passou por reformulações e certos arquivos não mais são encontrados e esse é um deles - o link portanto não mais funciona)

 Eis de novo em evidência a Igreja católica da Argentina, uma das mais conservadoras, senão reacionária da América Latina e cuja cumplicidade durante os atrozes anos da ditadura militar, entre 1976 e 1983, escandalizaram o mundo.

Quem traz para a superfície a memória daquele período nefasto, cravejado de 30 mil desaparecidos, é Horácio Verbitski, jornalista e escritor argentino que foi nestes 22 anos de democracia um dos mais próximos companheiros das Mães da Praça de Maio.

Agora, com Kirchner, o vento mudou e são disse Verbitski "ao menos 200 os militares na prisão" e 1.400 as causas judiciárias pela violação dos direitos humanos. A notícia é do Il Manifesto, 10-5-06.

Segundo o Il Manifesto, Verbitski é autor de quinze livros, entre eles O Vôo que relata o testemunho do capitão da marinha Adolfo Scilingo sobre os vôos da morte, nos quais detentos vivos eram jogados dos aviões no Rio da Prata.

Agora, Verbitski - afirma o jornal italiano - lança na Itália o seu livro A Ilha do Silêncio no qual desenvolve uma implacável acusação contra o papel da Igreja na ditadura argentina.

Em A Ilha do Silêncio, que se lê como um romance de fato e atroz, diz o Il Manifesto, comparecem todos os nomes notáveis da Igreja na Argentina, os cardeais Caggiano, Aramburo e Pimatesta, os bispos e vigários castrenses Tortolo, Bonamin e Grasseli, e o habitual núncio Pio Laghi. Mas também o nome do atual cardeal Jorge Mario Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires, que poderia ter se tornado o primeiro papa latino-americano no conclave após a morte de Wojtyla, vencido por Ratzinger.

De acordo com Il Manifesto, "uma vitória do jesuíta Bergoglio teria sido uma desgraça não menor daquela do pastor alemão". E Verbitski, segundo o jornal, explica e documenta o porque.

Esclarecedor e demolidor, em particular, é o acontecimento dos dois padres jesuítas, Orlando Yorio e Francisco Jalics, que fizeram o erro de trabalhar nas favelas de Buenos Aires e por isto foram traídos e entregues aos militares por Bergoglio (que obviamente nega), diz o jornal a partir de relatos do jornalista.

Verbitski contou estes fatos na Universidade de Roma, apresentando o livro, acompanhado pelo vice-reitor Maria Rosalba Stabili e pelo professor Cláudio Tognonato. Eles três e outros inumeráveis participantes falarão hoje e amanhã da "Argentina; trinta anos do golpe. O Exílio na Itália" destaca o Il Manifesto.

Padre que abençoava voos da morte é denunciado durante missa

29/3/2011

unisinos

O padre Alberto Angel Zanchetta, que em 2009 se aposentou como capitão de fragata e capelão da Marinha, é acusado de ter abençoado os voos da morte por meio dos quais presos políticos e desaparecidos eram lançados ao mar durante a última ditadura argentina.

No último domingo, Zanchetta foi denunciado publicamente por jovens militantes peronistas e familiares de desaparecidos enquanto rezava missa em uma paróquia de Buenos Aires. Os moradores da região pediram sua remoção imediata da paróquia.

A reportagem é de Stella Calloni, publicada pelo jornal mexicano La Jornada e reproduzido por Carta Maior, 28-03-2011. O jornal argentino Página/12, na edição do último domingo, publicou uma ampla reportagem sobre o caso.

Um padre que abençoava militares argentinos e os voos da morte por meio dos quais a ditadura jogava presos políticos-desaparecidos vivos no mar, foi localizado por jovens militantes em uma paróquia de San Martín, na província de Buenos Aires, e denunciado publicamente enquanto rezava a missa.

O padre Alberto Angel Zanchetta, que em 2009 foi aposentado como capitão de fragata e capelão da Marinha, continua exercendo o sacerdócio em paróquias da capital argentina e arredores, apoiado pelo cardeal Jorge Bergoglio.

Entre os anos 1975 e 1976, Zanchetta serviu na Escola de Mecânica da Armada (ESMA), considerada o maior centro clandestino de detenção da ditadura e onde desapareceram cerca de 5 mil pessoas. Depois que o Ministério da Defesa, comandado pela advogada Nilda Garré, determinou a remoção de Zanchetta em 2009, o jornal Página/12 descobriu-o em uma igreja do antigo bairro de San Telmo.

Diante do escândalo, a cúpula da Igreja Católica enviou-o para Itália por um tempo e acreditando que tudo havia caído no esquecimento, decidiu reintegrá-lo à paróquia da localidade de 3 de fevereiro, próxima da de San Martín, onde ele foi novamente localizado por familiares dos desaparecidos e sobreviventes. No dia 6 de março, o padre foi enviado então para a paróquia de San Martín, mas ele foi mais uma vez localizado por familiares de desaparecidos que alertaram os moradores do lugar.

Quase ao terminar a missa, no último domingo, um grupo de militantes da Juventude Peronista Evita e familiares de vítimas seguiram atentamente seu sermão, carregado de intrigas políticas. Um dos jovens levantou-se, interrompeu a missa e disse a todos os assistentes que aquele padre havia estado na ESMA durante a ditadura, enquanto seus companheiros distribuíam um panfleto contendo um alerta aos moradores. “Na igreja de seu bairro um assassino está rezando a missa” – denunciava o panfleto.

No dia seguinte, integrantes da Pastoral Social pediram ao bispo da região que retirasse Zanchetta da paróquia. A comunidade espera agora uma decisão da Cúria, enquanto seguem aparecendo cartazes dizendo que, como aconteceu com os nazistas, os assassinos da ditadura serão buscados não importa onde forem.

No livro El vuelo, de Horacio Verbistky, o ex-capitão da Marinha, Adolfo Scilingo – preso atualmente na Espanha – fez sua primeira revelação sobre sua participação nos vôos da morte. Ele relatou que no regresso do primeiro vôo em que atuou jogando pessoas ao mar se sentiu muito mal e se aproximou de um capelão da Marinha, que o acalmou dizendo que era uma morte cristã porque as vítimas não sofriam.

A organização Hijos (de desaparecidos) solicitou a um juiz federal que denuncie Zanchetta, que juntamente com outro capelão, Luiz Antonio Manceñido, são apontados como confessores dos militares da Marinha, já tendo sido reconhecidos por sobreviventes.

Ex-ditador argentino Jorge Videla é julgado por assassinato de presos políticos

3/7/2010

unisinos


É o primeiro julgamento oral e público que o ex-presidente Jorge Rafael Videla enfrenta desde o Julgamento das Juntas Militares e o maior da história argentina em termos de condenados. São julgados por fuzilamento de presos e torturas a policiais.

A reportagem está publicada no jornal argentino Página/12, 02-07-2010. A tradução é do Cepat.

O Tribunal Oral Federal 1 de Córdoba começou a julgar nesta sexta-feira o ditador Jorge Rafael Videla. Trata-se do primeiro processo contra o ex-presidente de fato desde o julgamento dos ex-comandantes, há 25 anos, quando a Câmara Federal de Buenos Aires o condenou à prisão perpétua.

Junto com o ex-militar de 84 anos se sentarão no banco dos réus Luciano Benjamín Menéndez, ex-chefe do Terceiro Corpo de Exército, condenado à prisão perpétua em outros dois julgamentos recentes, e outros 29 militares retirados, ex-policiais (inclusive uma mulher) e um médico civil. Darão contas durante seis meses pelo fuzilamento de presos políticos da Unidade Penitenciária 1 (UP1) de Córdoba e pela tortura de cinco policiais provinciais e o irmão de um deles por parte de agentes do Departamento de Informações (D2) da própria Força.

Símbolo máximo da Junta Militar, que em 24 de março de 1976 derrubou a presidenta Isabel Martínez de Perón, Videla esteve preso entre 1985 e 1990, quando foi anistiado pelo ex-presidente Carlos Menem. A partir de 1998, gozou de prisão domiciliar condenado por roubo de bebês e dois anos atrás o juiz federal Norberto Oyarbide ordenou sua transferência para a Unidade Penal 34 de Campo de Mayo, sob a custódia do Serviço Penitenciário Federal, mas exclusiva para militares acusados. Desde a semana passada, Videla aguarda na prisão de Bower o começo de seu primeiro julgamento oral e público desde a reabertura das causas.

Menéndez também foi indultado por Menem. Foi processado, mas sem condenação. Desde a declaração de inconstitucionalidade das leis de impunidade e a restauração dos processos, ostenta o recorde de juízos e de condenações perpétuas: duas em Córdoba e outra em Tucumán, onde ainda enfrenta seu segundo julgamento por torturas e assassinatos na Chefadura da Polícia, que deverá ser concluído dentro de duas semanas.

Menéndez costuma ler uma apologia de seus crimes no começo de cada julgamento e durante as “últimas palavras” prévias a cada sentença, quando admite sua responsabilidade sobre os trabalhos sujos de seus subordinados. Desde ontem, pela primeira vez, enfrenta um julgamento junto com um ex-militar de patente maior.

O processo que os juízes Jaime Díaz Gavier (presidente), Carlos Lescano e José Pérez Villalobos irão conduzir, é o maior da história argentina em termos de repressores acusados e surge da elevação de dois expedientes que se instruíram separadamente.

A causa “UP1” reúne os assassinatos ocorridos entre abril e outubro de 1976 de 27 presos políticos da prisão de San Martín, crimes que eram publicizados em comunicados como frutos de “tentativas de fuga”.

Ao contrário da maior parte das vítimas da ditadura, tratava-se de militares presos antes do golpe de Estado e registrados, não desaparecidos. Outras três vítimas foram torturadas e assassinadas na sede do D2, ao lado da Catedral. Um quarto, não foi visto no cativeiro, mas foi achado crivado de balas. Na segunda causa, denominada “Gontero”, foram investigados os sequestros e a tortura de cinco policiais e o irmão de um deles, todos estudantes universitários, por parte de seus camaradas do D2.

Pelos tormentos agravados e os homicídios qualificados no UP1 serão julgados, além de Videla e Menéndez, os generais Vicente Meli (chefe de Estado Maior da Brigada da Infantaria Aerotransportada 4) e Victor Pino Cano (chefe do Regimento de Infantaria Aerotransportada II); o coronel Osvaldo César Quiroga (chefe de operações especiais do centro clandestino La Perla); os tenentes-coronéis Carlos Poncet (chefe de pessoal da Brigada), Jorge González Navarro (chefe de assuntos civis), Eduardo Raúl Fierro (alias Francês, ex-chefe da divisão de inteligência da Brigada), Juan Emilio Huber (chefe da Companhia de Polícia Militar 141) e Enrique Pedro Mones Ruiz; os majores Adolfo Gustavo Alsina (ex-membro da COM 141), Francisco  Pablo D’Aloia e Miguel Angel Pérez (assassino confesso do preso político Raúl Augusto Bauducco); o suboficial major Carlos Hiber Pérez, o suboficial principal José Antonio Paredes (ambos ex-PM 141) e o médico José Felipe Taliv, o único civil imputado, que prestou serviços na divisão medicina legal da polícia.
 Pela mesma causa serão julgados o comissário major Luis Alberto Rodríguez, os sargentos Marcelo Luna e Ricardo Cayetano Rocha, e o oficial ajudante Juan Eduardo Molina, todos ex-membros do D2.


Cinco policiais estão incriminados nas duas causas. Trata-se de Miguel Angel “Gato” Gómez (condenado em 2009 a 16 anos de prisão por torturas e o assassinato de Ricardo Fermín Albareda), Carlos Alfredo “Tucán Grande” Yanicelli (encarregado da divisão de investigações e membro da plana maior da polícia de Córdoba até 1997), o comissário Jamil “Turco” Jabour, o sargento Calixto Luis “Chato” Flores (absolvido no julgamento pelo assassinato de Albareda) e o primeiro cabo Alberto Luis “Chatarra” Lucero.

Por privações ilegais da liberdade e por tormentos na causa “Gontero” são levados a julgamento, além de Menéndez, o coronel retirado Hermes Oscar Rodríguez (ex-chefe do Destacamento de Inteligência 141, condenado a 22 anos de prisão na causa “Brandalisis”, pena que cumpre em sua casa em Mendoza), os oficiais do D2 Rodolfo Gustavo Salgado, Fernando Martín “El Tuerto” Rocha e José Eugenio San Julián, o suboficial Luis David “Moro” Merlo e a ex-cabo Graciela “Cuca” Antón, apontada como quem dava os tiros de misericórdia nos camaradas condenados por seus pares.

Corte argentina anula indulto de repressor

14/7/2007

unisinos

A Corte Suprema argentina deu ontem mais um passo para permitir que os repressores da última ditadura militar no país (1976-1983) sejam julgados por supostos crimes cometidos durante o regime ao declarar inconstitucional o indulto concedido pelo presidente Carlos Menem, em 1989, a Omar Santiago Riveros, 83. Riveros comandava os Institutos Militares, órgão que controlou centros de detenção clandestinos.

Antes de ser indultado, Riveros cumpria pena por homicídio qualificado, crime pelo qual foi julgado em 1985. A reportagem é de Rodrigo Rötzsch e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 14-07-2007. A notícia é destaque de primeira página dos jornais Clarín, Página/12 e La Razón de hoje.

A decisão da Corte, tomada por quatro votos a favor, dois contrários e uma abstenção, abre caminho para que sejam declarados nulos os indultos contra outras dezenas de militares indultados por Menem, como Jorge Rafael Videla e Eduardo Massera, integrantes da junta militar que governou a Argentina entre 1976 e 1981. Um tribunal de instância inferior já considerou inconstitucionais os indultos contra Massera e Videla.

A decisão de ontem da Corte Suprema se soma a duas outras tomadas já durante o governo Néstor Kirchner, no qual foram nomeados quatro dos sete membros da Corte: a de que crimes contra a humanidade não prescrevem e a anulação das leis da Obediência Devida e do Ponto Final, que, ainda no governo de Raúl Alfonsín (1983-89), puseram fim ao processo de julgamentos dos acusados por crimes durante a ditadura.

Até hoje, as decisões da Corte permitiram a reabertura de 990 causas contra participantes do regime militar. Já foram condenados o policial Julio Simón e o ex-chefe da polícia de Buenos Aires Miguel Etchecolatz.

Na semana passada, começou o julgamento do ex-capelão da polícia Christian von Wernich, primeiro padre a ser julgado por supostos crimes cometidos na ditadura.


Ao justificar sua decisão, a Corte declarou que "os crimes contra a humanidade, por sua gravidade, são contrários não só à Constituição mas a toda a comunidade internacional". "Pesa sobre todos os Estados a obrigação de esclarecer tais crimes e identificar os culpados."

O ex-presidente Menem, hoje senador e pré-candidato à Presidência, criticou a decisão da Corte e as ações de Kirchner.

"O atual governo iniciou uma política de revisão do passado que não faz mais do que reavivar ódios [...]. Kirchner imprimiu uma visão torta, destinada a anular os indultos de uma das partes, enquanto se preservam vigentes os da outra, os das organizações terroristas", escreveu Menem, em nota.


Competência
A decisão da Corte ontem se refere ao decreto 1002/1989, pelo qual Menem indultou militares processados por homicídios, privações ilegais de liberdade e outros delitos.

Não afeta, porém, o decreto 1003 do mesmo ano, com o qual o então presidente anistiou 64 processados por atos subversivos na ditadura. Entre os indultados neste último, está o deputado federal Miguel Bonasso, ex-militante do grupo radical montoneros e hoje na base de apoio de Kirchner.

Organismos de direitos humanos e as Mães da Praça de Maio elogiaram a decisão da Corte, mas criticaram outra também tomada ontem pelos ministros: eles consideraram que a Câmara dos Deputados não pode impedir a posse de um parlamentar eleito, como fez em 1999 com o ex-governador de Tucumán, Antonio Bussi, por sua atuação na ditadura.

O mandato de Bussi já terminou, mas a decisão pode beneficiar o ex-delegado Luis Patti, que foi proibido de assumir em 2006 e cujo mandato só vence em dois anos. Patti agora deve iniciar processo para tentar assumir sua vaga na Câmara.

Militar argentino acusado de jogar ''terroristas'' ao mar é preso

25/9/2009

unisinos

O militar contou diante de seus companheiros da empresa aérea Transavia que pilotou voos dos quais jogavam "terroristas". Ele foi denunciado à Justiça holandesa. Uma investigação conjunta com a Argentina permitiu prendê-lo em sua última viagem antes de se aposentar.

A reportagem é de Diego Martínez, publicada no jornal Página/12, 24-09-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

A um terço de século dos crimes e a 14 anos da confissão do capitão Adolfo Scilingo, a Justiça deteve, pela primeira vez, um piloto das Forças Armadas argentinas por jogar pessoas vivas ao mar durante a última ditadura do país. O tenente de fragata retirado Julio Alberto Poch, radicado desde 1988 na Holanda, onde se reciclou como piloto civil, foi capturado na terça-feira na pista do aeroporto de Manises, em Valência, por agentes da Polícia Nacional da Espanha.

Nesse mesmo dia, por ordem de um juiz penal do Reino dos Países Baixos, a polícia holandesa invadiu sua casa na cidade de Alkmaar, onde encontrou a arma regulamentar que usava quando pertencia à Armada e documentação sobre seus voos registrados entre 1974 e 1980. Poch passou sua primeira noite preso no centro penitenciário Picassent, onde agora deverá esperar sua extradição à Argentina.

A denúncia contra o ex-aviador naval de 57 anos foi formulada há dois anos por seus próprios companheiros da empresa aérea Transavia, que o evitaram depois de escutá-lo justificar sua atuação nos voos da morte.

A investigação da Justiça e do governo do Reino dos Países Baixos foi corroborado pelo juiz federal Sergio Torres, encarregado da megacausa ESMA [Escola de Mecânica da Armada], que em dezembro ordenou a detenção. No mesmo tribunal, hiberna há quatro anos uma instrução idêntica, originada na confissão do capitão-de-corveta Hemir Sisul Hess, que, após a publicação de sua história no jornal Página/12, começou a organizar uma longa viagem à Europa.

Poch nasceu em 20 de fevereiro de 1952 e integra uma família com três gerações nas fileiras da Armada. Formou-se no Colégio Nacional de Buenos Aires em 1968 e ingressou na Escola Naval. Pertence à promoção 101 do Comando Naval. Em 1974, foi aprovado no curso de aviadores navais com a melhor qualificação entre 16 participantes. Quando ocorreu o último golpe de Estado, ele tinha o grau de tenente-de-corveta e estava destinado na Escola Aeronaval de Ataque. Em 1977, passou a integrar a Terceira Esquadrilha Aeronaval de Caça e Ataque. Nesses dois anos, foi produzida a maior parte dos voos com os quais a Armada apagou seus inimigos do mapa, delito que a Justiça argentina nunca investigou.

A carreira militar de Poch durou apenas oito anos. Passou a um retiro voluntário em 1980, com o grau de tenente-de-fragata. Em fins de maio de 1982, aos seus 30 anos, foi convocado pela Armada para participar da guerra das Malvinas. Seis anos depois, mudou-se para a Holanda com a sua esposa, Elsa Margarita Nyborg Andersen, e seus três filhos, todos nascidos durante a ditadura. O mais velho, que também é piloto da Transavia, foi registrado em agosto de 1976 na localidade de Verónica, perto da base aeronaval Punta Indio. As duas filhas mulheres foram registradas em 1979 e 1980 em Bahía Blanca.


Obrigado, Máxima

Os primeiros dados sobre as confissões de Poch foram conhecidos em 2007, depois que as autoridades holandesas receberam as denúncias dos empregados da Transavia e começaram a indagar sobre seu passado durante a ditadura. Em meados de 2008, um fiscal holandês e dois membros da equipe de investigação mudaram-se para a Argentina para aprofundar a pesquisa e notificaram formalmente o juiz Torres, que pouco depois viajou para a Europa para escutar pessoalmente as testemunhas.

Um piloto contou que o detonador do relato do marinheiro foi um comentário sobre Jorge Zorreguieta, ex-secretário de Agricultura do ditador Jorge Rafael Videla. Quando um comensal afirmou que o pai da princesa Máxima da Holanda "foi membro do regime criminoso", Poch "começou a defender esse governo e nos disse que tínhamos uma imagem errônea dessa época".

O marinheiro confessou "que, durante o período de seu serviço como piloto do regime de Videla, realizou voos regulares a partir dos quais grupos de pessoas eram jogadas do seu avião ao mar" e que "o objetivo desses voos era matar e se desfazer dos terroristas", relatou uma testemunha diante do juiz e de seu secretário, Pablo Yadarola. "Poch ainda acredita que fez o que era certo. Deu-nos a impressão de que não foi forçado e que pode viver com isso sem problemas emocionais", acrescentou.

"Ele contou que, do seu avião, jogavam-se fora pessoas com vida, com o fim de executá-las", reiterou um piloto que escutou Poch durante um jantar em um restaurante na ilha de Bali, na Indonésia. A testemunho confessou ter ficado "enraivecido fortemente, porque não se pode imaginar coisas tão terríveis" e acrescentou que Poch se justificou dizendo que "era uma guerra" e que as vítimas "haviam sido drogadas previamente". Depois, acrescentou que os familiares dos desaparecidos "não devem se queixar, porque sabiam que seus filhos e esposos eram terroristas".

Outra testemunha sugeriu que Poch "tem duas caras: pode se comportar como uma pessoa amável, mas, por sua vez, tem algo invisível que o faz se sentir superior, e pode ser que isso tenha a ver com seu passado como militar". "Seu comportamento era impressionante, defendia o fato de ter jogado pessoas no mar. Ele ainda acredita que tem razão. Vejo isso em seu rosto, em sua ferocidade. Ele fala de terroristas de esquerda", lembrou.

No dia 30 de dezembro passado, o juiz Torres pediu à Holanda a detenção de Poch, "com vistas à extradição", e pediu à Interpol a sua captura no resto do mundo. Dois meses atrás, no marco de uma investigação sobre os voos, o jornal Página/12 tentou sem sorte obter uma explicação sobre os motivos da demora. Dias depois, a pedido da Holanda, o tribunal realizou modificações na solicitação. Segundo fontes diplimáticas, a captura não ocorreu nos Países Baixos porque a dupla nacionalidade do imputado teria dificultado a sua extradição.

Poch tinha previsto realizar na terça-feira o seu último voo antes de se aposentar. Partiu do aeroporto de Schipol, em Amsterdã, com destino a Valência, onde devia fazer uma escala de 40 minutos. Quando baixou a escada, foi recebido por agentes do Grupo de Localização de Fugitivos da polícia espanhola. Exceto sua esposa e seu filho que integravam os passageiros, o resto do voo não sofreu nenhum prejuízo, porque já havia outro piloto pronto para substituí-lo.

No dia 07 de setembro, quando o jornal Página/12 informou sobre as confissões do capitão Hess e dos aviões Electra em exposição, indicou que vários pilotos "trabalham em empresas aéreas nacionais e estrangeiras". A pedido de diplomatas holandeses e do tribunal, onde o caso tramitou sob "segredo de justiça", omitiu-se mencionar Poch. A captura na Espanha sugere que seus companheiros processados por crimes na ESMA também não fizeram nada para evitá-la. Ele sabem disso desde o dia 12 de janeiro, quando o juiz Torres, ao processar o capitão Juan Arturo Alomar, mencionou com todas as letras o pedido de extradição "por sua vinculação com os voos da morte".
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